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Algumas linhas sobre o caos no Espírito Santo

ES violenciaAndré Casotti Louzada e Samira de Souza Sanches

Desde o último sábado (03/02), a população do Espírito Santo sofre as consequências do caos instaurado a partir do movimento reivindicatório de policiais militares e suas famílias. As manifestações, que na prática constituem um movimento grevista, tem como pauta principal o reajuste salarial da categoria, considerado o mais baixo do país e sem revisão há mais de sete anos.

Acreditava-se que o Governo do Estado, comandado pelo PMDB, receberia um grupo de policiais e familiares para negociação, abrindo um canal de diálogo com o movimento e pondo fim aos protestos, garantindo que a Polícia Militar voltasse a cumprir seu papel. Todavia, o que se viu foi a já conhecida arrogância e truculência que é marca de Paulo Hartung. Os movimentos sociais capixabas já estão habituados a tratar com o autoritarismo de PH. O único diferencial desta vez foi a ausência de violência contra os manifestantes, já que o braço armado do Estado – sempre diligente em reprimir manifestações de esquerda – agora está do outro lado.

Um breve relato dos últimos dias

A postura intransigente do governo trouxe um estado de permanente insegurança para a população. A paralisação da PM resultou no crescimento expressivo dos índices de violência. É difícil precisar a exata dimensão do problema, mas são inúmeros casos de saques, assaltos, estupros e assassinatos (segundos dados da polícia civil, já são cerca de 75 mortes violentas contabilizadas em 4 dias – contra 4 mortes violentas em todo mês de Janeiro). Ao contrário do que o governo se esforça para dizer em suas peças publicitárias, a violência não é exceção no Espírito Santo. A situação de insegurança que a população da periferia do estado já sofria no seu cotidiano agora atinge uma parcela maior de habitantes do estado. Nunca é demais lembrar que o estado é um dos que mais mata negros no Brasil e está no primeiro lugar em mortes de mulheres negras.

Ao mesmo tempo, o que se percebe é que a classe trabalhadora acaba por arcar com as consequências da postura irresponsável do governador. Como exemplo, a obrigação dada por várias empresas de manutenção de suas atividades, mesmo com enormes dificuldades de locomoção geradas pela falta de transporte público; além da  lamentável postura da Secretaria de Estado da Educação que manteve aulas durante toda a segunda-feira, expondo profissionais e estudantes a situações de risco, apenas para não reconhecer a própria incompetência do governo no manejo da crise.

Com o medo, aumentam também os casos de “justiça com as próprias mãos” e inúmeras situações de linchamento ocorrem pelas ruas da cidade. Hoje, a maior parte da população da Grande Vitória vivencia uma situação de prisão domiciliar, obtendo informações através de relatos nas redes sociais – e toda sorte de boatos que nelas circulam – e de veículos midiáticos cúmplices de PH.

O governo do Espírito Santo, que desde o início apoiou o processo que culminou no golpe de estado que derrubou a presidenta Dilma, aposta na boa relação com o Governo Federal ilegítimo para conseguir se safar das dificuldades que enfrenta. Sem reconhecer sua parcela de responsabilidade na crise, apela para ajuda da Força Nacional e das Forças Armadas, reforçando a velha e equivocada ideia de que essas forças auxiliares podem desenvolver uma tarefa para a qual não possuem qualquer tipo de treinamento.

Essa postura intransigente do governo também revela um temor de que, perante uma eventual concessão aos policiais, outras categorias do funcionalismo igualmente defasadas se mobilizem para exigir seus direitos. Afinal, o suposto exemplo de responsabilidade fiscal para os outros estados do Brasil ocorre às custas do arrocho salarial e da precarização das condições de trabalho de todos os servidores do ES.

Soluções para a crise de segurança pública no ES

Apesar da exaltação da chegada do exército na noite de segunda-feira (06/02), pouco se avançou em relação à diminuição da violência. Mais de 10 mortes foram registradas durante a noite e inúmeros casos de violência ocorreram, o que ajuda a reforçar aquilo que dissemos acima: é uma falácia atribuir às Forças Armadas a solução para os problemas. Além disso, independente da provável resolução forçada do conflito através da ação do exército e do judiciário, já ficou nítida a vulnerabilidade da população diante da irresponsabilidade do poder público.

A solução para o momento que o Espírito Santo vivencia, embora complexa, inclui, de imediato, a abertura de um canal de negociação com os representantes do movimento, e uma discussão profunda sobre uma política de segurança pública que passe pela valorização e formação cidadã dos profissionais, e mais profundamente, pelo necessário processo de desmilitarização da polícia. Só a desmilitarização garantirá policiais com melhor treinamento (sem violência e maus tratos), melhores condições de trabalho e possibilidade de organização em sindicatos para reivindicar seus direitos de forma digna, acabando com a arcaica instituição da Justiça Militar (que invariavelmente aplica punições absurdas). O rompimento com a cultura autoritária trazida pela militarização levará a um tratamento mais humano dos policiais, que refletirá indubitavelmente em respeito aos direitos dos cidadãos e cidadãs, o que é mais importante. O fim da PM é o fim de uma máquina de moer gente.

Por fim, é mais do que nunca necessário discutir nosso papel enquanto partido nesse momento. É urgente que o Partido dos Trabalhadores se retire imediatamente do governo estadual. Já fizemos esse apelo no ano passado; agora, torna-se ainda mais esdrúxula a permanência do PT em um governo que joga com o destino da população, principalmente pobre e negra, as maiores vítimas fatais desse caos instaurado. O silêncio do partido, quando deveria apresentar-se como porta-voz de um projeto alternativo para os capixabas e iniciar o debate público sobre as saídas para a crise, joga o PT na vala comum do consórcio formado entre neoliberais e conservadores comandado por PH. Ao misturar-se nas águas turvas deste governo, o PT desperdiça a possibilidade de disputar os rumos deste impasse e torna-se responsável pelos aplausos com que o exército foi recebido em vários bairros. É urgente uma mudança de rumos, sob pena de um desastre para o povo.

André Casotti Louzada é Secretário de Formação Política do PT-ES

Samira de Souza Sanches é Secretária Geral do PT-ES e integra a Coordenação Nacional da DS

 

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