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Eleições no Paraguai e conjuntura política brasileira em 2008

No próximo domingo 20 de abril acontecem eleições gerais no Paraguai. Pela primeira vez em sessenta anos (a maior parte dos quais sob ditaduras militares) o poder do direitista Partido Colorado está em questão. Todas as pesquisas de intenção de voto indicam que Fernando Lugo, candidato pela Aliança Patriótica para a Mudança (APC, na sigla em castelhano), será eleito presidente da República. Revezam-se no segundo lugar a candidata colorada Blanca Ovelar, ex-ministra de Educação, e o candidato do partido UNACE (União de Cidadãos Éticos), o general reformado Lino Oviedo, dissidente do Partido Colorado. A eleição se define em um turno por maioria simples de votos.

GUSTAVO CODAS

A APC é uma ampla frente que agrega o outro partido tradicional, o Liberal Radical Auténtico (moderado, porém democrático) e mais de uma dúzia de partidos e movimentos políticos progressistas e de esquerda, vários com forte militância social (sobretudo de movimentos camponeses). Lugo é um ex-bispo católico que se projetou, primeiro, pelo seu trabalho pastoral em uma região de intensos conflitos agrários e, mais recentemente, ao propor e encabeçar uma ampla concertação e mobilização nacional para derrotar à máfia instalada no poder através do Partido Colorado. Assim, a candidatura de Lugo não é apenas um fenômeno de marketing político passageiro, mas expressa uma vontade de mudanças profundas no país.

A perspectiva de vitória de Lugo tem provocado nervosismo nas forças conservadoras no Brasil. É o que expressou Rubens Barbosa, ex-embaixador pró Estados Unidos do Brasil em Washington (junho 1999 – março 2004) e atual lobista da FIESP, no artigo “Paraguai, uma nova Bolívia?” (OESP, 08/04/2008). Lugo propõe mudanças nas relações bilaterais, a começar pelos termos em que opera Itaipu, visando maior equidade entre os dois países. Para Barbosa essa agenda entra em uma “questão de segurança nacional e não admite tergiversação. Esperamos que os interesses maiores do Brasil sejam defendidos de maneira realmente efetiva, e não com a falta de vigor” como segundo ele ocorreu em relação a Bolívia por ocasião da nacionalização do gás.

Os governos do Partido Colorado, desde a ditadura de Stroessner (1954-1989) até os atuaIs da “fase democrática”, têm sido funcionais a essa estratégia da direita brasileira. Fazem concessões a supostos “interesses brasileiros” e obtém carta branca para todo tipo de negócios ilícitos não raramente ligados a capitais do lado de cá da fronteira. Desde meados dos anos 1970 generais e políticos colorados enriqueceram com negociatas na construção e operação da hidrelétrica de Itaipu (e a de Yacyretã, com a Argentina) e com o contrabando, a falsificação de produtos, o tráfico de armas e drogas, a lavagem de dinheiro etc. fazendo do país um foco de tensão regional.  As candidaturas de Ovelar e Oviedo expressam facções em luta por esses negócios ilícitos e pelos necessários espaços de poder para continuar neles.

A herança dessa estratégia de “segurança nacional” brasileira é ter um país vizinho corroído pela corrupção, em crise econômica endêmica e com crescentes conflitos sociais explosivos (envolvendo brasileiros residentes lá), onde o jogo democrático está bloqueado por máfias e organizações criminosas que se apoderaram do poder através do Partido Colorado. O apoio dado pelas classes governantes brasileiras ao longo das últimas décadas aos desmandos dos colorados para em troca “garantir o interesse nacional brasileiro” em algo se assemelha (guardadas as proporções e distancias) ao que os Estados Unidos deram nos anos 1980 a Osama Bin Laden e os Talebans em Afeganistão para “derrotar a URSS”: mesmo se “vitoriosa”, se volta contra seu criador.

A vitória do Lugo abrirá uma nova fase, tanto de alternância no governo, como de mudanças da inserção do Paraguai na região e de transformações econômicas e sociais do país. Mas isso não será possível com uma atitude hostil por parte do Brasil.

Ao contrário do que tanto a direita como setores desorientados da esquerda defendiam como sendo o “interesse nacional brasileiro” frente à nacionalização do gás pelo governo Evo Morales em maio de 2006, o presidente Lula inaugurou uma nova fase na política externa brasileira ao afirmar que se tratava de um ato “inerente à soberania” da Bolívia e que as relações bilaterais seriam readequadas a partir do novo cenário. Na audiência do passado 2 de abril que o andidato Lugo teve em Brasília com o presidente Lula, o governo brasileiro também mostrou aBertura para uma nova agenda Bilateral com Paraguai (1).

Em artigo publicado nesse dia na imprensa brasileira, Lugo afirmava: “Nas eleições de 20 de abril, existem duas opções: o desenvolvimento harmônico dos dois países ou o desenvolvimento excludente do Brasil e a ruína do Paraguai, caso em que nosso país será mais uma vez pólo de tensões e problemas na região. Não temos dúvida de que a primeira é a opção correta. Como dizemos em nossa língua Indígena, `oñondive mante jajapóta´ (`só juntos é que vamos poder fazer´). Nesse `juntos´ incluímos não apenas o Paraguai, mas também o Brasil” (“Equidade beneficia Paraguai e Brasil”. FSP, 02/04/2008, pág. 3).

É um convite a reparar os danos provocados a ambos países (mas sobretudo ao Paraguai) por uma contraproducente estratégia de “segurança nacional” brasileira e virar definitivamente a página escrita pelo malfadado projeto de “sub-imperialismo brasileiro”. O governo Lula já tem dado demonstração de condições e vontade de fazê-lo.

Gustavo Codas é jornalista e economista paraguaio residente no Brasil, filiado ao PT desde 1984.

Nota

(1) Para mais informação sobre a conjuntura paraguaia e as propostas do Lugo ver o livro “O direito do Paraguai à Soberania. A questão da energia hidrelétrica”. Gustavo Codas (org.). São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2008. www.expressaopopular.com.br/internas.asp?id=259

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