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Chapada do Apodi: a defesa do território, da agroecologia e da vida

1102317Da Carta Maior

A Caravana Agroecológica e Cultural do Apodi começou na última quarta-feira, dia 23, reunindo mais de 200 pessoas, a maioria agricultores e agricultoras de assentamentos e comunidades da região, incluindo ainda representantes de dezenas de entidades, dos estados da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte.

Não é um simples intercâmbio de experiências do povo que pratica outro modelo econômico no campo. E que, nesta região, está ameaçado pelo Projeto de Irrigação da Barragem Santa Cruz, que já tem 13 mil hectares desapropriados, onde vivem 800 famílias. A escolha do roteiro da Chapada do Apodi, que expande sua área pelo Ceará, não foi uma escolha técnica.

Mais de 150 famílias de agricultores e agricultoras de comunidades vizinhas aos assentamentos da região já tiveram suas terras desapropriadas pelo DNOCS (Departamento de Obras Contra a Seca), um órgão que iniciou vários processos de irrigação no Nordeste desde a ditadura, e que continua com o mesmo viés autoritário daquela época.

Os representantes das comunidades e de vários assentamentos já organizados e com produção econômica diversificada não foram ouvidos. Ou, se fizeram audiência pública, para discutir a questão, ninguém ficou sabendo. Uma parte da área foi invadida por cerca de mil famílias que formaram o acampamento Edivan Pinto, considerado o maior do MST no país, em solidariedade às comunidades agrícolas da Chapada do Apodi.

Dois anos de seca

A Caravana é uma iniciativa da Articulação Nacional do Semiárido (ASA), da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), da Marcha Mundial das Mulheres, do Sindicato dos Agricultores e Agricultoras do Apodi, do MST, da CPT, da CETRA, todas multiplicadas em dezenas de outros grupos agroecológicos e da agricultura familiar, totalmente enraizados na região e em todo o semiárido – uma área que envolve nove estados, além do norte de MG, com uma população de 25 milhões de pessoas, e que sofre há dois anos com uma seca terrível.

Na região de Mossoró choveu apenas 300 milímetros no ano passado, para uma média que já é muito baixa para o semiárido, que é de 600 mm. E com uma escala de desertificação em andamento.

Ao longo dos 250 km que separa Fortaleza de Mossoró, o cenário de centenas de pés de carnaúba queimados é frequente. Uma área que era para estar cheia de água, como comentava o motorista Luciano, há 30 anos percorrendo os sertões do semiárido, agora deixa à mostra a areia quase branca em que se transformou o solo da região.

A Caravana é uma maneira de botar a boca no trombone, denunciar o conflito de dois modelos econômicos completamente antagônicos. Um totalmente concentrador, autoritário, industrial, mas com uma carga venenosa de resíduos deixados na terra e na atmosfera. O outro comunitário, diversificado, onde agricultores e agricultoras trabalham lado a lado, onde a esperança de um mundo melhor é uma causa real, não apenas um sonho distante. Produzir comida, manter a segurança alimentar da comunidade, conviver com as características próprias da região, é uma opção por outro modelo, onde em primeiro lugar está a vida, a cultura e a história das comunidades. Depois o lucro, o aparato tecnológico.

A Força das Mulheres

Foi embaixo dos pés das castanholas, como se diz aqui, no pátio interior do Seminário Santa Terezinha na cidade, que ocorreu o lançamento da Caravana. Com muita música, com os tambores característicos da Marcha Mundial das Mulheres, com a poesia, o repente, o discurso indignado contra o agronegócio. No cerrado, a castanhola é conhecida como sete copas, mas ela é uma castanheira, tem raízes fortes, e na época da seca alimenta as araras.

As raízes dessa árvore traduzem a força desse povo, principalmente das mulheres, que fisicamente estão em maior número. O CETRA foi criado por uma mulher, dona Margarida, assistente social, na década de 1980, quando o marido advogado era o único disposto a defender os trabalhadores rurais.

Muitos morreram na luta pela reforma agrária, como Margarida Alves, da Paraíba, assassinada em 1983. Também Zé Maria Tomé morto com 25 tiros pelas costas no dia 21 de abril de 2010, em Limoeiro do Norte, onde já funciona um projeto de irrigação do DNOCS, com fruticultura empresarial, justamente o modelo oposto dos agricultores e agricultoras da Chapada do Apodi, do lado potiguar.

Desapropriações já começaram

É um projeto que também levará água a algumas cidades – duas adutoras previstas -, mas que tem um custo avaliado em R$240 milhões, sendo que R$5 milhões estão previstos para desapropriações. Também não é para menos, como diz um dos integrantes do Sindicato dos Agricultores e Agricultoras de Apodi, Agnaldo Fernandes. O DNOCS informa que vai desapropriar 157 casas, como se cada casa representasse uma família. Na verdade, uma casa é uma comunidade com 10 famílias. Como é o caso da Comunidade Palmares onde consta como uma desapropriação e vivem na área 30 famílias. Sem contar o custo de R$700 por hectare pago como indenização.

Entretanto, não é apenas isso que está em jogo. As comunidades e os trabalhadores assentados não querem outro modelo convivendo no mesmo território. Não estão interessados em fruticultura industrial, porque praticam uma agroecologia totalmente diversificada, com feijão, milho, várias frutas, caprinos, ovinos, bovinos, viveiros de peixes, artesanato, comercialização em rede de economia solidária. Não querem o aparato do agronegócio, com seus venenos tecnológicos e sementes transgênicas.

No olho do furacão

Como disse na abertura Carlos Eduardo Leite, da executiva da ANA e trabalhando há mais de 20 anos na região de Juazeiro (BA): “assim como o povo foi para as ruas nas cidades, nós estamos vindo para o olho do furacão, para a zona de confronto, como no Apodi, para ressaltar as experiências e as vivências dos agricultores e agricultoras da região e mostrar que existe outro modelo, existe uma alternativa para fazer frente ao agronegócio”.

Nesta semana também se iniciou a Caravana Agroecológica e Cultural da Amazônia, saiu de barco no dia 22 de Santarém (PA), onde a Cargill instalou um armazém com capacidade de estocar 1,2 milhão de toneladas de soja.

No próximo mês será a vez da Caravana do Sul, iniciando por Porto Alegre, passando por Florianópolis e terminando em Curitiba, onde oito agricultores continuam presos acusados de desviar verba do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Mas será uma caravana temática, porque no Sul funcionam as redes de comercialização de produtos ecológicos. A ideia é mostrar trabalho e conflitos em todos os biomas brasileiros, acumulando uma rede de experiências, articulações de milhares de agricultores e praticantes da agroecologia, na sua maioria, componentes da agricultura familiar, será divulgada no III Encontro Nacional de Agroecologia, que acontecerá em Juazeiro entre os dias 26 a 29 de maio de 2014, no campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco. As centenas de entidades ligadas a esse trabalho resolveram ampliar o leque de apoio ao movimento, incluindo outros segmentos da sociedade civil, das áreas da economia solidária, saúde pública coletiva e segurança alimentar.

O povo rural continua comemorando a vitória do lançamento do Plano Nacional da Agroecologia e Produção Orgânica, realizado pela presidenta Dilma Rousseff no dia 17 último. E outro fato muito importante: o convênio assinado entre a ASA e o BNDES no valor de R$ 90 milhões para a multiplicações de tecnologia agroecológicas, formação de pessoas, gestão de recursos, ampliação dos bancos de sementes crioulas, no programa chamado “Uma terra – duas águas”. Não é recurso de mercado, é a título de desenvolvimento social mesmo, sem reembolso.

Na quinta, dia 23, sigo pela rota Romana Barros para conhecer algumas experiências, entre elas a rede Xique-Xique. À noite, todos se encontrarão em Apodi, para na sexta-feira à tarde visitar o acampamento Edivan Pinto, que já está sob a ameaça da decisão judicial de reintegração de posse. No sábado, a Caravana encerra com um ato público que inicia na feira livre da cidade pela manhã, contra o Projeto de Irrigação da Barragem Santa Cruz, definido pelos apodienses como o “Projeto da Morte”.

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