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Até onde vai a relação do clã bolsonaro com as milícias? | Bernardo Cotrim

 

Foto: Reuters/Adriano Machado

“Por isso não adianta estar no mais alto degrau da fama/com a moral toda enterrada na lama”. Os versos do sambista Mauro Duarte caem como uma luva na espiral de escândalos que envolve Flávio Bolsonaro. O que parecia um caso de “caixinha” de mandato, uma espécie de “dízimo” pago pela sua assessoria e operado por Fabrício Queiroz, policial militar aposentado, lotado no gabinete do parlamentar e que fazia as vezes de segurança e motorista de Flávio, revela-se apenas uma ponta de uma trama sórdida envolvendo a relação do clã Bolsonaro com o crime organizado do Rio de Janeiro.

Ainda na campanha de 2018, Flávio figurou no noticiário graças à prisão dos gêmeos Alan e Alex de Oliveira, policiais militares que integravam uma quadrilha especializada em extorsão. A irmã dos policiais, Valdenice, era lotada no gabinete do deputado e desempenhava também a função de tesoureira do PSL. Os irmãos faziam bico como seguranças de Flávio em eventos e agendas de rua. As conveniências da disputa eleitoral, entretanto, parecem ter desempenhado papel decisivo na baixa repercussão do episódio.

O caso Queiroz, revelado pelo relatório da COAF que identificou movimentações financeiras atípicas na conta bancária do assessor e amigo do clã, acabou servindo como estopim de um sinistro rol de relações suspeitas, jogando luzes sobre ações passadas do parlamentar ao mesmo tempo que novas revelações preenchem o noticiário político: inicialmente um aparente caso de “caixinha” entre assessores do mandato, o policial militar mostrou-se a ponta do iceberg da relação umbilical entre Flávio Bolsonaro e milicianos de Rio das Pedras, o maior território sob controle das milícias na cidade do Rio. Não por acaso, foi em Rio das Pedras que Queiroz se refugiou para esconder-se da imprensa logo após a revelação dos depósitos em sua conta.

As últimas notícias, ironicamente reveladas no mesmo dia em que o pai presidente fazia um patético pronunciamento de 5 minutos no Fórum Econômico de Davos, arremessam Flavio Bolsonaro no olho do furacão. Uma operação contra a milícia de Rio das Pedras revelou perigosas conexões: pelo menos 5 presos são suspeitos de envolvimento no bárbaro assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL; 1 deles é o major da PM Ronald Pereira, réu no processo da chacina do Via Show, ocorrida em 2003 na Baixada Fluminense. Ronald recebeu homenagem de Flávio Bolsonaro na ALERJ em 2004, 2 meses após ser apontado pelas investigações como responsável pela chacina.

Outro alvo da operação, o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega desnuda mais um escândalo. Foragido, Nóbrega já foi preso como integrante de uma quadrilha de caça-níqueis e é apontado como líder da milícia de Rio das Pedras e chefe do “Escritório do Crime”, conhecido grupo de extermínio. Nóbrega também mereceu homenagens de Flávio Bolsonaro na ALERJ, em 2003 – por sua “dedicação, brilhantismo e galhardia” – e em 2005. A esposa e a mãe de Nóbrega figuraram como assessoras do gabinete do parlamentar até novembro de 2018, ganhando salários de cerca de 6500 reais cada uma. Raimunda Magalhães, mãe do chefe da milícia, aparece na lista de assessores que realizou depósitos na conta bancária de Fabrício Queiroz.

A história ganha contornos ainda mais assustadores ao lembrar que Flávio Bolsonaro foi o único deputado estadual a votar contra a homenagem da Alerj à Marielle Franco, e que tanto ele quanto Jair Bolsonaro, por diversas vezes, manifestaram-se publicamente em defesa das milícias, inclusive durante os debates e a entrega do relatório da CPI que investigou a atuação criminosa das organizações. Em nota, o parlamentar apresentou uma justificativa patética: diz ser alvo de “campanha difamatória” e atribui as nomeações da esposa e da mãe de Nóbrega ao ex-assessor Queiroz.

O ministro da Justiça Sérgio Moro, ungido prócer do combate à corrupção pela mídia empresarial tupiniquim, por sua vez, terá que explicar, ao retornar de Davos, porque o tratamento aos investigados é tão diferente quando as denúncias rondam a família do seu chefe. Queiroz faltou duas vezes ao seu depoimento no MP; sua família tampouco apareceu. Flávio Bolsonaro, também convidado, comprometeu-se a marcar nova data, o que nunca ocorreu. No entanto, nada de conduções coercitivas espalhafatosas, coletivas e powerpoints; o silêncio obsequioso só foi quebrado com o pedido sui generis dos advogados de Flávio para suspender as investigações contra Queiroz porque Flavio, eleito senador mas ainda não empossado, teria direito ao foro privilegiado – solicitação prontamente atendida em liminar bizarra concedida pelo ministro Fux.

As denúncias caíram como uma bomba, baixando a intensidade das redes bolsonaristas e aumentando a turbulência do governo federal antes mesmo de completar o primeiro mês. Ao manter a presença ativa dos filhos no núcleo do governo, mesmo sem participação formal, o presidente puxa para o Centro da sala de estar o caldeirão de problemas. Agora, além das movimentações financeiras atípicas – o cheque de 24 mil reais de Queiroz para a primeira-dama e o incomum depósito feito por Flávio de 96 mil reais em 48 envelopes de 2 mil na boca de um caixa eletrônico dentro da Alerj, a família terá que explicar as relações umbilicais com a milícia de Rio das Pedras.

A lua de mel pós-vitória eleitoral sofreu um forte e precoce abalo. A imagem de inimigo da corrupção pode estilhaçar como um cristal, e o proselitismo ideológico, se serve para adular a base social organizada do “bolsonarismo”, é insuficiente como resposta. A mídia empresarial utiliza o episódio para chantagear o governo: amplificam as denúncias contra Flávio, mas mantém a opinião da oposição invisível e sinalizam termos de repactuação (em especial as Organizações Globo, ameaçadas por Bolsonaro). O desenrolar deste imbróglio é um teste de fogo para o novo governo, pois pode aumentar o poder de barganha da base parlamentar, criar instabilidade para a aprovação das reformas prometidas ao mercado e elevar a tensão entre as diferentes alas presentes na equipe.

À esquerda, cabe dar volume e consequência aos fatos: exigir a apuração das denúncias, investigar a relação entre a família Bolsonaro e os mandantes do assassinato de Marielle, apresentar-se com nitidez programática na oposição ao governo e criar o máximo de entraves para dificultar a agenda repressiva, antinacional e privatizante do governo. Os próximos capítulos podem modificar sensivelmente as condições de disputa política.

Bernardo Cotrim é jornalista e militante da Democracia Socialista.

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