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Coragem de mudar: participação popular e socialismo

Apresentamos a seguir a tese completa e a nominata da chapa “Coragem de mudar: participação popular e socialsimo” que concorre no Processo de Eleição Direta do PT (PED). Esta chapa é composta pela Democracia Socialista e outras tendências e grupos do partido.

I – Crise do neoliberalismo

“Revoltas populares sucedem-se em diversos países, em particular na América Latina, onde o caso da Argentina é a última e mais radical manifestação das conseqüências de uma política imposta pelo FMI. A instabilidade crescente da economia mundial, com a sucessão de crises, tem retirado legitimidade do projeto neoliberal. Esta mudança do quadro mundial permite combinar a defesa da soberania com a luta por uma ordem internacional radicalmente distinta da que está sendo construída. À mundialização do capital e dos mercados devemos opor a solidariedade e o internacionalismo dos povos. É neste contexto que a defesa do socialismo democrático começa a tornar-se mais favorável, assim como cresce a perspectiva de apoio a um programa de esquerda em escala internacional. Não podemos defender o isolamento nacional; é preciso lutar pelos interesses de toda a humanidade. Assim, as relações internacionais não devem ser entregues à lógica dos mercados desregulados ou ao mando imperial levado a cabo pelas instituições da globalização neoliberal – FMI, Banco Mundial, OMC, ALCA. Desta forma, a soberania nacional deve ser associada estreitamente com soberania popular, e com solidariedade internacional entre os povos oprimidos pelo imperialismo. Mais do que um “PROJETO NACIONAL”, trata-se de formular um projeto que incorpore a defesa da Nação e se proponha a transformá-la e a lutar por uma outra ordem internacional. Deve-se valorizar o Fórum Social Mundial e, ainda, fortalecer o movimento de defesa da taxa Tobin e pela constituição de um fundo internacional de combate à pobreza, pelo fim dos paraísos fiscais, pela criação de novos mecanismos de controle do fluxo internacional de capitais e pelo estabelecimento de mecanismos de autodefesa contra o capital externo especulativo. A campanha internacional pelo cancelamento das dívidas externas dos países pobres deverá ter forte participação do Brasil e deve ser acompanhada pela perspectiva de auditoria e renegociação das dívidas públicas externas dos demais países do “terceiro mundo” .”

XII Encontro Nacional do PT, dezembro de 2001

1. A etapa atual da luta contra o neoliberalismo permite e cobra ações internacionalistas em três campos combinados. O primeiro campo baseia-se na análise de que o período atual continua a ser marcado pelo fato dos EUA não terem capacidade para exercer sozinhos a liderança imperial como no período 45-70. Este unilateralismo provoca fissuras na ordem internacional, abrindo brechas para disputas políticas em torno à construção de uma nova agenda mundial, alternativa às dinâmicas combinadas do capital financeiro e do militarismo.

2. A recusa à participação na guerra contra o Iraque, a busca de alianças com outros países periféricos semi-industrializados para intervir nas negociações comerciais em posição de força, as iniciativas para formar um bloco econômico regional alternativo à ALCA proposta pelo governo dos Estados Unidos, são algumas das ações impulsionadas pelo governo Lula neste campo que apontam no rumo certo e que devem ser aprofundadas.

3. O segundo campo baseia-se na identificação de uma conjuntura nova na América Latina, com vitórias de forças de esquerda, ou progressistas, como sinais evidentes da crise dos projetos neoliberais. Passou-se de um período, típico dos anos noventa, em que os governos da América Latina disputavam a primazia das relações com os EUA, para outro em que o projeto Alca vive um impasse e abrem-se amplas possibilidades de avanço em relação ao projeto Mercosul ampliado para toda a América do Sul. Talvez não tenha existido nenhuma conjuntura tão propícia a avanços no conjunto da América Latina.

4. A experiência Allende já se deu em um contexto de quase isolamento no continente no início da década de 70. A dinâmica revolucionária centro-americana nos anos 1980 tinha limites sócio-econômicos muito fortes. E aqui é evidente o papel central jogado pelo Brasil. Uma dinâmica de unidade continental certamente cria melhores condições para processos nacionais de transição do paradigma neoliberal, que já estão postos na agenda de países do continente. Nosso partido deve aprofundar as relações com os partidos e movimentos político-sociais que buscam superar, desde o ponto de vista dos trabalhadores, o neoliberalismo. Ao mesmo tempo, o governo deve construir alianças estratégicas para a superação do neoliberalismo com a Venezuela, Cuba, Uruguai e outros países da América Latina.

5. Um terceiro campo de protagonismo está na continuidade e avanço do Fórum Social Mundial, garantindo uma forte interação com as redes continentais que têm se estruturado nos últimos anos na América Latina para resistir à ALCA e construir alternativas ao “livre comércio”, para articular a luta sindical na região, para lançar campanhas contra a opressão patriarcal e em outras áreas. O cenário mais propício para potencializar a recomposição das esquerdas na nossa região são as campanhas e mobilizações continentais e nacionais contra os principais pilares da ordem neoliberal.

6. Desde 1997, foram derrubados governos neoliberais pela força das mobilizações populares – no Equador, Bolívia e Argentina. Em 1998, a eleição de Hugo Chávez na Venezuela abriu uma seqüência de vitórias eleitorais de candidaturas que questionavam – ainda que em grau diferenciado – a agenda neoliberal e a política imperial norte-americana. A mais recente foi a de Tabaré Vazquez no Uruguai. O fato de esses processos manterem estreitos vínculos com o cubano é fundamental. Esses elementos indicam que na América Latina abriu-se uma “janela”, uma brecha de contestação mais ampla à “ordem” que o governo Bush quer impor ao continente.

7. O período atual da luta de classes na América Latina deve ser compreendido como o de abertura da possibilidade de transição entre uma fase anterior, marcada pelo domínio incontestável do neoliberalismo, e a construção de um outro cenário, no qual o neoliberalismo seja superado como paradigma.

8. Não há automatismo entre a crise do neoliberalismo e sua superação. Iniciou-se um processo de reorganização programática das esquerdas, mas sem sínteses legitimadas. O processo dos Fóruns Sociais Mundiais; as vitórias político-eleitorais na América Latina contra forças neoliberais; a construção de redes e campanhas de mobilização continental de claro sentido antiimperialista; as fortes mobilizações sociais em diversos países em defesa da água, de serviços públicos, da economia camponesa e indígena, contra as privatizações e o crescimento da esquerda em vários processos nacionais são indicadores de uma retomada da capacidade de iniciativa política popular, mas até agora não resultaram em processos amplos de clara superação do paradigma neoliberal. O grande desafio já não é mais apenas apontar que “outro mundo é possível”, idéia síntese do período de resistência, mas também “qual outro mundo é possível”.

9. Se é necessária a compreensão da crise de legitimidade do neoliberalismo, é também imprescindível combater os riscos do pragmatismo, da conformação dos horizontes utópicos a um capitalismo pretensamente reformável, da esterilização de forças emancipatórias pela integração à ordem estatal burguesa ou de mercado. Estes riscos são centrais para partidos do socialismo que tenham chegado ao governo central de seus países, como o PT.

10. O combate à adaptação ou integração à ordem burguesa exige uma resposta histórica, tendo por base a tradição socialista revolucionária, que é o desafio de avançar na construção de uma transição democrática ao socialismo, em regime de pluralismo, de democracia participativa, de progressiva superação da lógica mercantil privatista e em relação dialética com um processo de transformação da ordem mundial dominante.

II – Em defesa do Governo Lula e do programa democrático e popular

“O modelo de desenvolvimento comandado pelo governo democrático e popular estará sustentado num novo contrato social, fundado num compromisso estratégico com os direitos humanos, na defesa de uma revolução democrática no país. A alternativa proposta representará uma ruptura com nossa herança de dependência externa, de exclusão social, de autoritarismo e de clientelismo e, simultaneamente, com o neoliberalismo mais recente. Isso envolverá, portanto, uma disputa de hegemonia, em que a afirmação de valores radicalmente democráticos estará contraposta, por um lado, à cultura política e às práticas do clientelismo, da conciliação, da privatização do público e, por outro, à cultura de mercantilização que articula valores e determina atitudes individualistas e consumistas, inclusive entre os próprios segmentos excluídos e oprimidos.”

“Os grandes rentistas e especuladores serão atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e, nessas condições, não se beneficiarão do novo contrato social e serão penalizados.”

XII Encontro Nacional do PT, dezembro de 2001

1. A eleição de Lula significou uma vitória política de importância histórica sobre o projeto neoliberal, expressando um anseio popular por mudanças. A força social responsável por essa vitória foi o campo social baseado nas organizações dos trabalhadores. Este campo foi construído desde as lutas contra a ditadura, passando pela fundação e desenvolvimento do PT, da CUT e de um amplo movimento social urbano e rural. Entrou em choque e foi reprimido pelos governos neoliberais de FHC. É a este campo que o governo Lula é tributário.

2. Nossa vitória político eleitoral não criou por si só as condições históricas de superação do neoliberalismo. Ela abriu, no entanto, a possibilidade de um período de transição, marcado por fortes tensões e disputas políticas e sociais, em que o desafio está justamente em ir criando as condições de correlação de forças e legitimidade democrática para estabelecer um paradigma alternativo ao neoliberal.

3. Mas, ao mesmo tempo e por uma orientação majoritária no PT – e contando com a nossa oposição e da esquerda partidária -, a vitória de Lula expressou também uma atitude conciliadora com as “forças do mercado”.

Essa atitude foi, na época, uma resposta à rápida deterioração da situação econômica em 2002 – produto do fiasco da política econômica do governo FHC e da campanha de seu partido de que um governo do PT traria o “caos”. Foi uma opção política – errada – para enfrentar a crise. Havia outras opções políticas que teriam levado a medidas econômicas cujo caráter apontaria para a superação do receituário neoliberal. Entre uma e outra atitude possíveis, a diferença estava em como direcionar estrategicamente a vitória política e eleitoral. Tentar uma “governabilidade” sobre a base de uma “maioria parlamentar” construída junto com partidos do centro e da direita no Congresso Nacional – como foi a opção – ou buscar uma governabilidade baseada na mobilização social, alicerçada num processo de participação popular, no reforço dos vínculos com os movimentos sociais através da disseminação dos benefícios de programas sociais universais. Essa segunda possibilidade baseia-se nas ricas experiências de democracia participativa que desenvolvemos nas cidades e Estados que governamos. Em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, nossos governos não tinham maioria parlamentar, nem fizemos dessa busca o centro da governabilidade.

4. Dois anos depois, o governo Lula expressa essa contradição fundante de forma dilacerada. A necessária afirmação da soberania nacional enfrenta reações que vêem na ALCA uma sinalização necessária para acalmar os capitais internacionais. O fortalecimento da capacidade do Estado frente ao mercado é contraditado por lógicas que buscam subordinar o país aos ditames do capital para supostamente conseguir aumentar os investimentos estrangeiros. A ampliação dos gastos públicos sociais e em investimentos é bloqueada pelos superávits primários para pagar a dívida pública que cresce porque o Banco Central aumenta os juros como sua única política anti-inflacionária.

5. Foi sob o governo Lula que as negociações da ALCA entraram em um impasse. Nesses pouco mais de dois anos, o BNDES parou de ser instrumento do programa de privatizações, para ser ferramenta de uma “política industrial” (conceito que tinha sido banido por FHC) e de apoio à integração dos países da América do Sul (na estratégia de contraposição à ALCA). Depois de anos de desmantelamento, iniciaram-se esforços para reconstruir a capacidade do Estado frente ao mercado. O governo alterou parcialmente a relação do Estado com os movimentos sociais, reconhecendo-os como interlocutores, abrindo novos espaços de participação e negociação. O governo incorporou a Economia Popular e Solidária como política pública, criando a Secretaria Nacional de Economia Solidária. A política agrária passou a priorizar o fortalecimento da economia das comunidades de pequenos produtores e no apoio técnico, creditício e de infra-estrutura aos sem terra que vão conquistando a terra. Além disso, iniciou a reparação histórica ao negros, através da titulação das terras de quilombos. De outro lado, colocou no debate políticas sociais de igualdade de gênero; assumiu a reforma do ensino superior numa perspectiva de recuperar o seu caráter público e vinculada ao tema do desenvolvimento nacional, entre outros aspectos positivos.

6. Estímulos às exportações oriundos do mercado mundial somados aos efeitos da popularização do acesso ao crédito para o consumo resultaram em melhorias nos níveis de atividade em vários setores econômicos, em recuperação da taxa de crescimento do PIB e conseqüentemente em uma redução do desemprego. Esses e outros ganhos têm que ser matizados porque: (a) ocorreram depois de um período de crise e estagnação econômicas (2002-3), isto é, são “bons” quando comparados a um período ruim; (b) porque ocorrem sobre bases frágeis, já que o núcleo central do modelo não é pró-crescimento, como mostra o fato de que pelo nono mês seguido o Banco Central aumentou novamente a taxa de juros na reunião do Copom de maio, o que vem a se constituir em freio para a incipiente recuperação econômica.

Seja porque periodicamente obstaculiza a retomada do crescimento, seja porque estrangula a capacidade do Estado de fazer políticas públicas, a atual política econômica é um entrave decisivo para realizar as expectativas populares depositadas no governo Lula. A política de juros altos do Banco Central e a política de superávits primários do Ministério da Fazenda formam o núcleo da política conservadora no governo. Trata-se de um círculo vicioso: o monetarismo do BC agrava a situação fiscal ao aumentar o peso da dívida pública, e em resposta a Fazenda aumenta o superávit.

7. Vem ocorrendo um forte reagrupamento das forças conservadoras em torno ao PSDB. A grande imprensa é seu maior palco. Com defesas restritas à política econômica, o resto do governo é acusado de tudo. De estar promovendo a baderna social – já que não reprime os movimentos sociais. De desperdiçar dinheiro atendendo os pobres. De retrógrado porque não aceita subordinar o país aos acordos de “livre comercio”. De estar promovendo o inchaço estatal novamente.
O neoliberalismo só voltará sobre “seu eixo” se o PSDB e seus aliados voltarem ao governo central. Sob o atual governo, a política econômica conservadora é uma contradição com outras políticas do mesmo governo que deve ser “explicada” todo dia, é um tensionamento permanente com a base social da esquerda e, de fato, não amplia em nada as alianças reais do governo em direção ao centro. A recente escolha do presidente da Câmara de Deputados evidenciou que quem estrutura e organiza o amplo campo político conservador – que inclui inclusive alguns setores que formalmente se declaram parte da “base do apoio” do governo – são FHC e o seu partido.

8. A caracterização do governo como social-liberal, isto é, um governo com base popular mas de uma orientação de conjunto neoliberal, é economicista e parcial, porque centrada na gestão macro-econômica. Para se sustentar, tem que imprimir um tom sectário ao diagnóstico de um conjunto de mudanças estruturantes imprimidas pela ação de governo (na política internacional, no reposicionamento de um conjunto de agentes econômicos do Estado, na relação com os movimentos sociais, na reforma agrária, nas políticas sociais). Ao diagnosticar o governo Lula como fundamentalmente de continuidade de FHC perde a centralidade de posicionamento na luta de classes, elegendo o combate ao governo Lula como o centro da atividade política.
Dizer – como afirmam alguns grupos de esquerda sectarizados e dogmáticos – que o governo Lula é igual ao FHC é fechar os olhos à realidade. Mas sobretudo seria desperdiçar um momento político histórico onde abriu-se uma brecha para superar o neoliberalismo no Brasil. Por outro lado, afirmar que se trata já de uma efetiva superação do projeto neoliberal seria não reconhecer que o governo encontra-se em uma armadilha, que sua atual “governabilidade” só funciona no Congresso se for para aprovar medidas conservadoras. Que para reencontrar seu eixo deverá fazer outra opção política.

9. Ter essa apreensão não deve atenuar a crítica à concepção de governo que foi desenvolvida com o apoio da maioria da direção do partido. Ao manter a gestão macro-econômica neoliberal e priorizar agendas neoliberais no primeiro ano (como a reforma fiscalista e anti-popular da Previdência), ao conter muito além do necessário e sensato os gastos sociais e com a elevação do salário-mínimo, o governo criou bloqueios à dinâmica da transição, exponenciou os custos políticos da necessária conquista da governabilidade inicial e desorganizou suas bases políticos sociais.
Outra dinâmica de governo – evitando desde o início uma dinâmica recessiva, de aumento do desemprego e de forte controle dos gastos sociais, como se deu em 2003 e parcialmente em 2004 -, combinada com um processo de participação popular e uma política de alianças baseada na defesa de reformas democráticas e populares criaria as melhores condições para um grande avanço das forças de esquerda nas eleições de 2004.

10. Não se trata, portanto, de governar congelando a correlação de forças dada, estabelecendo a governabilidade a partir de uma dinâmica simplesmente centrada na institucionalidade (até ampliando a base política do governo para setores conservadores), incorporando o ponto de vista neoliberal organicamente através de representações do sistema financeiro, em posições chaves de governo.
A dinâmica de conjunto do governo está aquém do possível e muitas vezes contra o possível, abrindo espaço para uma relegitimação da oposição liberal conservadora, como demonstrado nas eleições de 2004. A manutenção do padrão neoliberal na gestão macroeconômica, aliada à uma concepção de governabilidade centrada no parlamento e em alianças amplíssimas e contraditórias, condiciona e limita o conjunto da transição, desorganiza as relações do governo com sua base social histórica e com a intelectualidade progressista e democrática.

11. Uma concepção alternativa de governo de caráter democrático-popular combina diversas dimensões estruturantes. Dentre elas destacamos:

a) a urgência de um novo padrão de gestão macro-econômica: a não renovação do acordo com o FMI deve ser o início desta mudança. Controle democrático e republicano do Banco Central e das autoridades monetárias; política agressiva de acumulação de reservas e introdução de mecanismos de controle de capitais; redução dos juros e do superavit primário; política ativa e multifocada de controle da inflação; retomada do controle público e estatal sobre os preços dos serviços de telefonia, energia elétrica, combustíveis e pedágios; combater a renúncia fiscal e a guerra fiscal e recuperar o papel do planejamento e da regulação para um crescimento harmonioso das diversas regiões do país; mudar o caráter indireto e regressivo do sistema tributário brasileiro e cumprir a decisão do DN de 2002 de alterar o perfil da distribuição dos tributos garantindo 20% do Bolo Tributário aos municípios; auditar e revisar os contratos de privatização e de uso de recursos públicos para viabilizar a compra de ativos nacionais por empresas sem capacidade de compra ou de endividamento.

b) acionamento de um conjunto de políticas pró-desenvolvimento, com sustentabilidade e distribuição de renda: financiamento público para o investimento produtivo e planejado; aumento do orçamento das políticas sociais; recuperação do salário mínimo e estímulo de maiores pisos regionais nos Estados; desenvolver políticas de inclusão social, preferencialmente através de oferta e geração de trabalho; ampliar os recursos destinados à reforma a agrária e o fortalecimento da agricultura familiar e cooperativada; ampliação das políticas públicas nas áreas de infra estrutura, saneamento e habitação, com ênfase na geração de emprego; políticas de créditos, financiamento e subsídio para a formação de cooperativas de pequenos produtores rurais e de micro e pequenos empresários urbanos; ampliação da Economia Popular e Solidária.

c) democracia participativa e mobilização popular: adoção de práticas concretas de Orçamento Participativo na União e estimulá-lo nos Estados e Municípios, e nas instituições públicas federais como as Universidades, por exemplo; adoção sistemática dos mecanismos já previstos na constituição como o plebiscito e o referendo; estímulo e fortalecimento dos Conselhos setoriais em todas as esferas administrativas, visando ampliar a participação e o controle popular sobre as políticas públicas; fortalecimento, pela ampliação de seu poder de consulta e reivindicação, das entidades de representação sindicais, comunitárias, estudantis; democratização e acesso das entidades populares, sindicais e associativas aos meios de comunicação rádio e televisão, através de concessões de canais de rádio e TV a essas entidades e associações comunitárias; reforma política do sistema eleitoral-partidário que contemple o voto em lista partidária, o financiamento público das campanhas, fim das coligações proporcionais e possibilidade das federações partidárias; defesa e luta por uma proporcionalidade idêntica para todo o país na representação da cidadania.

d) política externa soberana e articulada na América Latina: enfrentar a ordem excludente e unilateral imposta pelo imperialismo dos EUA através do Consenso de Washington e da ALCA; trabalhar para o fortalecimento do bloco sul-americano a partir do Mercosul, avançando no sentido da maior integração com a moeda, parlamento e integração das condições de trabalho e previdência; aprofundar as relações estratégicas com os processos cubano, venezuelano, uruguaio e em outros países na América Latina.

12. É preciso ainda dar curso a uma agenda de reformas democráticas em conjunto com a participação ativa dos movimentos sociais. Elas correspondem a anseios de mudanças que, combinados com uma reorientação governamental, podem alterar o cenário político do país enfrentando os interesses conservadores e acumulando forças no rumo da superação do neoliberalismo.

13. A recente Marcha pela Reforma Agrária deu mais força às mudanças em curso na realidade do meio rural, com especial ênfase na garantia de recursos orçamentários, à atualização dos índices de produtividade para efeito de desapropriação de grandes propriedades em proveito da agricultura familiar e cooperada, e à recuperação da capacidade gerencial e de apoio técnico do governo. Mais importante ainda, nosso partido esteve ao lado dos trabalhadores e o nosso governo não só respeitou o movimento como aprofundou os laços de parceria em uma reforma fundamental para mudar o país.

No Brasil as conseqüências sociais, econômicas e ambientais da modernização conservadora revelam a necessidade urgente de um outro modelo agrícola e a atualidade da reforma agrária. A denúncia dos efeitos e dos limites da agricultura capitalista deve vir acompanhada pela afirmação social e econômica de uma alternativa construída a partir do melhor da experiência acumulada por homens e mulheres da agricultura familiar, das comunidades rurais tradicionais, dos povos da floresta e dos assentados da reforma agrária.

O Fórum Mundial da Reforma Agrária, realizado em dezembro de 2004 no processo do Fórum Social Mundial, expressou uma visão contemporânea e renovada de reforma agrária para a qual convergem diferentes movimentos e demandas políticas, econômicas e sociais. Para além da garantia do direito do acesso a terra, a reforma agrária sintetiza a aspiração e a luta por um novo padrão de desenvolvimento do meio rural, integrado a projetos nacionais soberanos. Universalização do acesso aos direitos fundamentais, valorização dos conhecimentos e das culturas tradicionais, garantia da segurança e da soberania alimentar, promoção da igualdade de gênero e a preservação ambiental integram-se numa agenda com capacidade de democratizar, além da terra, o poder e a renda. Combinam-se ações diretas e mobilizações sociais com a implementação de políticas públicas com capacidade de distribuir renda, ampliar a autonomia e fortalecer política e economicamente estes movimentos.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário tem se orientado por tais objetivos, assentado em uma sólida aliança com os movimentos sociais e as entidades sindicais rurais, constituindo-se um processo de resistência e de conquistas.

14. A criação pelo governo federal da “comissão tripartite, com representantes do poder executivo, poder legislativo e sociedade civil para discutir, elaborar e encaminhar proposta de revisão da legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez”, respondendo às diretrizes aprovadas na Primeira Conferência Nacional de Mulheres, realizada em 2004, recoloca em outra dinâmica a questão da legalização do aborto na agenda pública. O fato de recolocar esse tema na agenda e esse encaminhamento para o legislativo, por si só, já exigem do movimento de mulheres e seus/suas aliados/as uma ampla mobilização e debate para se contrapor às possíveis contra-ofensivas conservadoras. Só a coalizão de todo o campo democrático popular poderá garantir o êxito dessa iniciativa.

Este é um momento central do debate, que exige uma posição clara de compromisso com a luta das mulheres, fortalecendo a discussão nos movimentos sociais, no partido, na sua ação no legislativo, atuando como uma posição que explicitamente se coloca do lado da descriminalização do aborto e sua legalização na rede pública de saúde.

Uma estratégia recorrente na retórica dos conservadores para combater o direito ao aborto, é confundir a discussão argumentando que se defende o aborto como método anticoncepcional. O aborto não é e não pode ser considerado como método anticoncepcional, mas é o único recurso possível frente a uma gravidez indesejada. A não ser que se defenda que a maternidade é uma obrigação. Esta é a razão pela qual não cabe contrapor a descriminalização do aborto à defesa de uma política pública de direito e acesso à anticoncepção eficiente e segura para a saúde das mulheres.

Outro aspecto importante é a questão da saúde. De fato, o aborto é um problema de saúde pública, que deixa seqüelas e provoca muitas mortes que poderiam e deveriam ser evitadas. E, neste caso, o peso maior recai sobre as mulheres pobres e negras que não têm acesso às clínicas clandestinas. Por isso é importante garantir a descriminalização do aborto, sua regulamentação e atendimento pelo SUS.

15. O ano de 2005 será um momento ímpar para o movimento negro em dois aspectos: por se tratar de um momento de balanço do impacto da criação da Seppir (Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial) pelo Governo Lula e de seus caminhos e descaminhos até aqui, bem como da trajetória do governo em seu conjunto; e por ser um momento decisivo no sentido de pressionar o governo por maior ênfase nas políticas públicas de promoção da igualdade racial.

Devemos reconhecer os importantes avanços obtidos até aqui, como a criação da Seppir, um organismo cujo formato é inédito na história do Brasil. Porém, este reconhecimento inicial deve se combinar com o esforço futuro pela superação de nossas limitações. A unidade política em torno desta proposta é que vai assegurar nossas conquistas pontuais e possibilitar o acúmulo de forças para novos e necessários avanços.

A participação do movimento negro, ainda no 1º semestre, nas Conferências de Promoção da Igualdade Racial – nos estados e em Brasília na etapa nacional – fará fervilhar o debate político anti-racismo, e o ápice desse processo se dará no dia 20 de novembro na Marcha Zumbi + 10.  A garantia da existência de um Fundo Específico junto com a aprovação Estatuto da Igualdade Racial, para que o mesmo tenha desdobramentos concretos e seja uma política com conseqüências será talvez a luta mais importante a ser travada no próximo período, ao lado da necessidade de garantir investimento para a titularização das Terras de Quilombos e da discussão de ações afirmativas em geral.

16. A conquista do direito de organização dos trabalhadores e trabalhadoras nos locais de trabalho é um elemento decisivo para a democratização da sociedade. E um governo que se elegeu com base na força historicamente construída pela classe trabalhadora não pode medir esforços para conquistar essa meta. Essa luta se articula com a mudança na organização sindical brasileira, herança de décadas de submissão ao Estado e ao capital. Esse é o sentido a ser imprimido à reforma sindical. Essa perspectiva somente será conquistada se criarmos na sociedade um ambiente político em que os direitos sindicais sejam entendidos, simultaneamente, como conquistas democráticas desta. As forças conservadoras da sociedade buscam fazer do Congresso Nacional uma “caixa de ressonância” de seus ataques aos direitos da classe trabalhadora e a aprovação de leis de interesse da classe trabalhadora só ocorrerá se fizermos uma ampla pressão política e popular.

O PT deve assumir junto à CUT a mobilização por uma reforma sindical democrática. Ao mesmo tempo o partido deve estruturar com a CUT e o movimento popular um conjunto de lutas pelo emprego, democracia e distribuição de renda, nas quais se destacam, além da democratização da organização sindical, a redução da jornada de trabalho sem redução do salário, a elevação real do salário mínimo e das aposentadorias de modo a torna-lo um efetivo mecanismo de distribuição de renda e vetor de crescimento da economia, e a geração ampliada de emprego tanto na esfera formal, por meio de amplo programa de obras públicas e da superação das amarras monetaristas, como na economia popular e solidária, buscando atingir um patamar de pleno emprego na sociedade.

17. Assistimos na última década a completa degradação do ensino superior público e a expansão desenfreada, sem controle público e com todas as benesses do Estado, do ensino superior privado. Nesse período várias lutas pelo ensino público se concretizaram nos Congressos Nacionais de Educação e nas greves das Universidades Federais.

A iniciativa do governo de reformar o democraticamente o ensino superior faz parte das mudanças necessárias previstas em nosso programa. Vale destacar seus objetivos mais importantes: definir o ensino como bem público; expandir a rede pública, visando alcançar 40% da vagas até o fim da década; compromisso do sistema de educação superior com os demais sistemas de ensino e com a redução das desigualdades regionais e sociais, com adoção de políticas e ações diretas e afirmativas; liberdade acadêmica, de forma a garantir a livre expressão da atividade intelectual; participação da sociedade; a gestão democrática da atividade acadêmica. É preciso ressaltar, no entanto, contradições a superar: o PROUNI, mesmo com a posterior autocrítica do governo, iniciou uma política de ampliação do acesso ao ensino superior por meio do setor privado; a lei de inovação tecnológica transfere recursos para o âmbito privado e legitima relações promíscuas entre a universidade e o setor privado.

É vital avançar na reforma da educação superior. Em primeiro lugar colocando em prática aquilo que não depende de legislação. Em segundo lugar organizando uma Conferencia Nacional da Educação Superior para definir as alternativas advindas da sociedade e organizar a luta por um outro modelo de Universidade.

18. Esta alteração de rumos permitirá situar em um plano ofensivo a disputa pela sucessão em 2006 e pela superação do atual modelo, no sentido de abrir um novo período histórico da luta pela transição ao socialismo. Essa será a via para construir uma “governabilidade popular” ao serviço de um projeto alternativo à herança neoliberal.

A dinâmica de governo proposta é compatível com a necessária conquista de governabilidade democrática, estabelecendo uma dinâmica progressiva de superação do neoliberalismo a partir de uma alteração da correlação de forças, do amadurecimento da capacidade de gestão de governo e das dinâmicas virtuosas geradas pelo retorno do crescimento aliados a um novo contexto internacional, especialmente na América Latina.

A luta para mudar os rumos do governo é o esforço ideológico, político e social para dar à transição o sentido de superação do neoliberalismo. É uma concepção alternativa à que vem guiando governo Lula até agora. Estas mudanças devem ser concebidas já no plano de preparação para o grande confronto com as forças liberal-conservadoras, reposicionadas para a disputa em 2006.

Vencer as eleições 2006

19. Queremos ganhar as eleições de 2006 e isso é mais que reeleger o presidente da República. Queremos que esta vitória seja fruto, não do medo da volta da direita, mas sim da esperança e do apoio popular. Buscamos realizar nossos compromissos históricos de defesa dos interesses de quem trabalha e produz as riquezas desta nação. Para que isto aconteça, 2005 tem que ser diferente de 2003 e de 2004. Diferente não apenas no campo das realizações administrativas – embora estas sejam fundamentais -, mas principalmente no campo da grande política, da grande batalha de projetos, do forte confronto ideológico.

20. Foi nesse terreno que sofremos uma derrota nas eleições de 2004. Isto não quer dizer que tenha havido um julgamento direto, claro e inequívoco do Governo Federal, uma vez que o processo também foi marcado pela heterogeneidade e pelo peso da correlação de forças local e regional. No entanto, o caráter nacional aparece com força, até porque os resultados de 2004 contam, sem disfarce, como acúmulo para a disputa de projetos e, também, para a próxima disputa eleitoral nacional.

Em todas as eleições que disputou, de 1982 até 2002, nosso Partido sempre combinou as propostas imediatas com seus projetos de médio e longo prazo. Na década passada, e até a eleição presidencial, isso se traduziu na contraposição entre programa democrático e popular versus programa neoliberal. Nas eleições de 2004, esta contraposição perdeu força. Como resultado, ficamos na defensiva frente à oposição de centro-direita, que – principalmente no segundo turno das eleições municipais — realizou uma grande ofensiva político-ideológica contra nosso Partido. É impossível dissociar este fato dos sucessivos adiamentos e frustrações das expectativas de mudança real das condições de vida e trabalho de nosso povo.

21. Há outras lições a retirar dos acontecimentos de 2003 e 2004, especialmente aquelas explicitadas pelo resultado das eleições municipais. Lições relacionadas com a importância decisiva da militância partidária, com a necessidade de reconstruir nossas relações com os movimentos sociais (e ajudar a reconstruir os próprios movimentos), com os prejuízos decorrentes das surpreendentes alianças realizadas pelo governo no Congresso Nacional, com a necessária autonomia do Partido frente ao governo. Nesse particular, o PT precisa combinar sua condição de principal partido no governo com a de principal partido que luta por mudanças de caráter democrático e popular. Nosso Partido não pode ser transformado em correia de transmissão do governo.

22. Derrotar o PSDB, a velha e a nova direita, o grande capital e seus aliados nacionais e internacionais, exigirá uma mudança na orientação seguida por nosso Partido e por nosso governo.

Exigirá reafirmar o papel do PT como pólo de esquerda da sociedade brasileira, protagonista da luta pelo socialismo, pelo programa democrático e popular, pelas mudanças que nos fizeram vencer as eleições de 2002. Exigirá mudanças na política econômica – que constrange o crescimento e, principalmente, impede as profundas mudanças sociais necessárias para o país. Exigirá a adoção de mecanismos de democracia direta que possam garantir a mais ampla participação popular nos rumos do governo Lula. Exigirá que a relação entre nosso Executivo e sua base congressual seja feita em termos distintos do “troca-troca” fisiológico, que tem caracterizado a política institucional em nosso país. Exigirá o resgate do patrimônio ético do Partido, com a recusa firme de todas as práticas lesivas ao erário e à moralidade públicas.

Exigirá a retomada do diálogo do governo com os movimentos sociais, na perspectiva do atendimento de suas mais sentidas e justas reivindicações. Exigirá, por fim, ofensividade política. E ofensividade política só é possível quando somos capazes de motivar, envolver, emocionar os milhões de brasileiros e brasileiras que viram e querem continuar vendo no PT um instrumento da mudança social. Isso requer organizar e mobilizar as maiorias por reformas democráticas e populares. Acionar a militância partidária convocando-a para um papel ativo na luta pelas mudanças que o PT sempre defendeu nos seus 25 anos de história. É retomar a defesa do socialismo como objetivo estratégico e o programa democrático e popular como referência essencial. É preparar o nosso partido para superar o eleitoralismo e para enfrentar as resistências conservadoras que uma efetiva política de mudanças gera. Estar na ofensiva é politizar o processo: não há mudanças sem conflito de interesses e quem deve ganhar são os eternos explorados e excluídos.

III – Concepção de construção partidária e as perspectivas do PT

“O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias.
Queremos, por isso mesmo, um partido amplo e aberto a todos aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com o seu programa. Em consequência, queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e cuja direção e programa sejam decididos em suas bases.”

Manifesto de lançamento do PT, 10 de fevereiro de 1980

1. A fundação do Partido dos Trabalhadores resultou das transformações da sociedade brasileira nas décadas de sessenta e setenta, da emergência de um novo proletariado industrial e da convergência da ação de militantes políticos sociais que, vindos de distintas tradições, buscavam superar a orfandade política a que décadas de populismo e reformismo estalinista haviam condenado a classe trabalhadora brasileira. A construção e o desenvolvimento do PT ao longo destas décadas marcaram a República brasileira: principiou-se a romper com séculos de exclusão política dos trabalhadores, afirmou-se em largas parcelas da sociedade a legitimidade das demandas e ações das classes trabalhadoras, avançaram-se as lutas pelas liberdades democráticas. O compromisso com as causas populares, a resistência à década neoliberal bem como as políticas públicas levadas adiante por nossos governos credenciaram o PT como principal partido das classes trabalhadoras no Brasil. A redução dos horizontes programáticos da maioria da direção partidária e o crescimento dos fenômenos de adaptação à institucionalidade burguesa vão contra a história do partido e contra sua responsabilidade no presente de enfrentar e vencer as resistências para superar o neoliberalismo, a dependência e as profundas desigualdades na sociedade brasileira.

2. A conquista do governo federal pelo PT abriu uma nova etapa na trajetória do partido. Está em jogo a capacidade do partido de corresponder à esperança construída nas lutas e na conquista da Presidência da República, o que também significa dizer que está em jogo a capacidade de o partido corresponder ao seu próprio programa de transformação da sociedade brasileira. As opções definidas pela maioria da direção têm representado um grande desgaste do acúmulo histórico do PT. Diante disso é preciso construir alternativas à altura da história partidária e dos seus desafios presentes.

3. Depois de um debate inicial no partido sobre o eventual caráter de transição da política econômica, o momento que se seguiu foi de uma relativa consolidação dessa política, enfrentando porém um questionamento amplo no partido, na base social do governo, na sociedade e também dentro do próprio governo. A concepção de governo que vai prevalecendo implica em uma relação conflitiva com a base social fundamental, em alianças em contradição com o programa de governo e na ausência de um processo de conjunto de democratização republicana e de caráter popular.
Face a este quadro, desenvolve-se um processo também conflitivo e de questionamento no partido, nas suas bancadas e na sua base social. A relação Governo-Partido, por outro lado, tem levado a uma perda de autonomia partidária e ao risco de perda de referência programática.

A questão do programa

4. As disputas que o PT organizou para governar o Brasil em 1989, 1994, 1998 (em menor medida) e em 2002 foram em torno de um programa de transformação do Brasil. Para a disputa de 2002 as Diretrizes aprovadas no XII Encontro Nacional em dezembro de 2001 e mesmo o Programa aprovado em junho de 2002 apresentaram o ponto de vista do partido como proposta de governo. Reivindicar esta elaboração como ponto de partida para a discussão sobre os rumos do governo é retomar o fio da trajetória do PT e da legitimidade das posições tomadas nos Encontros partidários.

5. Ao procurar refletir sobre a experiência do governo Lula deixamos claro que pretendemos uma atualização programática, isto é, refletir sobre a prática de governo atual tomando como base a elaboração programática realizada pelo PT no seu conjunto, ou mesmo aquela que se voltou mais especificamente para a hipótese de alcançar a Presidência da República – vale dizer, as plataformas de 1994 e 2001. Defendemos nesse sentido três formulações clássicas do nosso partido: primeira, a própria idéia de programa de partido; segunda, e por decorrência, a perspectiva de transformação do país em direção ao socialismo presente nas duas plataformas citadas e muito mais clara ainda no conjunto dos encontros partidários, especialmente no V, VI e VII Encontros Nacionais; terceira, também em conseqüência das anteriores, a diferença entre governo e poder.

Democracia e unidade programática

6. Em um partido socialista e democrático, as bases da disciplina partidária são o programa e as definições de congressos ou encontros, e a participação ampla nas deliberações. Decisões contrárias a posições longamente defendidas pelo partido, ou até a definições de encontros, e, além disso, impostas sem discussão, não têm legitimidade para fundamentar uma exigência de disciplina. Como parte da necessária batalha contra a transformação do PT em uma correia de transmissão de decisões de governo é fundamental lutar para restabelecer um processo partidário com base no programa e na democracia interna. Não pode ser considerada legítima a punição de parlamentares que votaram com base em posições longamente defendidas pelo partido, modificadas pela maioria da direção sem um debate amplo e democrático.

7. Ao PT não interessa interditar nenhum debate. O debate franco e aberto de todas as divergências é essencial, pois só ele construirá a força e a unidade necessárias para impor uma derrota à oposição de direita. Só o debate poderá, também, construir uma agenda capaz de registrar os compromissos de mudança que animaram o povo brasileiro e elegeram Lula em 2002.

8. Defendemos a história e os compromissos do nosso partido. Lutamos pela revitalização da democracia interna, através dos instrumentos legítimos de participação da base na vida partidária. Combatemos a subordinação do partido ao governo e ao Estado, e defendemos a vinculação do PT à classe que lhe dá nome. Defendemos a autonomia do Partido em relação aos governos, a começar do governo federal, ao qual somos solidários. Lutamos por um partido militante, presente nas lutas dos oprimidos e dos explorados. Reavivamos, também, nossos compromissos históricos e programáticos com a superação da dependência externa, com a distribuição da renda e da riqueza, com a elevação da consciência política do nosso povo e com o repúdio à práticas partidárias manipuladoras e corrompidas, das quais sempre nos diferenciamos. Uma nova postura e novos procedimentos do Partido são decisivos para começar a mudança para um novo modelo econômico, político e social. E alcançar essa mudança é retomar a coerência com o objetivo que nos levou a disputar e conquistar a Presidência da República.

Mudanças estatutárias do PT

Sempre combinamos o Programa com uma concepção de Partido, de democracia interna, de militância, de organização de base.  Elementos que estavam presentes na Fundação do PT, no seu primeiro Regimento Interno e que, em vários aspectos, foram abandonados nestes 25 anos do Partido, em especial na reforma estatutária de 2001, precisam ser recolocados no debate partidário.

Apresentamos a seguir um conjunto de propostas de alterações do estatuto do partido que deveremos seguir debatendo durante o PED e até o próximo Encontro Nacional.

a) Mandatos partidários
Alterar os mandatos de 3 para 2 anos (art. 21), renovados nos anos ímpares, como estava consignado no Regimento e Estatutos anteriores. Como é possível a reeleição, dois anos são suficientes e permitem um processo de balanço e renovação mais sistemáticos dentro do Partido.
Além disso, como nos anos pares temos eleições gerais ou eleições municipais no país, o mandato de 3 anos acaba coincidindo com o ano eleitoral, o que torna contraproducente e até impeditivo misturarmos as eleições internas em plena disputa com os demais partidos. Em 2004, não houve outra saída, senão prorrogar o mandato das direções que acabou sendo de quatro anos.

b) Processo eleitoral das direções partidárias
No município ou zonal o voto direto deverá ser simultâneo ao Encontro e com direito de voto e participação a todos os filiados em dia com os seus compromissos partidários. O Encontro Municipal ou zonal elege delegação para os Encontros Estaduais e estes para o Encontro Nacional. As direções serão eleitas nos respectivos encontros em conjunto com o debate de teses e a tomada de resoluções.
O calendário será invertido em relação ao atual no que diz respeito às inscrições das chapas: primeiro, os Encontros Municipais; segundo, os Encontros Estaduais; e em terceiro, o Encontro Nacional.
c) Fortalecimento do núcleo de base
Na primeira década de vida do Partido, a polêmica em torno ao papel e poder dos núcleos foi dura e acirrada. Mesmo assim, os núcleos e as setoriais foram conquistando espaços de representação nos Encontros e Congressos, através de delegados diretos.

Com a reforma estatutária de 2001 e a generalização do voto direto em nome de que esse processo seria “mais democrático”, as representações setoriais e de núcleos deixaram de existir.

No art. 58, onde se trata da nucleação devemos recuperar essa instância como organizadora para levar a cabo todas as tarefas partidárias nas mais variadas frentes de massa e a possibilidade dos filiados organizados em núcleos de atuação elegerem delegados diretos nos Encontros e Congressos. É evidente que todos os filiados que participam nesse processo não tem direito de votar também, através do voto direto pois configuraria duplicidade de sufrágio.

O importante é retomar a experiência e a possibilidade da representação direta via núcleo ou setorial nos Encontros e Congressos como um instrumento para valorizar e manter o sentido de participação de militância.

d) Sustentação financeira do Partido
Uma das piores conseqüências da Reforma estatutária de 2001 foram as decisões sobre finanças.

A contribuição anual mínima desestimula e descompromete o filiado com o papel e a importância da sustentação democrática do Partido.
Essa política também incentiva a filiação sem critérios e despolitizada, em detrimento da participação voluntária e consciente dos filiados.
O Partido precisa retomar e fazer valer o princípio de que o direito do voto depende também do compromisso da sustentação financeira com a contribuição regular e permanente dos filiados.

Isso implica, também, autonomia regional e local para estabelecer contribuições de acordo com as possibilidades regionais e locais, desde que respeitados os mínimos nacionais.

O DN deverá rever a política de cotização dos portadores de mandato, incidindo principalmente nos casos em que vem ocorrendo aumento das verbas de gabinete.
e) Distribuição do Fundo Partidário
A distribuição hoje estabelecida nos artigos 186/187 é excessivamente centralizadora e concentradora na direção nacional do Partido.
O Fundo deve ser dividido da seguinte forma: Os 20% destinados pela lei à Fundação; 30% para Direção Nacional e 50% para os Diretórios Estaduais.

Este montante dos Diretórios Estaduais deve ser rateado mediante a média do número de filiados, porcentagem de municípios organizados e porcentagem de votos alcançados pelo Partido no Estado. Isso estimula a organização e o enraizamento do Partido.

Esse rateio deve ser automático e sem política de retenção e/ou compensações pelo DN. Este deverá estabelecer cotas de contribuição dos Estados e estes dos Municípios que serão pré-condições para a participação nos processos dos Encontros e Congressos partidários.

Subscrevem esta tese e compoem a chapa “Coragem de mudar: participação popular e socialismo” os/as seguintes companheiros e companheiras:

Diretório Nacional

Raul Pont – Candidato a Presidente Nacional do PT; Deputado Estadual PT/RS
Miguel Rossetto – Ministro do Desenvolvimento Agrário
Paul Singer – Secretário Nacional de Economia Solidária do MTE
Ana Julia Carepa – Senadora PT/PA
Luizianne Lins – Prefeita de Fortaleza/CE e Diretório Nacional PT
Arlete Sampaio – Comissão Executiva Nacional do PT; Deputada Distrital PT/DF
Joaquim Soriano – Secretário Nacional de Formação Política do PT
José dos Reis Garcia – Comissão Executiva Nacional do PT
Pepe Vargas – Médico, ex-prefeito PT Caxias do Sul/RS
Rosane da Silva – Secretária de Política Sindical da CUT
Nalu Faria – Secretaria Nacional da Marcha Mundial de Mulheres
Daniel Seidel – Membro da Comissão de Justiça e Paz da CNBB
Juarez Guimarães – Editor do Periscópio da Fundação Perseu Abramo
Florisvaldo Fier (Dr. Rosinha) – Deputado Federal – PR
Gilmar Machado – Deputado Federal – MG
João Alfredo – Deputado Federal – CE
João Grandão – Deputado Federal – MS
Mauro Passos – Deputado Federal – SC
Orlando Desconsi – Deputado Federal – RS
Orlando Fantazzini – Deputado Federal – SP
Paulo Rubem Santiago – Deputado Federal – PE
Tarcísio Zimmermann – Deputado Federal – RS
Walter Pinheiro – Deputado Federal – BA
Edson Portilho  – Deputado Estadual – RS
Elvino Bohn Gass – Deputado Estadual – RS
Maria Íris Tavares Farias – Deputada Estadual – CE
Mauro Rubem Menezes Jonas – Deputado Estadual – GO
Paulo Eccel – Deputado Estadual – SC
Ricardo Duarte – Deputado Estadual – MG
Rogério Correia – Deputado Estadual – MG
Ronaldo Zülke –  Deputado Estadual – RS
Sebastião Arcanjo (Tiãzinho) – Deputado Estadual – SP
Vânio dos Santos – Deputado Estadual – SC
Zé das Virgens – Deputado Estadual – BA
Zé Neto – Deputado Estadual – BA
Darci Lermen – Prefeito de Parauapebas/PA
Edinho Silva – Prefeito de Araraquara/SP
Eduardo Tadeu Pereira – Prefeito de Várzea Paulista/SP
Eugênio Bittencourt – Prefeito de Nova Laranjeiras/PR
Orlando Peixoto Ferreira Filho (Orlandinho) – Prefeito de Cruz das Almas/BA
Valcyr Almeida Rios – Prefeito de Pintadas/BA
Vanda Pinto – Prefeita de Itají/BA
Vilson Roberto – Prefeito de Cruz Alta/RS

Adriana Márcia – Diretório Municipal PT Teresina/PI
Alessandra Terribili – Diretora da UNE
Alexandre Passos – Vereador e Presidente PT Vitória/ES
Ana Fogaça – Diretório Nacional do PT
Ana Lucia – Advogada, PT Teresina/PI
André Sena – Executiva da UNE
Antonio Ibiapino – PresidentePT/Fortaleza/CE -Executiva CUT do Ceará
Athaelson Carvalho – Diretório Municipal PT Teresina/PI
Benny Svasberg – Arquiteto e urbanista, PT Distrito Federal
Beto Cangussu – Vereador PT Ribeirão Preto/SP
Carlos Henrique Árabe – Executiva Estadual PT/SP e DN (s)
Clenia Nascimento – PT Paraíba
Djalma Araújo – Vereador PT Goiânia/GO
Durval de Carvalho – Diretório Nacional PT/SP
Edilberto Borges (Dudu) – Diretório Municipal PT Teresina/PI
Edílson Moura – Vereador PT Belém/PA
Eronei Leite – Presidenta PT Rio das Ostras/RJ
Francisco José Pinheiro – Secretário Regional Prefeitura de Fortaleza
Fred Nunes – Vereador Jaguarão/RS
Gilberto Neves – Diretório Nacional PT/MG (s)
Gilmar Santiago – Secretário da Reparação da Prefeitura de Salvador/BA
Gino César Paiva – Superintendente do INCRA/AL
Guilhermina Rocha – Coordenação Geral do SEPE/RJ
Guitemberg Carneiro Nunes – PT Distrito Federal
Hipolito Rodrigues – PT Paraíba
Hugo Manso – Delegado Regional do MDA/RN
Ibero Hipólito – Executiva PT Rio Grande do Norte
Ilca Barcelos – Executiva Municipal PT Cariacica/ES
Johnathan Alberto Pantoja – Vice-Presidente da UMES Santana/AP
Josete Dubiaski da Silva – Vereadora PT Curitiba/PR
Júlia Feitoza – Executiva CUT Acre
Karla Magna de Menezes – Executiva Municipal PT Recife/PE
Lenilda Lima – Vice-presidente CUT/AL
Leonardo Brandão – Sub-secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de Niterói/RJ
Leonel Wolfhart – Superintendente do INCRA/MT
Letícia da Penha -Vereadora Contagem MG
Lucia Scarpelli – Vereadora PT Belo Horizonte/MG
Lucia Glória – Presidenta da CUT de Roaraima
Luiz Daniel Veiga – PT/Pará
Manoel Jesus da Conceição – Secretário de Obras da Prefeitura de Itajaí/SC
Maria Eulália – Executiva Estadual PT/RS
Maria Salete Souza – Executiva CUT/PA
Marlei Fernandes – Executiva CNTE
Martiniano Rossi – PT Goiânia/GO
Neusa Azevedo – Delegada Regional do MTE/RS
Neusa Cadore – Secretária de desenvolvimento social da Prefeitura de Pintadas/BA
Odilon Guedes – Economista, ex-vereador PT São Paulo/SP
Oscar Paes Barreto Neto – Presidente PT Recife/PE
Pedro Alves Ferreira (Ten. Pedro) – Vereador PT Dourados/MS
Pedro Ivo Batista – Secretário de meio ambiente da Prefeitura de Fortaleza/CE
Pedro Roberto de Oliveira – Vereador PT Glória de Dourados/MS
Reginaldo Guimarães Filho – Coordenação do Coletivo Florestan Fernandes
Rejane Oliveira – Vice-presidente CUT/RS
Robinson Almeida – Diretório Nacional PT/BA
Rosirley Zanardo – Executiva Estadual PT/PR
Sheila Maria Assis de Oliveira – Executiva do PT do Recife/PE
Silvio Bembem – Secretário Assuntos Institucionais PT Maranhão
Simone Holanda – Diretório Municipal PT Fortaleza/CE
Sofia Cavedon – Vereadora PT Porto Alegre/RS
Temístocles Marcelos Neto – Coordenador da Comissão Nacional de Meio Ambiente CUT
Teo Lucas – Diretor DCE UF Tocantins
Thomaz Beltrão – Secretário de Ação Social do Estado de Alagoas
Vera Lúcia Castellain – Secretária Assuntos Institucionais PT/SC
Yon fontes – Executiva CUT Bahia
Zélia Franklin de Albuquerque – Socióloga e advogada, PT/CE

Conselho Fiscal

João Verle – Ex- prefeito de Porto Alegre (2002-2004)
Demetrius Fiorante _ Sec. geral PT/PE
Neila Batista – Vereadora de Belo Horizonte
Márcio Ladeia – PT S. José do Rio Preto/SP
Suely Oliveira – Vereadora de Belém
José Américo da Silva Coelho – PT Santarém/PA
Rita Sanco – Diretório Estadual PT/RS
Romário Schetino – Presidente do Sindicato dos Jornalistas/DF

Comissão de Ética

Márcio Pessatti – Vice-presidente PT/PR
Luiza Pilon – Diretório Municipal PT Colatina/ES
Jacir Zimmer – Diretório Estadual PT/SC
Isolda Dantas – Executiva Estadual PT/RN
Francisco Vicente – Secretário Geral PT/RS
Leila Tavares – Secretária de Mulheres PT/RJ
Pe. Ladislau João da Silva – Sup. INCRA/PI
Antônio Pinheiro Sales – Vice Presidente PT/GO

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