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Fora trote machista da universidade!

Clarissa Cunha *

O machismo existe na universidade assim como existe na sociedade como um todo, mas a universidade deveria ter o papel de transformar a sociedade combatendo essas  desigualdades que a estruturam, e não reproduzindo essas opressões.

Ainda somos minoria nos postos de liderança – nas reitorias, chefias de departamentos, faculdades. Quantas mulheres reitoras conhecemos? Mesmo nos cursos majoritariamente ocupados por mulheres, muitos homens acabam se mantendo nos cargos de direção.

O currículo de grande parte dos cursos de graduação não possui recorte de gênero. Disciplina que discute gênero, quando existente, se resume a uma eletiva. E depois de formadas? Recebemos salários em média 30% inferiores aos dos homens. Apesar de sermos maioria nos bancos da universidade, desde a década de 80, a desigualdade permanece, somos marginalizadas e os trotes machistas refletem essa situação.

Se hoje nós, mulheres, representamos a maior parte do corpo discente da universidade sendo 55% das/dos estudantes matriculadas/dos, precisamos radicalizar nossa luta pelo fim dos trotes machistas. Hoje somos a maior parte das/dos estudantes, e, portanto, podemos afirmar que os trotes humilhantes atingem a maioria do corpo discente brasileiro.

Até mesmo nas representações discentes percebemos a reprodução da lógica discriminatória. É possível perceber ainda que, mesmo em cursos onde estamos em ampla maioria, os centros acadêmicos e, especialmente, as comissões de trotes e chopadas têm uma maioria de participação masculina. Exatamente nesses cursos, percebemos a utilização da imagem da mulher associada a “consumo”, dessa forma, “objetificando” as mulheres na divulgação dessas atividades. É bem simples a exemplificação: quantas vezes nos deparamos com cartazes de calourada dos cursos de enfermagem, fisioterapia e serviço social – majoritariamente femininos – com imagens dentro desse perfil?

Mesmo no período de férias da maior parte das universidades, iniciamos o semestre com um duro acontecimento para a vida das mulheres estudantes. No trote de agronomia da UnB as estudantes participaram de uma atividade intitulada de “festa da humilhação”. As estudantes calouras foram obrigadas a encenar um ato de sexo oral com uma linguiça em público, oferecida pelo presidente do D.A, que estava vestido com trajes de mulher e carregando uma faixa presidencial fazendo referência a primeira mulher eleita presidenta no Brasil.

Uma menina que passa por uma situação como esta com certeza levará essas cicatrizes ao longo de sua graduação. É colocado para esta estudante, em seu primeiro contato com a universidade, o papel que ela deverá incorporar ao longo da sua vida universitária e também para além desta. Este papel de inferioridade, de subordinação, nos diz que não temos o mesmo direito que os homens de pertencer a este a espaço. É muito claro que ao sermos recebidas, após muita dedicação para entrarmos na universidade, de maneira humilhante e machista, nos é impelido a ocupação deste espaço de determinada forma, ou seja, a subordinação ao desejo dos homens. Além disso, independentemente do nosso desempenho acadêmico, iremos estudar ao longo de nossa graduação ao lado de meninos que se sentiram no direito de nos humilhar publicamente de forma machista apenas pelo fato de sermos mulheres.

O constrangimento e símbolos incutidos nesta situação de trotes vão na contra-mão da proposta de receber os calouros nas universidades, sendo que a proposta de realmente receber os estudantes é plenamente possível, seja com debates, projetos ou confraternizações culturais que dão outro a caráter ao trote, como os trotes solidários. O movimento estudantil como um todo, em todas suas entidades, deve colocar um fim nos trotes machistas e humilhantes nas universidades. Eventos como o ocorrido na UnB desmoralizam as estudantes perante a sociedade e prestam um desserviço a todas/os que constroem um movimento estudantil que luta por uma educação socialmente referenciada que sirva à superação das opressões, do machismo, da homofobia e do racismo.

* Clarissa Cunha, estudante da PUC-RJ, é secretária-geral da União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro.

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