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A boa etiqueta e os biocombustíveis

Não raras vezes a mesma empresa domina o mercado de sementes, fertilizantes, agrotóxicos e a compra do grão. Ditam, portanto, os preços do começo ao fim da cadeia produtiva.O poeta grego Kaváfis dizia que a felicidade do ser humano está em viajar. Através das viagens, seria possível aprender e conhecer experiências dos outros.

Sem saber da existência de Kaváfis, eu já viajava pelo Brasil na década de 1970 —sempre de carona. Garanto que aprendi muito, e não apenas sobre a geografia do Brasil. Aprendi a conhecer e a respeitar a cultura dos brasileiros.

Não foi diferente o aprendizado durante os anos 80, quando arrisquei algumas viagens pela América do Sul e, nos anos seguintes, quando viajaria mais a serviço do que a passeio. Não quero dizer que ao viajar a serviço não se aprende. Mas, como qualquer pessoa, prefiro passear.

Acabei de chegar de uma viagem de trabalho, e garanto que voltei com mais conhecimento do que quando parti. Viajei pelo Parlamento do Mercosul a Bruxelas, onde participei, durante três dias, de diversas reuniões, a maioria delas no Parlamento Europeu.

Qualquer dia posso escrever sobre o que debatemos em cada um desses encontros. No momento, quero tratar de um deles, especificamente. Em princípio, não estava na minha agenda de trabalho, mas, pela importância do tema, participei do debate final do evento “World Refining Fuels Conferences”.

De antemão aviso: não falo inglês. Este fato, além de dificultar a compreensão e a participação, deu um trabalho enorme para os que, sem obrigação, cumpriram o papel de tradutor. Aproveito e agradeço a Marco Túlio e João Alfredo, diplomatas brasileiros, por terem me traduzido o debate ocorrido.

O debate foi interessante e importante principalmente para as empresas, países e mercado. Mas foi incompleto. Debateu-se a energia alternativa e como diminuir a poluição e, conseqüentemente, o efeito estufa. Aliás, este tema é obrigatório para governos e empresas que pensam o meio ambiente. Para muitos, mais obrigação retórica do que execução de políticas, na prática.

O debate foi dedicado à questão do biodiesel e do etanol, e a relação da produção de ambos com a crise do preço dos alimentos e com a fome que se “avizinha”. Ocorre que, para cerca de 900 milhões de pessoas em todo o mundo, a fome já é algo presente há bastante tempo.

Para alguns intelectuais, economistas, governantes e empresários, a ocupação da terra para produzir cana, mandioca, milho, soja e outros grãos para a produção de biodiesel e de etanol é a causa da inflação e da fome. Para outros, não. Na minha opinião, a fome, que está presente desde o início da existência do homem, é resultado de vários fatores. E, agora, pode ter mais um. Já o recente aumento do preço da comida tem outra razão.

O debate versou também sobre técnicas de produção de biodiesel e etanol ambientalmente sustentáveis. Falou-se ainda sobre a primeira e a segunda gerações de biocombustíveis. Os Estados Unidos foram criticados pelo subsídio dado à produção de etanol. Subsídios para o consumo de etanol queimado em carros. Não é um absurdo?

O debate foi incompleto porque não foram discutidas em profundidade as razões da alta dos preços dos alimentos. Uma das principais razões é a crescente oligopolização do setor. São poucas as empresas no mundo que dominam toda a cadeia da produção de alimentos.

Não raras vezes a mesma empresa domina o mercado de sementes, fertilizantes, venenos (agrotóxicos) e a compra do grão. Ditam, portanto, os preços do começo ao fim da cadeia produtiva. Aos presentes, não interessava este tipo debate, pois suas empresas detêm ações nas bolsas e são sócias da exploração, da inflação e da fome.

Não sei se Kaváfis, ao afirmar que a felicidade do ser humano está em viajar, levou em consideração a questão dos preços de alimentos e de como devemos nos comportar quando não conhecemos a cultura de um povo. Digo isso porque, ao final do evento, foi entregue a alguns participantes um livro sobre como deve um viajante se comportar e agir em cada país.

Como se deve comportar ao encontrar uma pessoa: abraçar, beijar, apertar a mão, reclinar a cabeça? Ah, e como comer? Será que por me comportar “bem” no evento é que não ganhei nenhum livro?

Dr. Rosinha, médico, é deputado federal (PT-PR), e vice-presidente do Parlamento do Mercosul.dr.rosinha@terra.com.br, www.drrosinha.com.br

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