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Insistindo no erro

Paulo Nogueira Batista Jr.

“O Banco Central aumentou a taxa de juro outra vez, surpreendendo a todos. Noticia-se que o presidente da República teria ficado decepcionado. Não é a primeira vez. Em relação ao poderoso BC, o presidente Lula é uma espécie de rainha da Inglaterra.”

Fonte: Agência Carta Maior

Quando Bush foi reeleito, o Macaco Simão disparou: “Errar é humano; insistir no erro é norte-americano”. A boutade se aplica também à diretoria do Banco Central, que é dominada, como se sabe, por financistas e economistas treinados em bancos ou universidades norte-americanos. Nesta semana, o Banco Central resolveu aumentar a taxa de juro outra vez, surpreendendo a opinião pública, os empresários, os sindicalistas e até o mercado financeiro.

Uma leitora, indignada, reclamou: “Vocês, economistas, ficam discutindo se cabe ou não dar autonomia ao Banco Central, quando ele já é autônomo e faz o que bem entende”. Realmente, nas circunstâncias brasileiras, a discussão sobre autonomia é bizantina. Noticia-se que o presidente da República teria ficado “surpreso” e “decepcionado” com mais esse aumento dos juros. Não é a primeira vez. Em relação ao poderoso Banco Central, o presidente Lula é uma espécie de rainha da Inglaterra.

Imagino que a nossa rainha da Inglaterra esteja subindo pelas paredes. Afinal, diferentemente da original, ela não possui cargo vitalício e tem que se reeleger no ano que vem. Fica a dúvida: será que o Banco Central concorda com as aspirações presidenciais?

As taxas de juro no Brasil são uma aberração, um escândalo inacreditável. Deflacionada pela inflação esperada, a taxa brasileira de curto prazo supera os 13%. Nenhum país desenvolvido ou “emergente” pratica juros semelhantes em termos reais. A média é de apenas 0,6% nos países desenvolvidos e de 2% nos “emergentes”, segundo levantamento realizado pela consultoria GRC Visão.

O dogmatismo e a inflexibilidade da diretoria do Banco Central ultrapassaram todos os limites, inclusive os da lógica e da coerência. O Banco Central vive repetindo, em suas avaliações periódicas, que existe uma defasagem considerável entre as variações da taxa de juro e seus efeitos sobre a inflação. Pode-se inferir que a política de juros de hoje afeta sobretudo a inflação de 2006. Ora, no seu último relatório trimestral de inflação, divulgado há poucas semanas, a autoridade monetária informou que, pelas suas projeções, uma taxa de juro de 19,25% seria consistente com uma inflação abaixo do centro da meta no ano calendário de 2006 – um motivo para, em princípio, ter reduzido e não aumentado para 19,5% a taxa de juro nesta semana.

Parafraseando Pascal, poderíamos exclamar: “O Banco Central tem razões que a própria razão desconhece!”. Digito essa frase e paro, envergonhado. Peço desculpas ao grande filósofo francês pela paráfrase de mau gosto. Não cabe misturá-lo com a ortodoxia de galinheiro do Banco Central.

A próxima ata do Copom trará certamente novos pretextos e argumentos para o aumento dos juros. Veremos. Mas uma coisa é certa. Os custos dessa política de juros são extremamente elevados – repito pela enésima vez (se eles insistem nos erros, só me resta insistir na crítica).

Os juros exorbitantes provocam basicamente quatro problemas interligados.

Primeiro: a alta dos juros restringe o consumo e o investimento e tende a dificultar a sustentação da recuperação em curso desde fins de 2003. Estima-se que, em 2005, o crescimento econômico diminua para a faixa de 3,5% a 4% – resultado medíocre para um país que não cresce de forma sustentada há 25 anos e ainda sofre de taxas elevadas de desemprego e subemprego.

Segundo: o enorme diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo atrai capital especulativo e provoca valorização da moeda nacional. Essa valorização é duplamente inconveniente: prejudica a produção, o investimento e o emprego nos setores que exportam e naqueles que concorrem com importações no mercado doméstico, reforçando a desaceleração da economia e afetando negativamente as contas externas do país. Esse segundo problema só não se fez sentir mais claramente até agora por causa das defasagens entre movimentos cambiais e seus efeitos sobre os fluxos de comércio exterior e, também, porque a conjuntura internacional ainda favorável mascara os efeitos da perda de rentabilidade e competitividade das exportações brasileiras.

Terceiro: os juros elevados desestabilizam as finanças do governo, uma vez que a maior parte da dívida pública é interna, de curto prazo ou diretamente referenciada à taxa de juro fixada pelo Banco Central. O radicalismo da autoridade monetária constitui assim uma fonte permanente de desequilíbrio das contas públicas. Não apenas pelos seus efeitos diretos sobre o custo da dívida pública, mas também porque a desaceleração da atividade pode afetar de forma negativa a receita tributária e induzir aumento automático de certas despesas do governo (seguro-desemprego, por exemplo).

Quarto: a política de juros é um fator poderoso de concentração da renda. Beneficia apenas aquela minoria que é proprietária de riqueza financeira e credora da dívida pública – os bancos, as demais instituições financeiras, as pessoas físicas de elevado patrimônio etc. Prejudica, por outro lado, aqueles que dependem de salário e vêem as suas oportunidades se estreitarem com a retração da economia e do mercado de trabalho. Além disso, o governo tende a responder ao aumento de suas despesas financeiras redobrando os esforços de geração de superávits primários. Isso significa, por um lado, novo impacto negativo sobre a demanda e o crescimento. E, por outro, costuma acarretar também cortes de programas sociais ou novos aumentos de impostos, que recaem principalmente sobre a classe média e os pobres.

Em resumo, uma beleza. Enquanto isso, o ministro Palocci, que habita certamente outro planeta, declarou nesta semana que nós, brasileiros, “precisamos nos acostumar com o sucesso”…

Paulo Nogueira Batista Jr., economista e professor da FGV-EAESP, é autor do livro “A Economia como Ela É …” (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002). Escreve às quintas-feiras na Agência Carta Maior. E-mail: pnbjr@attglobal.net

Disponível em

http://agenciacartamaior.uol.com.br/agencia.asp?coluna=boletim&id=1244


Status de Meirelles barra autonomia do BC, diz Jobim

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, disse ontem que qualquer projeto de autonomia do Banco Central será inconstitucional após a decisão do STF que garantiu status de ministro do presidente da instituição. Jobim reafirmou que o fato de a Constituição estabelecer que é de competência do presidente da República nomear e exonerar ministros e a transformação do presidente do BC em ministro ‘sepultaram’ a autonomia. ‘Se lei infraconstitucional transforma (o presidente do BC) em ministro de Estado e a Constituição diz que ministros podem ser exonerados a qualquer momento pelo presidente, o presidente do BC, como ministro, não pode ter mandato’, disse Jobim, após palestra na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Mas, para Jobim, haveria, em tese, duas formas de garantir a constitucionalidade da autonomia do BC. A primeira seria se o governo recuasse no status de ministro. A segunda, ‘curiosíssima’ na sua opinião, seria uma reforma constitucional em que ministros teriam mandato e não poderiam ser demitidos. ‘Aí o presidente da República deixaria de ser chefe de governo’, explicou Jobim.

Ele garantiu que não deverá haver pressão do Executivo sobre o STF se o ministro Marco Aurélio de Mello votar pela abertura de inquérito para investigar o presidente do BC, Henrique Meirelles. Mello informou que dará parecer sobre o caso na segunda-feira.

Fonte: OESP, 07/05/2005

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