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De Atenas a Paris: uma primavera europeia?

223875A vitória de François Hollande nas eleições francesas e sua oposição ao pacto fiscal será a primeira derrotadas políticas que a chanceler alemã Angela Merkel e os tecnocratas da União Europeia impuseram a milhões de pessoas na Europa. No entanto, o resultado das eleições gregas pode ter uma importância simbólica maior ainda. As placas tectônicas da sociedade e da política grega estão se movendo. É a primeira vez que aparece na Europa a possibilidade real de um governo de esquerda radical. O artigo é de Costas Douzinas.

Por Costas Douzinas, publicado originalmenter no SinPermiso. Com tradução de Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior. 

O dia 6 de maio pode ser o princípio da “primavera europeia”. A esperada vitória nas eleições francesas e sua rejeição ao pacto fiscal será a primeira derrota das políticas que a senhora Merkel e os inúteis tecnocratas da União Europeia impuseram a Europa. No entanto, o resultado das eleições gregas pode ter uma importância simbólica maior ainda.

As eleições marcam o final do segundo ato da tragédia grega, com a saída pela direita do cenário do elenco de partidos e políticos até agora dominantes. O primeiro ato terminou em novembro passado com a demissão do governo Papandreu como resultado da oposição popular e o medo de Merkozy de um referendo para decidir a permanência da Grécia no euro. Papandreu era um “pobre homem” de Tony Blair, assessorado por burocratas do partido toda a vida e por um pequeno grupo de “especialistas” neoliberais, conhecidos como “os jardineiros”. Este clã de mediocridades, que deviam seus cargos ao clientelismo feudal de Papandreu, afirmava que poderia “salvar” a Grécia dos desastres causados por seus governos. Evangelos Venizelos, que substituiu Papandreu na direção do Pasok, é uma espécie de Gordon Brown tagarela que, como ministro da Economia, supervisionou o catastrófico segundo pacote de austeridade, sepultando com ele no cemitério dos sonhos despedaçados suas aspirações de toda uma vida de se converter em primeiro ministro.

Na semana passada, a OCDE anunciou que a renda média grega caiu 25,3% em 2011, uma redução sem precedentes em qualquer parte do mundo em tempos de paz (os britânicos caíram 2% no mesmo período), com um desemprego de 21% e um desemprego entre os jovens de 50%. No entanto, o segundo empréstimo do resgate, assim como as receitas tributárias pelo imposto de renda, ingressaram em uma conta bloqueada para pagar a dívida antes que os salários e as pensões. O Pasok se autodenomina socialista, mas, ao contrário de Hollande, aceita as medidas de austeridade sem negociação nem objeções, sacrificando os jovens, os idosos e os pobres como se fossem modernas Ifigênias para salvar a pele dos Agamenons econômicos e políticos.

George Samaras, o líder populista e nacionalista da Nova Democracia, votou contra a primeira série de medidas de austeridade para diferenciar seu partido do Pasok. Mas, passado o mês de novembro, a Nova Democracia voltou ao seu berço ideológico, aceitou o segundo pacote e se uniu ao governo Papademos. Lukas Papademos, o tecnocrata que dirige a coalizão, foi diretor do Banco da Grécia, quando o país ingressou na zona do euro graças a uma contabilidade criativa, a chamada “estatística grega”. É uma ironia da história que, em 2001, o governo Simitis, do Pasok, mentisse para ser admitido no clube, o que acabaria provocando a queda do país e do partido no abismo.

O governo de Padameos é uma coalizão do Pasok e da Nova Democracia, os partidos dinásticos que governaram a Grécia durante os últimos 40 anos e que conduziram o país a sua triste situação atual. Sua campanha eleitoral foi surrealista. O massivo rechaço das medidas do FMI e da União Europeia obrigaram os partidos que governam a argumentar contra as políticas que aplicam. Ao mesmo tempo, pesquisas de opinião desastrosas (que deram 20% para a Nova Democracia e 15% para o Pasok, que recebeu 44% em 2009) e a desesperada tentativa de polarizar a partir de diferenças inexistentes, fazem com que se despedacem entre si com uma ferocidade retórica sem precedentes. Apesar de o sistema eleitoral oferecer uma incrível vantagem de 50 cadeiras ao partido mais votado, nenhum deles alcançará uma maioria suficiente. A única maneira de os grandes partidos seguirem aplicando a desastrosa política de austeridade, ordenada por Berlim e Bruxelas, será formar um novo governo de coalizão no dia 7 de maio, se conseguirem somar 151 cadeiras. Enquanto isso, ainda que os insultos pessoais tenham dominado a campanha, é evidente que a campanha dos partidos majoritários oferece “dois pelo voto de um”.

Um dos aspectos mais preocupantes é o giro à direita dos políticos tradicionais que, imitando Sarkozy, competem para mostrar quem é mais xenófobo. Os ministros da coalizão, como Michalis Chrysochoidis e Andreas Loverdos, aumentaram o pânico acusando os imigrantes de ser criminosos e portadores de enfermidades infecciosas e defendendo que eles deveriam ser encerrados em campos de detenção já preparados para conter esta “ameaça”. A Anistia Internacional denunciou esta proposta como “profundamente preocupante” e “discriminatória”. O prefeito de Atenas, como Chrysochoidis, chamou os imigrantes de “lixo” e organizou uma campanha para “limpar” Atenas de estrangeiros, enquanto que a coalizão governista planeja levantar um muro anti-imigrantes na fronteira greco-turca. É uma tentativa de mobilizar com a política do medo os “condenados da terra”, que o diktat europeu lança, esgotados e famintas, às ruas gregas. Neste ambiente, o partido neonazista “Aurora Dourada”, que organiza ataques contra os imigrantes, pode entrar no Parlamento, lembrando aos europeus os últimos dias de Weimar. Será uma amarga ironia no país que teve maior êxito em sua resistência contra a ocupação nazista.

A tragédia, a farsa e a depressão conformam a imagem de um sistema à beira do ataque de nervos. Maio de 2012 será um caso de manual sobre como uma elite todo-poderosa se suicida com a crença delirante de que o serviço aos interesses privados promove a virtude pública. No entanto, sua queda poderia se converter no começo do terceiro ato da tragédia que leva a seu fechamento catártico. A Coalizão da Esquerda Radical (Syriza) e seu carismático e jovem líder Alexis Tsipras prometem por fim às políticas de austeridade e negociar uma redução da dívida, priorizando o crescimento e a reforma das políticas da União Europeia. Tsipras propõe formar um governo de partidos de esquerda apoiados na mobilização popular. As pesquisas de opinião parecem estar de acordo. Um governo deste tipo seria a opção mais popular, e os três partidos de esquerda – Syriza, comunistas e a Esquerda Democrática, somaram cerca de 40% nas pesquisas. Os outros dois partidos, no entanto, esquecendo a história da frente popular, rechaçam a proposta. A direção comunista converteu a Syryza no principal objetivo a derrotar. De uma maneira esquizofrênica, os comunistas participam da política parlamentar, mas afirmam que não estão interessados em governar a menos que tenham todo o poder para abolir o capitalismo. A pró-europeia Esquerda Democrática apoia criticamente a UE e serve de alternativa para os dissidentes do Pasok que estão abandonando seu partido.

A lógica desta proposta é a seguinte. É provável que a Nova Democracia seja o partido mais votado neste domingo, somando as 50 cadeiras adicionais atribuídas pela lei eleitoral neste caso. O Pasok espera chegar em segundo e a Syryza em terceiro. Segundo a Constituição grega, a Syryza, como terceiro partido, poderia tentar formar um governo se os dois primeiros partidos obtiverem conjuntamente menos de 150 deputados. Se for assim, os partidos de esquerda, os verdes e a centro-direita anti-austeridade ser verão pressionados a participar ou ao menos dar um voto de confiança a um governo de esquerda.

As placas tectônicas da sociedade e da política grega estão se movendo. É a primeira vez que aparece na Europa a possibilidade real de um governo de esquerda radical. As milhares de pessoas que ocuparam Syntagma, em Atenas, e as praças da Grécia no ano passado careciam de líderes, partidos ou ideologias comuns. Mas os velhos sindicalistas e os militantes de sempre, juntamente com os novos dissidentes e os indignados mudaram as regras da política. Agora, tem a oportunidade de levar a sua versão da democracia direta e a solidariedade social à uma representação parlamentar forte. O colapso da elite política bipolar colocará no Parlamento seis novos partidos, criados originalmente ou resultado de dissidências. Mas o que está em jogo nestas eleições é a redefinição no longo prazo do mapa político com a substituição do Pasok pela esquerda.

Depois da guerra civil, a Grécia exilou, encarcerou e perseguiu a esquerda, marginalizando seus partidos em uma oposição testemunhal e ineficaz. Está situação está chegando ao fim na medida em que está surgindo um bloco hegemônico multicolor, que combina a defesa da vida, a democracia e a independência, reunindo pessoas que historicamente se encontravam em lados opostos. À medida que o rechaço popular à austeridade supera a negatividade do “já basta!” e começa a avançar uma proposta radical de governo, emerge um novo modelo de democracia que pressiona os partidos de esquerda para que não percam esse encontro marcado com a história. Se no dia 6 de maio, a França elege um presidente socialista e a esquerda grega obtém um bom resultado, um vento novo levará a fragrância da primavera de Paris a Atenas. Os franceses e os gregos não estão votando apenas o futuro de seus próprios países, mas sim de toda a Europa.

(*) Costas Douzinas é filósofo, autor de Resistência e filosofia na crise, publicado no início deste ano pela Alejandria Press, Atenas. 

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