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Em defesa do PT, da Ética e da Democracia

Apresentamos a seguir a proposta de resolução apresentada pela DS e outras correntes na reunião extraordinária do Dirétório Nacional neste sábado em São Paulo

1. Há hoje uma gravíssima campanha estrategicamente articulada pela oposição liberal-conservadora para impugnar a liderança histórica de Lula, para desmoralizar o PT e impedir o governo Lula de exercer plenamente o mandato de mudanças na sociedade brasileira que lhe foi democraticamente conferido pelo voto.

2. Esta ofensiva não é um raio em céu azul. Vem sendo planejada desde o dia em que Lula foi eleito. Teve seu ensaio geral no episódio “Waldomiro Diniz”, quando se utilizou um modus operandi semelhante ao atual. Teve prosseguimento nas eleições municipais de 2004, quando o partido sofreu uma derrota política, verdadeiro sinal amarelo emitido por amplos setores de nossa base social e eleitoral. Em seguida, tivemos nossa derrota na eleição da Presidência da Câmara. É nesse contexto, de ofensiva da direita, que surgem a denúncia de corrupção nos Correios e os depoimentos do deputado Roberto Jefferson acerca do “mensalão”.

3. Com esta ofensiva, a oposição liberal-conservadora pretende reabrir um novo período de legitimação dos programas neoliberais, em particular o Estado mínimo e as privatizações. Não está em curso, portanto, apenas uma operação de antecipação da campanha eleitoral de 2006. Nem se trata, apenas, da exacerbação de uma operação de calúnias contra o Partido, visando colar em nós o estigma da corrupção. Está em curso uma operação bem mais perigosa, que visa destruir o PT, interditando por muitos anos a esquerda como alternativa programática, de governo e de poder para o Brasil.

4. Diante desta campanha que visa ameaçar a governabilidade do mandato de Lula, há três campos possíveis de resposta.

5. O primeiro é o que, reconhecendo corretamente a gravidade da campanha de desestabilização e a necessidade de buscar a unidade do PT e do campo democrático popular para enfrentá-la, unilateraliza a agenda desta polarização, minimizando ou relativizando a centralidade de uma resposta clara e consistente à questão da ética que hoje mobiliza a sensibilidade da opinião pública brasileira. Se este campo de resposta contém muitas virtudes – a centralidade da clara polarização com o PSDB e o PFL, a iniciativa da mobilização popular, a defesa veemente do patrimônio histórico do PT – ele é, no entanto, incapaz de estabelecer o diálogo vital, para nós nesta situação, com as entidades democráticas da sociedade civil, com a tradição da igreja popular e progressista que enfatiza o tratamento da ética na política, com a intelectualidade crítica e com o próprio processo mais amplo de formação da opinião pública.

6. O segundo campo de resposta contém o erro fundamental de relativizar ou minimizar a gravidade da campanha de desestabilização do governo, principalizando a crítica às suas deficiências e erros que teriam levado à crise atual. As questões éticas aparecem aqui relacionadas a uma dinâmica principalizada de luta de posições dentro do próprio campo petista. Ao exponenciar as contradições dentro da própria tradição petista, ao esterelizar o potencial de mobilização social pela fratura da unidade necessária, tal posição acaba sendo estruturalmente incapaz de dar uma resposta política a altura contra a campanha liberal conservadora de desestabilização.

7. O terceiro campo de resposta, que julgamos mais correto, é o que equilibra a principalidade da denúncia da campanha de desestabilização do governo Lula com a busca da liderança de uma nova campanha pública pela ética na política associada a retomada do impulso transformador que deu origem a nosso governo. Neste campo, a construção da unidade do PT e do campo popular não se faz em prejuízo do diálogo vital com a opinião pública democrática sobre a ética. Esta posição implica a explícita necessidade de renovar e aprofundar o pacto do governo Lula com as forças populares e democráticas do país, através de um reposicionamento e ofensiva em defesa da ética pública, de um lado, e de uma nova orientação no tratamento da dívida financeira e da política monetária e fiscal que torne possível o avanço qualitativo naquelas políticas decisivas para a classe trabalhadora, os movimentos sociais no campo e os setores populares.

8. Isso exige um conjunto de ações combinadas e imediatas: mudar a política econômica; reconstruir a base de apoio parlamentar e social do governo; assumir a vanguarda das investigações em curso no Parlamento; aprofundar as ações anti-corrupção implementadas pelo governo, além de adotar maior rigor nas relações com o empresariado.

9. Enfrentar a crise política que está posta exige do nosso partido unidade, capacidade de crítica e autocrítica, e coragem para aprofundar o nosso programa democrático e popular.

10. Na raiz da situação atual está o contraste entre o nosso governo que nasceu das aspirações de democratização real da sociedade brasileira e as condições profundamente antidemocráticas das estruturas de poder que servem para perpetuar a desigualdade social. Esse é o problema central que temos de enfrentar. Cabe ao PT propor as bases para alterar o conteúdo da política econômica e produzir mudanças reais nas condições de vida do povo.

11. Este tema não é novo para o partido. Já o 6º Encontro Nacional assinalou a diferença entre governo e poder, e que a conquista do primeiro deveria ser vista como passo inicial para a transformação do segundo. Agora, tendo experimentado já dois anos e meio de exercício do nosso governo, vemos os limites que essas estruturas de poder impõem ao nosso governo e ao nosso programa.

12. Nossa experiência de governo tem avançado em aspectos da situação internacional e em aspectos da política interna, em especial aqueles que ampliam a margem de atuação do país e da comunidade sul-americana e que ampliam as relações do governo com os movimentos sociais e com camadas populares da nossa população. Mas essas conquistas têm sido insuficientes para alterar de conjunto a situação do país, especialmente as relações de poder no país e na sua relação internacional.

13. De um lado está a pesada herança da dívida pública e da profunda dependência do país. Elas impõem uma chantagem permanente a qualquer esforço de aumentar a margem de soberania do governo e do país. A submissão ao poder do capital financeiro, associado às instituições da globalização capitalista, impede mudanças na realidade social. Resistir a esse poder e ampliar a margem de soberania do país e do seu povo é condição para manter a chama da esperança e a solidariedade ativa da maioria dos brasileiros ao nosso projeto.

14. A extrema concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos familiares é outro aspecto das estruturas de poder antidemocráticas em nosso país. Integrado aos interesses dominantes e defendendo seus próprios interesses esse setor atua de maneira articulada e muitas vezes manipulatória contra o nosso partido, transformando acusações em “verdades”, denúncias pontuais em ataques globais.

15. Uma outra lição importante é que os instrumentos políticos convencionais que servem tão bem aos governos conservadores não servem aos governos que querem mudar a sociedade. Em um governo progressista, a ampliação de alianças deve ser criteriosa, não abrindo mão da hegemonia do programa em nome da “governabilidade”. A governabilidade que importa ao PT é a do projeto democrático e popular. O contrário nos joga em uma contradição permanente tanto com o seu programa como nos métodos de governo.

16. A substituição da construção de uma maioria social e de uma permanente disputa de hegemonia por uma política bem comportada de fazer maioria de qualquer maneira em um parlamento como o brasileiro também significa uma contradição: esvazia a participação popular, reabilita políticos e partidos que já haviam caído em descrédito, torna o governo refém de negociações pouco transparentes e limitam a própria capacidade do governo popular e dos partidos de esquerda em modificar uma estrutura muito importante de poder.

17. É neste quadro que a ação política da direita, especialmente do PSDB, torna-se mais agressiva, articulada e se nutre das contradições e equívocos políticos que ocorrem no interior da nossa experiência de governo. Enfrentar a direita de forma conseqüente e desmascarar sua ação demagógica exige ao mesmo tempo superar nossos equívocos e enfrentar os limites impostos pela estruturas de poder vigentes na sociedade brasileira.

18. Entre os equívocos a superar está o de incorporar no governo forças estranhas ao compromisso democrático, popular e ético. É necessário readquirir coerência das forças que participam do governo, coerência com os objetivos e com os métodos de governo. A relativa redução numérica será compensada pela maior coesão e apoio da sociedade democrática. Nesse sentido, o PT considera incompatível a aliança de governo com partidos de direita. Os partidos de esquerda e populares devem ser o núcleo da aliança de governo. A relação com partidos de centro deve ser feita pontualmente e sob forte pressão popular, buscando obter maiorias parlamentares. Isto só pode ser alcançada com formas incentivadas de participação popular, com uma política ativa de debate e de construção de hegemonia de posições políticas e com uma relação solidária com os movimentos sociais.

19. Duas iniciativas imediatas devem ser tomadas para alterar a estrutura conservadora e cercada de privilégios dos poderes executivo e legislativo. A primeira, que não depende de qualquer medida legal, é a introdução de mecanismos de participação popular na elaboração e definição da proposta do executivo para o orçamento 2006. O Diretório Nacional constituirá equipe específica para desenvolver uma proposta viável de iniciar o OP nacional.

20. A segunda iniciativa, nesse caso dependendo de aprovação do Congresso, refere-se à reforma política. Por sua natureza, deverá ser precedida de amplo debate na sociedade e da construção de um movimento hegemônico para a democratização da representação parlamentar.

21. Uma terceira iniciativa é fundamental para alterar a dinâmica política atual, trata-se da retomada da mobilização política e social. Nesse sentido, o PT irá dialogar e somar forças com o movimento iniciado pela CUT, MST, CMS, MMM, UNE e outras entidades contra o golpismo e a corrupção, por mudanças na política econômica e uma reforma política democrática.

22. A luta contra a corrupção é parte integrante da luta democrática no Brasil. O PT foi um dos principais responsáveis por essa conquista de consciência e vigilância da sociedade sobre os governantes. O combate à corrupção é uma das partes fundamentais do nosso programa. Por isso mesmo, quando há uma denúncia contra uma administração do PT a repercussão e a exigência de apuração e punição são qualitativamente diferentes das que ocorrem frente a um governo de direita. Frente a elas o PT responderá de maneira transparente, exemplar e sem cumplicidade, defendendo ao mesmo tempo o direito de defesa afastado da função executiva. Nesse sentido, o PT defende a saída do ministro da Previdência e do presidente do Banco Central, contra os quais foram abertos inquéritos no Supremo Tribunal Federal – o primeiro é acusado de desviar recursos públicos; o segundo, de burlar o fisco.

Esse tipo de atitude é uma condição fundamental para que não paire dúvidas sobre o partido. A corrupção é uma arma da direita e deve ser combatida sem trégua pela esquerda.

23. O PT sempre criticou o financiamento privado de campanhas eleitorais, não apenas por gerar desigualdade entre os concorrentes, mas também por criar um ambiente que estimula a troca de favores entre os doadores e os futuros governantes. Por isso mesmo, defendemos o financiamento público das campanhas. Entretanto, o crescimento eleitoral do PT também nos tornou beneficiários de crescentes contribuições empresariais. Embora estas contribuições sejam muito menores que as concedidas pelo grande empresariado aos partidos de direita, elas acabaram criando, em alguns setores da população e da própria militância, a impressão de que “todos são iguais”, de que todos mantêm relações promíscuas com o empresariado. Nesse sentido, nosso Partido precisa adotar o máximo rigor e transparência no trato do financiamento de campanhas.

24. Este conjunto de ações criará um novo ambiente político e social; colocará sob nova luz o tema das alianças estratégicas e das alianças eleitorais; iniciará mudanças na política econômica como passo combinado de uma mudança geral na política do governo e lançará as bases que nos permitirão, mais do que apenas vencer as eleições de 2006, cumprir os objetivos estratégicos que nos levaram a disputar e conquistar a Presidência da República.

São Paulo, 18 de junho de 2005.

Ana Fogaça
Antonio Carlos
Arlete Sampaio
Carlos Henrique Árabe
Cecília Hypólito
Fátima Bezerra
Fernando Ferro
Flávio Koutzii
Frei Anastácio
Gilberto Neves
Henrique Fontana
Iriny Lopes
Joaquim Soriano
José dos Reis Garcia
Juarez Guimarães
Julio Quadros
Luizianne Lins
Maria do Rosário
Maristela Matos
Marlene da Rocha
Múcio Magalhães
Pe. Roque Zimmermann
Raul Pont
Romênio Pereira
Selma Schons
Sônia Hypólito
Tarcisio Zimmermann
Vvalteci de Castro (Mineiro)
Valter Pomar

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