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Direto de Assunção: Diário da resistência popular paraguaia 2

279598Por Iuri Faria Codas, direto de Assunção

Domingo

Um pouco antes das 13h, os defensores e as defensoras do governo Lugo iniciaram o Festival pela Democracia e em Defesa da TV Pública, uma edição especial do programa “Micrófono Abierto”, que além de falas e discursos contou com diversas apresentações musicais. Se nesse momento havia por volta de 300 pessoas presentes na frente da sede da TV, no final da noite já eram mais de 6 mil concentradas na praça.

A TV Pública não chega em todos os aparelhos de televisão do país, fica limitada pela conexão a cabo e pode ser assistida pela internet. As diversas rádios comunitárias espalhadas pelo Paraguai buscavam retransmitir as mensagens do Festival e também enviavam suas mensagens de apoio ao povo concentrado no centro de Assunção.

Por volta das 16h o sinal da TV Pública saiu do ar. Uma comissão foi montada para investigar a causa e descobriram que funcionários da ANDE (Administração Nacional de Eletricidade) haviam cortado a energia do transmissor do canal, em mais uma tentativa do novo governo de censurar a luta pela democracia.

No começo da noite, começou a circular a informação que estriam pressionando o presidente ilegítimo Federico Franco a renunciar, pois esse não queria tomar ações mais drásticas para reprimir as manifestações, e em seu lugar assumiria o senador Oviedo Matto, presidente do Senado, ligado ao general Lino Oviedo, militar populista que nos anos 1990 tramou um golpe de Estado, se exilou no Brasil e foi preso ao voltar para o Paraguai. Lino Oviedo ficou preso até 2007, quando teve sua pena encurtada por uma manobra do presidente da época, Nicanor Duarte, que pretendia enfraquecer a candidatura de Fernando Lugo, já que assim, Oviedo poderia ser candidato a presidente e dividiria os votos da oposição aos colorados. Mesmo sendo apenas um boato a destituição de Franco, os partidários de Lugo decidiram difundi-lo (ressaltando que a informação não podia ser confirmada), pois caso fosse verdade essa conspiração, ela seria enfraquecida ao perder seu elemento surpresa.

Mais tarde, o governo da Bolívia começou a divulgar que em seu país um plano golpista estava sendo (mais uma vez) gestado. Não seria surpresa se em um futuro próximo descobrirmos que os EUA contribuíram com o golpe no Paraguai, uma vez que seu poder na América do Sul reduziu drasticamente na última década, e que seu plano previa desestabilizar diversos regimes em um curto espaço de tempo, uma vez que com a constituição da UNASUL e a presença de diversos governos de esquerda em nosso continente já não será tão fácil implementar regimes antidemocráticos e entreguistas como fizeram na segunda metade do século XX. Esse fato novo deveria deixar o governo brasileiro e dos demais países da região ainda mais preocupados com o golpe paraguaio e cogitar tomar medidas mais fortes contra o governo ilegítimo, além do não-reconhecimento e provável suspensão dos fóruns multilaterais (por enquanto, o Paraguai só não foi convidado pra próxima cúpula do Mercosul, onde sua permanência ou não no bloco será decidida).

Pro final da noite, estava prometida a aparição do presidente Lugo na TV Pública para discursar aos seus apoiadores e apoiadoras, mas ele teve que cancelar, pois seu irmão Pompeyo sofreu um infarto e o ex-bispo foi visitá-lo.

Após o informe de que o presidente não poderia mais vir, a multidão começou a dispersar, enquanto pouco mais de uma centena de pessoas preparava acampamento para continuar a vigília em frente à sede do canal de televisão público.

Atualmente, a Frente Guasú (congregação de 20 partidos de esquerda que apoiaram a eleição e o governo de Lugo) não existe mais na prática. As articulações e organização política está nas mãos da Frente pela Defesa da Democracia (FDD), que reúne todos e todas que condenam o golpe. Ao longo do domingo a FDD se reuniu para definir suas reivindicações, estratégias e sua organização interna. Suas exigências são a anulação do “Juício Político” e a volta do presidente Fernando Lugo. Representantes da FDD mantém contato com governos estrangeiros para exigir que não reconheçam Federico Franco como mandatário do Paraguai e que pressionem pôs sua saída.

A partir das seis da manhã dessa segunda-feira, Fernando Lugo irá se reunir com o seu “gabinete paralelo” e depois irão comunicar o que decidiram. À tarde, a comissão de contatos internacionais da FDD irá debater sua estratégia e depois irá se reunir com todas e todos militantes de outros países que vieram se solidarizar com a luta do povo paraguaio. É provável que para terça-feira um grande ato, com paralisação geral do país, seja convocado. Não é fácil descobrir o que se passa fora da capital, graças ao silêncio dos grandes meios de comunicação, mas aparentemente no domingo a fronteira Brasil-Paraguai foi fechada por meia hora pelo movimento camponês e na segunda-feira eles pretendem repetir isso. Mesmo entre os apoiadores do golpe a preocupação aumenta por causa do não reconhecimento de diversos países do novo governo, com o fim do contrato com a Venezuela e a PDVSA, o petróleo do Paraguai dura no máximo dois meses.

É difícil prever o que ocorrerá nesse país nos próximos dias, se uma calmaria com alguns atos isolados ou uma grande convulsão social. O que é certo é que a população não ficou contente com o golpe, mesmo que Lugo não tivesse grande apoio, os políticos tradicionais dos partidos Liberal, Colorado e outros possuem menos ainda, e o povo está cansado dos mesmos burocratas e oligarcas de sempre decidindo sobre o rumo de seu país. Veremos se a indignação morrerá na apatia ou se expressará na mobilização.

* Iuri Faria Codas é diretor de Movimentos Sociais da UEE-SP, militante da Democracia Socialista e está acompanhando a resistência ao golpe no Paraguai, direto da capital Assunção. 

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