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A CUT na construção de uma política feminista

Há quem diga que o machismo já foi superado e que as mulheres já alcançaram condições de igualdade com os homens em nossa sociedade. Sem dúvida nós mulheres conquistamos importantíssimos avanços ao longo da história. No entanto, um olhar mais cauteloso deixa evidente que para o conjunto das mulheres, principalmente das trabalhadoras, a discriminação ainda se faz presente cotidianamente, e há muito a ser transformado para que possamos de fato construir uma sociedade livre da opressão de gênero.
ROSANE SILVA

Durante a década de 90, sob o comando de FHC os tucanos governaram o Brasil seguindo a cartilha neoliberal. A desproteção social, a flexibilização e precarização do mercado de trabalho foram as conseqüências mais graves e evidentes para a classe trabalhadora. A informalidade cresceu juntamente com o desemprego, a média salarial diminuiu e a terceirização espalhou-se. As mulheres, ao lado dos/as jovens, foram os principais alvos desta política.

A Central Única dos Trabalhadores aliada a outros movimentos sociais fez frente a esta situação lutando para a construção de um projeto alternativo de sociedade.

Ao longo de 25 anos de trajetória, a CUT vem consolidando seu projeto, impulsionando mobilizações e vitórias nas mais diversas frentes de atuação. Para avançarmos ainda mais na implementação do projeto cutista precisamos pautar em nossa agenda geral as transformações necessárias para a superação das desigualdades entre os sexos.

Este desafio passa por três questões centrais: a construção de um projeto de desenvolvimento para nosso país a partir do ponto de vista da classe trabalhadora, que incorpore a luta das mulheres; a ratificação da Convenção 158 da OIT que trata das demissões imotivadas; e a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, que englobe o trabalho doméstico no conceito de trabalho.

A Jornada pelo Desenvolvimento e as mulheres trabalhadoras

O projeto de desenvolvimento para o Brasil com distribuição de renda e valorização do trabalho que vem sendo pautado pela CUT deve considerar a condição social das mulheres e sua situação no mercado de trabalho.

Mais da metade da classe trabalhadora desempregada são mulheres, o que demonstra uma nítida desigualdade de oportunidades entre os sexos e a importância de uma agenda de crescimento econômico que gere empregos, de qualidade, nos quais as mulheres também estejam contempladas.

Segundo dados da Fundação Perseu Abramo de 2001, as mulheres, em especial as negras, são a maioria da população que ganha até um salário mínimo e representam quase metade das mulheres que estão no mercado de trabalho. As empregadas domésticas são a maioria deste segmento.

O aumento do salário mínimo diminui a diferença na renda entre homens e mulheres e entre a média de salário das pessoas negras e brancas. Assim, uma política continuada de recuperação do salário mínimo é necessária e beneficia principalmente as mulheres.

A desigualdade salarial entre homens e mulheres ainda é o grande fator de diferença de trato nos locais de trabalho. Mesmo tendo mais anos de estudos, ganhamos, em média, 30% a menos que os homens que ocupam as mesmas funções. Esta é mais uma manifestação da desigualdade de renda e da hierarquia que estrutura nossa sociedade.

As mulheres recebem menos do que os homens pela discriminação direta e indireta. Uma forma de discriminação indireta é o fato das mulheres se concentrarem em determinadas profissões e tarefas que são pior remuneradas justamente por serem exercidas pelas mulheres. Quase metade das trabalhadoras brasileiras está no setor de educação, saúde e serviços sociais, sendo que 17% estão no emprego doméstico. As habilidades que as mulheres adquirem ao longo de sua socialização de gênero (destreza manual, paciência) são aproveitadas para o trabalho produtivo mas são não melhor remuneradas por isso. Por fim, o fato das mulheres serem responsáveis pelo cuidado da casa, dos filhos, doentes e idosos, limita suas possibilidades no mercado de trabalho.

Para reverter esse quadro são necessárias políticas de elevação da renda a exemplo da política de valorização do salário mínimo. São ainda necessárias políticas de combate à diferenciação do trabalho por sexo, que confina as mulheres em guetos. A garantia por parte do Estado de políticas de apoio à reprodução social, como creches e de cuidado aos idosos, também contribuem para a diminuição da dupla jornada destinada às mulheres.

Um projeto de desenvolvimento sob a visão das trabalhadoras, que possa significativamente afetar a nossa vida, precisa responder essas questões, ou seja, precisa ter como eixos a geração de empregos com qualidade e a garantia de políticas públicas de distribuição de renda.

Ratificação da Convenção 158 da OIT

A Convenção 158 da OIT também é um instrumento fundamental para a melhoria das condições de trabalho. Tal Convenção diz respeito à proibição da demissão imotivada. A partir de sua ratificação qualquer demissão deve necessariamente ter uma causa justa. A participação em sindicatos, gravidez, casamento, cor e sexo, entre outros, não poderão mais serem argumentos para demissão de trabalhadores/as.

A proibição da demissão imotivada garante assim uma maior estabilidade, inibindo a rotatividade sistemática no emprego, mecanismo utilizado pelos empresários para rebaixar os salários dos/as trabalhadores/as e a retirada de direitos.

Em situações de trabalho precário, com baixos salários e sem direitos garantidos as mulheres são as principais vítimas. Assim, a ratificação desta Convenção também faz parte da luta por mais e melhores empregos para as mulheres.

Por uma defesa feminista da Redução da Jornada de Trabalho

Já pontuamos que a inserção das mulheres no mercado de trabalho tem um perfil desigual em relação aos homens. Fato este decorrente de uma construção histórica que, mesmo com o aumento crescente da participação das mulheres no mercado de trabalho, continuamos sendo as responsáveis pelo trabalho doméstico.

A reivindicação da igualdade entre homens e mulheres precisa incorporar o reconhecimento do trabalho realizado na esfera privada. Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, em 2005, 91% das mulheres brasileiras exerciam tarefas domésticas contra 51% dos homens que realizavam esse mesmo tipo de atividade.

É por isso que a luta pela redução da jornada de trabalho assume uma dimensão diferenciada para as mulheres. Diz respeito ao uso do tempo livre de forma autônoma, governada por ela própria. Significa construir mecanismos que possibilitem romper com as imposições sobre as formas de utilização do seu tempo livre.

A ação sindical em torno da redução da jornada de trabalho tem enorme potencial para alterar a condição das trabalhadoras, mas tal medida somente terá um impacto positivo sobre a vida das mulheres se vier acompanhada por um amplo programa de políticas públicas no qual o Estado seja o responsável pela reprodução social e que reconheça a realização de tarefas domésticas não remuneradas como trabalho.

Nosso compromisso coletivo com esta luta já começou. Neste 8 de Março, dia internacional das Mulheres, estaremos em diversos Estados brasileiros recolhendo assinaturas para o abaixo assinado pela Redução da Jornada de Trabalho mostrando sua importância também para a vida das mulheres.

Somente conquistaremos qualquer avanço se desenvolvermos a organização das trabalhadoras para garantir a inclusão desta agenda feminista. Mobilizar o conjunto da classe trabalhadora e dos movimentos sociais em torno dessa agenda é uma tarefa central para todas/os sindicalistas que acreditam que, para mudar o mundo, é preciso mudar a vida das mulheres, ao mesmo tempo em que, para mudar a vida das mulheres, é preciso mudar o mundo.

Fontes: Pesquisa Fundação Perseu Abramo, 2001; “Uma análise das condições de vida da população brasileira” (1996/2006), IBGE, PNAD, 2006.

Rosane Silva é da Executiva nacional da CUT, Secretária nacional sobre a Mulher trabalhadora.

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