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Desafios da conjuntura

854498Por Luiz Marques 

Crise de representação

Há uma profunda crise de representação em curso no País, a qual abarca o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, a mídia e as entidades de trabalhadores e estudantes em todos os entes federativos. As instituições políticas e, em especial, os partidos políticos estão com baixíssima credibilidade junto à população, a ponto de sofrerem hostilidade aberta nas manifestações que ganharam as ruas das grandes e médias cidades brasileiras. Se as manifestações convocadas pelo Movimento Passe Livre em São Paulo eram, de início, apartidárias, rápido se converteram em antipartidárias (1). Militantes do PT, PSOL, PSTU foram agredidos em passeatas e forçados a abandonar os símbolos identitários de suas organizações partidárias. Quando não impedidos de participar.

Diante desse quadro, que ressalta o papel das novas tecnologias de comunicação para as concentrações de rua e em que as redes sociais de forma descentralizada agem como pólos de irradiação, os órgãos de representação tradicional perderam a autoridade política que detinham. Trata-se de um fenômeno internacional, não sendo exclusividade do Brasil.

Ocorreu, em período recente, na Argentina, no Egito e na Espanha, sem que os representados se reconhecessem em seus representantes eleitos e permitissem a institucionalização dos protestos para evitar a guerra de todos contra todos. A esquerda, depois, pagou a conta. O custo social para os respectivos povos foi alto.

Como se o Zapatismo, nascido nos anos 90 em Chiapas, no México, com a disposição subjetiva de lutar contra o poder, ao invés de pelo poder, tivesse espalhado-se pelo mundo. Vale lembrar que o personagem emblemático do movimento zapatista, Marcos (nome adotado em homenagem a um revolucionário assassinado pelas forças de repressão policial), apresentava-se como “subcomandante” dos insurgentes para destacar que o verdadeiro “comandante” era o povo anônimo. Essa postura apregoa a horizontalidade como um fim em si. Ingenuidade. Sem o poder de Estado não há transformação.

A lógica de elogio acrítico à sociedade civil e condenação cabal ao poder de Estado impregna a dinâmica comunicacional das redes sociais e torna as mobilizações um ambiente, não apenas de veiculação das insatisfações, mas um território para o exercício da sociabilidade e da afetividade (2), o que confere-lhes o jeito de um footing, um passeio informal e amigável. Uma chance para fugir do individualismo sombrio.

Composição de classe

As ruas não estariam tomadas por multidões na atualidade, se não tivesse havido a ascensão social de quase 40 milhões de pessoas na última década. Observa-se uma confluência das antigas classes intermediárias com as chamadas “novas classes médias”: uma caracterização imprecisa que vendeu ilusões aos próprios governantes sobre a realidade do País. Não se pode utilizar como critério para definir o conceito de classe média a renda e o acesso a bens de consumo. Há que considerar o local de moradia das camadas emergentes, se dispõem de serviços de urbanização, saneamento básico, transporte, posto de saúde, escolas de primeiro e segundo grau, centros culturais (3). O contingente beneficiado por políticas públicas que geraram empregos formais integra, não a classe média, mas a classe trabalhadora ampliada. Esse é o forte recado das ruas.

Conforme pesquisa do Instituto Methodus, realizada entre manifestantes de Porto Alegre, 88,1% usam transporte público; 64,5% usam o sistema público de saúde; 35,8% usam o sistema público de ensino. Os dados revelam que são os filhos da classe trabalhadora ampliada no governo Lula que estão saindo às ruas (49,2% têm até 24 anos), beneficiados pelo ProUni e pelo Enem (54% têm curso superior completo ou incompleto), o que faz absurda a ausência da UNE. Os segmentos que alcançaram vantagens sociais e um patamar mais próximo da condição de cidadania, agora, fazem sua estréia no espaço público (49,3% nunca tinham participado de manifestações). Mas fazem-no sem ter desenvolvido um pertencimento de classe. A integração do subproletariado ao proletariado deu-se por meio da carteira de trabalho assinada, mas sem participação política. Há um déficit de consciência nesse segmento populacional. Sobre a circulação de informações, 62,2% inteiram-se do horário dos atos de protesto pelo Facebook.

Análises anteriores (4) apontavam que as bases sociais do lulismo queriam mudanças dentro da ordem. Não parece que a avaliação seja compartilhada pelos seus descendentes, a julgar pelos números. Mais informados e instruídos que seus pais e com expectativas de prosseguir sua escalada social, os jovens com extração nas classes trabalhadoras ampliadas estão nas ruas. A profusão de bandeiras desfraldadas, além desse contingente desejoso de “lutar por um País melhor” (48%), mostra a atuação das classes médias convencionais para as quais “o problema do Brasil é a corrupção” (45%). Essa é a composição de classe dos protestos, o que explica as contradições no rosário de vozes.

As reivindicações específicas são esparsas, com vocalização minoritária: 21,2% na luta por redução das tarifas de ônibus; 16,4% contra a PEC 37; 11,7% por melhorias na saúde; 10,3% por melhorias nos serviços públicos; 8,5% por melhorias na educação. O sentimento dominante está ligado a um mal-estar difuso, fruto de uma cultura formatada pela mídia de deslegitimação permanente da política.

A astúcia da mídia

As convocações para as manifestações acontecem pelas redes sociais, mas é a mídia que conduz o processo e potencializa a participação dos ativistas, teleguiando as inconformidades (5). A cobertura dos acontecimentos, com quebra da grade de programação, beira a insurreição. Os veículos que controlam a opinião pública, encabeçados pela vanguarda global, procuram carimbar um valor para a extravasão dos descontentamentos massivos. A meta é fazer o leito das indignações desaguar no Palácio do Planalto, em particular no PT e na presidenta Dilma para retomar a ofensiva neoliberal. A falta de uma direção no movimento e de uma agenda única permite a intervenção interessada. Acerta quem afirma que “desvinculada das instituições, a geração que embala os atuais protestos precisa encontrar o caminho de uma unificação política” (6). A dispersão de finalidades não ajuda os que rumam para o futuro. Ajuda à mídia a perpetrar a solapa.

Em uma crônica, Luís Fernando Veríssimo comparou com perspicácia os ruidosos eventos da atualidade com o polissêmico Maio de 68 francês e empregou uma metáfora para sublinhar uma momentânea diferença: “cadê o De Gaulle?” Fazia referência à falta de um catalizador para os atos de protesto. Pesquisas indicam que o trabalho da mídia foi bem sucedido e que a Dilma é o De Gaulle da vez. Em três semanas, Dilma perdeu 21% das intenções de voto, caindo de 51% para 30%. Já a avaliação positiva do governo despencou 27 pontos, indo 57% de bom e ótimo para 30%. Ainda que os corações hesitem em canalizar a fúria para o ápice político da representação, as mentes o fazem.

Para se ter noção do descrédito que surtou o conjunto do sistema de representação, o governador Geraldo Alckmin (PSDB/SP) que tinha uma avaliação positiva de 52% caiu para 38%; o governador Sérgio Cabral (PMDB/RJ) de 55% caiu para 25%; o prefeito Fernando Haddad (PT/SP) de 34% caiu para 18%. A enxurrada evidencia a extensão da crise do poder.

Não fica nada de pé. Se, porém, o velho morreu, o novo ainda não nasceu. No mesmo intervalo de tempo, Marina Silva subiu de 16% para 23%, Aécio Neves foi de 14% para 17% e Eduardo Campos de 6% para 7%. Nesse cenário, haverá segundo turno em 2014. O passo seguinte é achar o ator providencial que interpele os trabalhadores de baixos rendimentos: a missão estaria cumprida. O roteiro está pronto.

A ação da velha mídia consiste em colar no movimento um significado, pego de empréstimo das marchas da Família/Tradição/Propriedade dos idos de 64, estampado no slogan: “o gigante acordou”. A saber, a maioria silenciosa despertou e não aceita a corrupção, marca registrada do status quo (leia-se, do PT e de Lula/Dilma na Presidência da República). A versão midiática para o movimento mira as conquistas pós-neoliberais no País e visa estigmatizar seus protagonistas. Ao propiciar visibilidade às bandeiras que detratam os serviços públicos municia os inimigos do Estado que se recusa ser mínimo, imputando-lhe uma essência corrupta.

Os chargistas seguem a linha editorial dominante, com charges pleiteando ética na política e jogando farpas irônicas na presidenta. Como se os desenganos e a corrupção remetessem a um único governo. A divulgação pelo DataFolha de que 74% da população quer a condenação dos réus do “mensalão” reforça essa ideia.

O sentido das manifestações

“Essa massa, que sacrificava a cada momento seus interesses gerais de classe, isto é, seus interesses políticos… apresenta-se como uma alma pura a quem o proletariado, desencaminhado pelos socialistas, não teria sabido compreender…”, anotou Marx no “Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”. Poderíamos escrever algo semelhante, hoje, quando a esquerda organizada vê-se compelida a esconder sua identidade e sua biografia de lutas.

Estamos frente a um movimento de massas e não de um movimento com perfil nítido de classe, consciente de seus interesses e de seus aliados. O movimento sequer consegue nomear os responsáveis pelas mudanças que fizeram o Brasil virar paradigma em escala mundial no combate à miséria e à fome, exceção feita ao carismático metalúrgico cuja trajetória reverbera a dos pobres em geral que, com esforço, logram uma situação mais confortável na hierarquia social. A queda de popularidade do governo federal é a prova do quanto o movimento traz esperanças ao neoliberalismo.

A questão urbana, articuladora das contestações nas origens, dissipou-se graças à intervenção da mídia. Os protestos que, na capital gaúcha, remontam a 2011 faziam-se em defesa da apropriação coletiva do espaço público e contra o sequestro de largos, a exemplo do Largo Glênio Peres defronte ao Mercado Público, por deferência aos automóveis ou aos ícones comerciais da Copa do Mundo, tipo a Coca-Cola. Idem no que concerne aos cortes de árvores em praças para a passagem da majestade de rodas. A demanda por ciclovias (Massa Crítica) e por atividades culturais nos estacionamentos (Vaga Viva) iam nessa idêntica perspectiva. Confrontavam um modelo de desenvolvimento urbano anacrônico, esgotado (7). Esses justos reclames foram substituídos por um ataque premeditado ao governo federal. Municípios e estados são catapultas. O objetivo é mais em cima.

A execração do fazer político organizado, envolvendo partidos e entidades sindicais, como ficou demonstrado nas depredações ocorridas no centro do País, exprime uma concepção de cidadania, por excelência, liberal. Enaltece o sujeito atomizado em vez de o sujeito coletivo, tido como ameaça à democracia pelos teóricos do liberalismo (8). O contribuinte que se insubordina em face das normas estatais, em lugar do militante político que subverte a ordem socioeconômica. Para glamorizar o movimento não faltam depoimentos de personalidades, com memória de batalhas pelas liberdades democráticas sob a ditadura militar, para celebrar a juventude como se o processo histórico se resumisse ao embate geracional e o enfrentamento Capital versus Trabalho fosse mero acessório. Formulam apreciações que despolitizam a política, convertendo-a numa quermesse extrainstitucional.

É útil reiterar que fora da política só existem duas alternativas: a primazia do mercado ou o rumor de botas, com a penalização da soberania popular.

Não se subestime o poderio persuasivo de manipulação ideológica e formação do senso comum pela mídia hegemônica, inclusive entre os campos da intelectualidade que se crêem autônomos ao descrever o filme que passa sob seus olhos, visto da janela. Sobre a revolução do governo Chávez, na Venezuela, diziam os donos da opinião pública: “não será televisionada”. Sobre a contra-revolução que está no ventre do movimento de massas no Brasil, dizem eles: “será televisionada e maquilada à exaustão”.

Discurso público

A pressão para que a sociedade endosse e adira ao movimento é enorme, apesar das ressalvas dirigidas às práticas de “vandalismo” que passam a sensação de que o Estado não possui mais vínculos orgânicos com a sociedade e de que o Brasil mergulhou na anomia durkheimiana, restando à deriva, sem lenço nem documento em meio ao turbilhão. A mídia pretende servir de cordão de isolamento nas manifestações para que, estas, não sejam refratárias à participação social por causa dos “excessos” e da “violência contra o patrimônio público e privado”. Apóia os ensejos de massa sem explicitar nenhuma reivindicação concreta, afora a tônica da corrupção no Estado.

A diminuição do preço nas tarifas foi uma vitória não comemorada. Dito diferente, o estopim do movimento não deve acarretar o fim do mesmo. Para tanto, o conservadorismo empresta um teor moralista às conglomerações para que não cessem. Quanto mais vagos e idiossincráticos os desdobramentos dos protestos, mais favoráveis à condução de sentido pela mídia em prol de uma reviravolta civilizacional. A precisão, o foco retiraria da mídia a possibilidade de ressignificar os acontecimentos contra a esquerda.

Urge um discurso que não antagonize as massas nas ruas. Que valorize as bandeiras pró-cidadania (mais saúde, mais educação, melhores transportes coletivos e mobilidade urbana, melhores espaços citadinos para o usufruto dos moradores) que a mídia se obriga a divulgar para legitimar a pluralidade de gritos por um abstrato “Brasil de todos”. Quem pode se colocar contrário aos anseios transformadores por um País melhor? Deve-se, por igual, registrar a sensibilidade exposta pelas classes médias em relação aos serviços públicos e seu cansaço com o pagamento de planos privados de saúde e as mensalidades do ensino privado. Como disse um rabino, vocalizando as angústias das classes médias, “a gente paga impostos de Primeiro Mundo e recebe serviços de Terceiro Mundo”. Isso obriga as classes médias a dispenderem recursos com a saúde e a educação que reduzem a sua renda. O Estado, ao encetar o bem-estar social, refaz essa equação. Os governos Lula/Dilma estão de acordo com esses anseios anti-neoliberais, embora haja uma longa estrada a percorrer para espalhar e consolidar uma autêntica universalização de direitos.

A CUT e os movimentos sociais deliberaram disputar o movimento que carrega uma extrema dose de espontaneísmo. O PT divulgou nota para que a participação social obedeça a um propósito claro, com uma pauta não passível de deturpação. Publicamente é difícil postar-se contra o movimento e seria, de resto, incorreto. Simbolicamente persiste a disputa para redirecionar a turba, atentando para as mediações entre o programa da revolução democrática e a formidável energia das ruas. Haja criatividade.

Democratizar a democracia

A criminalização da política foi facilitada, sem dúvida, pelo pragmatismo eleitoral em nome da governabilidade que pintou o vasto espectro partidário de cinza. O elástico arco das alianças petistas, o convívio com expoentes da pior tradição política, a timidez em abordar temas controversos e a carência de conteúdos utópicos contribuíram para o epíteto de que são todos vinho da mesma pipa. O desgaste entre os jovens é real e preocupante. A pergunta é: “Conseguirá o governo Dilma mover-se da doença institucionalista que o puxa para a direita? Conseguirá o PT aprumar-se da doença burocrática e pragmática que lhe corrói os ossos?” (9). As alterações introduzidas para o PED não vão nessa direção, contudo, a agitação que fez tremer a República pode ser metabolizada de modo a dar mais musculatura ao PT e maior convergência às suas decisões internamente. Quiçá.

A presidenta Dilma, em especial após o segundo pronunciamento à nação, readquiriu a iniciativa política e reafirmou sua liderança ao propor um pacto com os governadores e os prefeitos na área da educação, da saúde, do transporte coletivo, da mobilidade urbana, enquadrar a corrupção como crime hediondo e propugnar um Plebiscito que encaminhe uma Reforma Política, com ou sem uma Assembleia Constituinte Exclusiva. A Reforma Política pode democratizar a democracia e reestruturar as instituições republicanas do País. Que a senadora Ana Amélia (PP/RS) considere a proposição plebiscitária um golpe é uma piada de mau gosto, mas é o que a direita tem a dizer sobre a consulta ao povo. O rancor elitista é dividido com jornais do naipe da Folha de São Paulo e do Estadão. Não à toa, os partidos de oposição recusaram o convite presidencial para discutir os termos do Plebiscito. Já obtiveram o que queriam das ruas: a possibilidade do segundo turno.

O governador do Rio Grande do Sul detectou, com exatidão, o que a conjuntura exige dos revolucionários: “Os partidos de esquerda, se estiverem à altura da crise atual, devem adotar uma estratégia unitária de revalorização da ação política e dos partidos, combinando-a com a criação de novos canais de democracia direta e participação popular, articulados com a democracia representativa. Ou seremos vencidos pelo conservadorismo” (10). O protofascismo verificado no desenrolar das manifestações talvez revigore a noção de frente única entre a esquerda e diminua o seu exacerbado sectarismo.

É preciso reinventar o sistema de representação, que há muito dava sinais de esfacelamento. A solução para a crise em espiral é mais democracia, e não menos. Construir instrumentos que abriguem o protagonismo da cidadania na discussão e deliberação sobre os rumos da sociedade e do Estado é a tarefa emergencial a que devem se dedicar os democratas e os socialistas. Nunca a democracia participativa esteve tão presente na agenda pública, como nesse período. Ciente, o Congresso Nacional apressa-se em votar matérias que respondam ao clamor das ruas para esvaziá-las, como os royalties do petróleo para a educação e a saúde e o reenquadramento dos crimes de corrupção. Correm para recuperar a sua função representativa e espantar o fantasma do alargamento dos canais de participação popular. A mídia apóia o labor repentino, estimulando o Referendum (o “sim” ou “não” a uma Reforma Política elaborada pela Câmara Federal e o Senado) como substituto do Plebiscito (a consulta popular sobre pontos essenciais para reconfigurar o modus operandi da representação política). Mas o provável é que nem a mídia nem os congressistas avancem o sinal por conta do eco das ruas, conquanto franzam o senho.

Disputar os feitos do PT e do governo

O Executivo já encaminhou ao Parlamento os pontos que pretende contemplar no Plebiscito: fim da suplência de senador, um mal disfarçado patrimonialismo do titular; fim do voto secreto no Congresso, uma satisfação ao apelo por transparência; manutenção das coligações partidárias; mudança na forma de financiamento das campanhas eleitorais; e do sistema político. Repartiu, assim, com a casa congressual a tutela do processo que devolve um protagonismo às instituições republicanas em xeque. Os líderes dos partidos políticos, para precaverem-se, delegarão a um grupo de parlamentares o compromisso de acordar um projeto de Reforma Política para o caso do Plebiscito não confirmar mudanças substantivas no sistema de representação. Institucionalmente isso resolve.

Mas resultaria em uma derrota para o movimento que levou milhares a contestar a ordem e que aspira novas modalidades de participação política, para além dos construtos de sustentação da democracia representativa. Independente do Plebiscito e das articulações interpartidárias, o governo Dilma tem autoridade para gerar brechas institucionais à democracia direta. Entre 2013 e 2014 estão previstas 19 novas Conferências Nacionais, foram 86 entre 2003 e 2012. Contabilizaram mais de 7 milhões de partícipes. Suas etapas preparatórias (municipais, territoriais, temáticas) são momentos relevantes para o exercício da cidadania na formulação de políticas públicas. Cabe à Secretaria-Geral da Presidência da República dar publicidade às mesmas, tornando-as desaguadouro para as demandas salientes nas manifestações. A presidenta poderia divulgá-las em cadeia de televisão, conclamando os prefeitos e os governadores a engajarem-se em sua concretização.

O PT e o governo central precisam disputar na sociedade civil seus feitos auspiciosos, omitidos ou combatidos pela mídia, ponta de lança da contra-revolução neoliberal. Precisam disputar os corações e as mentes e impedir retrocessos civilizacionais.

As Conferências Nacionais constituem caminhos ainda a serem explorados, valorizados e publicizados. Outros surgirão se, parodiando os rebeldes do emblemático Maio de 68, houver imaginação no poder. Não é possível assistir de braços cruzados como espectadoes à sistemática desconstituição do PT e do governo, sem acenar para uma indignada contraofensiva.

Afinal, “esse é o melhor Brasil depois da ditadura” (11).

* Luiz Marques é professor de Ciência Política da UFRGS. 

 

1 Para uma retrospectiva: Jeferson Miola, “A espiral dos acontecimentos e a urgência política”, site Carta Maior.

2
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, classifica de pós-modernas as mobilizações que combinam o desejo de lutar com o desejo de encontrar-se. A classificação, no entanto, sugere que a modernidade tenha já realizado o projeto sintetizado nas ideias de liberdade, igualdade e solidariedade, o que não ocorreu. Melhor considerar tais mobilizações à luz dos avanços tecnológicos e de seus impactos na subjetividade das novas gerações, sem recorrer a uma outra periodização da história. Se o que era sólido desmanchou no ar, ainda não se fez “líquido”.

3
“As condições de vida de milhões de brasileiros seguem difíceis, incluídos aí os milhões que viveram recentemente uma ascensão econômica e social”, nas palavras de Marco Aurélio Garcia em artigo publicado no Le Monde.

4 André Singer, “Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador”, Companhia das Letras, SP, 2012.

5 Venício Lima, “Mídia e crise de representação, tudo a ver”, Observatório de Imprensa.

6 Marcos Rolim, “Tanto motivo que nem cabe…”, Caderno de Cultura/ZH, 29/06/20013.

7 Eber Marzulo, “Sobre democracia e espaço público”, caderno de Cultura/ZH, 29/06/2013.

8 Posicionamento defendido, contemporaneamente por: John Rawls, “Uma teoria da justiça”, Martins Editora, SP, 2008. Opõe a desobediência civil (positiva, pois individual) à militância organizada (negativa, pois grupal).

9 Juarez Guimarães, “As manifestações de junho e a possível revolução democrática”, site da DS.

10 Tarso Genro (PT/RS), “Uma esquerda à altura da crise da República”, site da Carta Maior.

11 Flávio Koutzii, em entrevista para o site Sul 21.

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