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Fake news, democracia e redes sociais | Margarida Salomão

Quarta-feira passada (21 de junho), os internautas brasileiros foram surpreendidos com a notícia de que a Rede Globo de Televisão havia solicitado ao Twitter a retirada de imagens, gifs e memes produzidos a partir de prints de conteúdos de sua programação. Pedido que causou estranheza. Ainda que indiretamente, a reprodução desse tipo de material vem servindo como uma ferramenta de propaganda para a emissora.

A explicação para o episódio veio já no dia seguinte. Não foi a Globo a realizar tal solicitação, mas sim usuários fakes do Twitter, que se passaram por funcionários da emissora e denunciaram os conteúdos por infração de direitos autorais, pedindo sua retirada e punição a quem os produzisse e compartilhasse.

Apesar de rapidamente esclarecido, tal episódio contém um elemento de significativa relevância. Uma das mais importantes redes sociais existentes conseguiu ser enganada por simples usuários. Mais do que isso, dispôs-se a censurar conteúdo sem checar se os denunciantes eram efetivamente representantes da Globo – é bastante provável que tenham aceitado a denúncia apenas por se referir à maior emissora de televisão brasileira.

Esse episódio acaba servindo como síntese para o momento que vivemos, quando o tema das fake news suscita preocupações e expõe riscos incidentes sobre o processo eleitoral que se avizinha.

Em 2013, as redes sociais brasileiras serviram de meio para a proliferação de um boato que especulava sobre o encerramento do Bolsa Família. Como consequência, milhares de famílias cadastradas no programa acabaram por procurar agências bancárias e da Previdência para sacar seus benefícios. As filas formadas ilustraram o desespero de quem depende dessa política para sobreviver.

A consciência da gravidade de casos como esse apenas ressalta o fato de que redes sociais são uma realidade, que vieram para ficar e que são e serão uma essencial ferramenta na disputa política. Nossa disposição deve orientar-se, portanto, a que seu emprego ocorra sem que se criem desequilíbrios e se corrijam eventuais desigualdades de forças.

O caso de Lula é emblemático. A intensa perseguição imposta a ele por mídia, Judiciário e Ministério Público fez com que a taxa de rejeição a sua figura pública alcançasse mais de 50% em fins de 2016.

Foi aí que Lula desencadeou suas Caravanas políticas, ignoradas pela mídia tradicional mas cobertas com fervor pela comunicação alternativa. A situação se reverteu de tal modo a que hoje, mesmo preso, Lula figure como franco-favorito à disputa para a Presidência da República.

Não resta dúvida que o gesto de Lula, de se pôr a marchar pelo país, tenha sido a causa fundamental para que o PT “saísse das cordas” e virasse o jogo. Foi nas redes sociais que se travou a disputa de narrativas: militantes conectados enfrentaram a omissão ou a antipatia da mídia tradicional no rádio, na tevê, nos jornalões, e pautou para o Brasil, por exemplo, os ataques sofridos pela Caravana de Lula no Rio Grande do Sul e no Paraná.

A prisão de Lula, as extraordinárias imagens de sua comunhão com o povo nesse processo, o ato religioso em São Bernardo, a “carta testamento “ antes da prisão, todas essas passagens da história online alcançaram o país pelas redes, impactaram a população em seu coração e transformaram em jornada épica o que seria apenas humilhação e derrota.

O sucesso da campanha #LulaLivre está presente nos inimagináveis percentuais de intenção de voto que cada pesquisa eleitoral apresenta à opinião pública. Hoje, sim, o povo quer votar em Lula e quer saber quem matou Marielle. Acha, sim, que as eleições podem melhorar a situação do país. E julgam, pasmem todos, a reputação de Moro muito pior que a reputação de Lula.

A compreensão da força das redes intensifica o pleito de que as redes venham a ser um ambiente comunicativo saudável, controlando e reduzindo as fake news. Nesse sentido, é esperado que surjam as chamadas “agências de checagem”, instrumento já empregado em eleições anteriores para verificar veracidade e plausibilidade das notícias na rede, inclusive alegações e propostas de candidatos.

Tais agências funcionam, portanto, como instrumentos de “freios e contrapesos”, essenciais à democracia. No caso das agências contratadas pelo Facebook, cabe reconhecer o esforço de incluir figuras e institutos de credibilidade – como reconhecido, por exemplo, por Luís Nassif.

Cabe, porém, refletir sobre o poder conferido a tais agências. A alternativa proposta pelo Facebook não se ocupa de apenas classificar notícias como verdadeiras ou falsas, dando a oportunidade para que o leitor, o internauta, o eleitor, decida por si próprio como proceder com a fonte. Ela vai além, classificando a própria fonte como disseminadora ou não de fake news.

As consequências dessa medida ficaram evidentes em caso recente, quando um consultor do Papa Francisco presenteou Lula com um rosário abençoado pelo líder católico. O caso rapidamente foi tratado como fake news, punindo-se não a notícia, mas páginas que a compartilharam – páginas que sequer eram a fonte original das informações. Mesmo com o episódio esclarecido, restaram sobre tais fontes a pecha de mentirosas, contra a qual terão que combater por muito tempo.

Menciono esse aspecto também para lembrar as insuficiências da estrutura jurídica para lidar com esse novo fenômeno: corremos o risco de ter que lidar ou com disposições excessivamente engessadoras ou inteiramente vazias de consequências.

Sobre esse último aspecto, lembre-se episódio ocorrido em 2014, na véspera ao segundo turno da eleição presidencial, quando a revista Veja antecipou sua edição e estampou em sua capa dias antes do pleito fotos de Lula e Dilma com a epígrafe “Eles sabiam de tudo” sobre a Operação Lava-Jato. A redução da votação de Dilma no Sudeste sem dúvida refletiu essa operação de difusão de boatos.

Vale perguntar: houve alguma punição para o episódio? Claro que não.

Por outro lado, também essa semana vimos o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Fux, dizer que fake news podem provocar a própria suspensão de uma eleição.

Se as fake news exigem tamanha preocupação do TSE – e creio que mereçam – o tribunal deveria estender sua atuação não apenas às redes sociais mas à comunicação política como um todo. Em particular para evitar que casos como o de 2014 se repitam.

Em tempos de golpe progressivo, como o que se iniciou em 2016, esse cuidado é absolutamente indispensável. Para que não se tornem as fake news o pretexto atualizado para cassar a soberania do povo e mudar os resultados das eleições de 2018: que apontam a cada dia como hipótese mais provável uma grande vitória da esquerda para o Brasil!

Margarida Salomão é deputada federal pelo PT/MG, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com doutorado e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Publicado originalmente em Mídia Ninja.

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