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E se o imposto sindical acabar, sobreviveremos?

Mesmo que a luta por liberdade e autonomia sindical tenha sido a bandeira central da fundação da CUT há 25 anos, a base sindical cutista e o projeto da CUT passaram por um forte processo de acomodação à estrutura oficial. Agora, que finalmente podemos alterar essa estrutura, precisamos nos perguntar: estará o sindicalismo cutista preparado para esse novo momento? Nossa resposta é inequívoca: não. Reconhecer esse limite é fundamental para construir iniciativas políticas e pedagógicas voltadas para toda a nossa militância com intuito de recuperar o centro da concepção e prática inerentes ao nosso projeto: a solidariedade de classe.

Concepção corporativa

Nossa crítica à estrutura sindical oficial relaciona-se com a crítica ao papel do sindicato na sociedade brasileira. A estrutura corporativista foi construída no início do processo de industrialização do país. O sentido dessa estrutura era incorporar os trabalhadores de forma harmônica ao “progresso”. Por isso, o sindicato deveria ser um agente de construção da harmonia entre o capital e o trabalho, ou seja, instrumento de colaboração de classe.

A estrutura sindical oficial, corporativista e atrelada ao Estado, se constituiu como uma teia. Nela, encontramos o sindicato por categoria profissional e a unicidade sindical, o poder normativo da Justiça do Trabalho e o imposto sindical. A combinação dos dois primeiros aspectos resultou em profunda fragmentação e pulverização das entidades sindicais. Essa teia fortalece o controle sobre a ação sindical ao mesmo tempo em que fragiliza as entidades sindicais.
A concepção sindical formulada pela CUT em sua fundação é oposta àquela, corporativa. Para nós, a unidade de classe, a democracia, a liberdade e a autonomia são pressuspostos insubstituíveis para a organização da classe trabalhadora que tem em sua estratégia a construção de uma nova hegemonia na sociedade, uma hegemonia democrática e popular. Os Sindicatos, portanto, devem assumir essa tarefa.

O Projeto de Lei

Segundo o Projeto de Lei que será enviado ao Congresso Nacional, o imediato fim do imposto sindical e da taxa assistencial será acompanhado da opção por uma contribuição negocial. Acabam-se as taxas compulsórias e remete-se às assembléias de base a soberania para decidir se aceitam e qual o valor da contribuição ao Sindicato.

Essa nova contribuição estará ligada à negociação coletiva. Portanto, exigirá que os Sindicatos  cumpram o papel de mobilizador e negociador dos interesses da classe. O Sindicato terá o direito de indicar, segundo o Projeto de Lei, qual a estrutura superior (Federação, Confederação e Central Sindical) a qual está filiado. A forma atual é antidemocrática, pois o repasse é automático para a estrutura oficial. Esta, portanto, estará com os dias contados.

O PL estabelece, ainda, regras transparentes para a realização das assembléias de base, como, por exemplo: convocação da categoria envolvida na negociação coletiva e quorum para as assembléias. Ao ser aprovada, a contribuição negocial será estendida a todos os beneficiados com a Convenção Coletiva.

Porém, a CUT detectou um problema importante, contra o qual lutará. O PL não prevê um teto para desconto. A CUT propõe que haja um teto máximo de 1% da remuneração anual do trabalhador. Isso é imprescindível para que os pelegos de plantão não se utilizem dessa brecha para compensar suas perdas de receita.

Correlação de forças e resposta da CUT

Enfrentaremos, ao menos, três obstáculos muito fortes para conseguir aprovar esse PL. Os dois primeiros são de âmbito externo à CUT:

1. A ofensiva do sindicalismo oficial, pelego e antidemocrático. Possivelmente, será conformado um campo que unificará os sindicalistas que mantém seus aparelhos desde antes do golpe militar (sim, eles ainda estão lá!) e aqueles que formaram centrais sindicais recentemente pensando somente na utilização dos recursos oriundos do imposto sindical, pequenos sindicatinhos e sindicatos de gaveta com o interesse de receber o imposto sindical.

2. O segundo campo de ofensiva virá da grande mídia e do Poder Judiciário. A ira desses setores contra o movimento sindical não é de hoje. Lembremos que o primeiro ano do Governo FHC foi marcado por um processo de criminalização do movimento sindical, cujo símbolo foi a campanha contra os Petroleiros, inclusive realizando intervenção nos sindicatos de base e na FUP.

Mas existe um obstáculo que é interno à nossa Central. Diz respeito à cultura política que se tornou hegemônica do conjunto da nossa militância, que se acomodou à estrutura oficial, como forma de sobreviver a ela. Utilizar as regras do jogo, já que não conseguiam alterá-las. Para superar essa cultura política, será necessário um grande esforço político e pedagógico.

Porém, temos uma grande vantagem. A experiência sindical cutista oferece-nos um conjunto de exemplos de construção de liberdade, de solidariedade e de democracia em nossa organização sindical. O Sindicato dos Curtidores de Ivoti passou por forte crise financeira em 2007. Só foi possível mantê-lo graças à unidade e solidariedade de classe. O Sindicato dos Sapateiros da mesma cidade manteve-o financeiramente e, com isso, puderam garanti-lo politicamente junto à categoria. Hoje, já começam a se recuperar financeiramente.

A solidariedade de classe também é resposta para construção de alternativas inovadoras. Por exemplo, meios de comunicação geridos por um conjunto de sindicatos da mesma região ou do mesmo ramo de atividade terá muito mais impacto do que um boletim restrito a uma categoria, a um Sindicato. O mesmo pode ocorrer com infra-estrutura para formação e mobilizações (auditórios, carros de som, gráfica).

A CUT é protagonista no movimento sindical – no Brasil e no mundo – no que diz respeito ao avanço rumo à democratização dos espaços sindicais, respeitando e incluindo a diversidade. Exemplo disso é a atualização da política de cotas de gênero, de forma a garantir a participação das mulheres nas instâncias e espaços sindicais.

Há, na própria experiência da CUT, respostas a uma possível crise entre a manutenção de uma concepção sindical e a prática realmente exercida por suas direções políticas. A alternativa ao fim do imposto sindical é o fortalecimento da solidariedade, da unidade de classe e da democratização dos espaços sindicais. Enfim, devemos construir uma nova cultura política para o sindicalismo brasileiro, e só a CUT é capaz de construir esse sindicalismo livre, democrático e com solidariedade de classe.

Rosane Silva é Secretária Nacional de Mulheres da CUT

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