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Nossa Rosa continua sendo vermelha: ensinamentos de Rosa Luxemburgo para as disputas políticas do nosso período | Clarisse Goulart Paradis

Rosa Luxemburgo

Na ocasião em que se completam 100 anos do cruel assassinato de uma das militantes mais importantes para a luta socialista na história, nossa tarefa é reler suas reflexões, produzidas a partir de uma contundente ação política e, assim, fazer viva sua memória e todo o seu aporte, em especial, para pensar a relação entre igualdade e liberdade. É dentro dessa tarefa, que buscamos relembrar, de forma breve, alguns pontos de sua teoria, especialmente o papel das organizações e a relação entre socialismo e democracia, para refletir como seus aportes nos ajudam a pensar os desafios do socialismo no presente momento.

Rosa Luxemburgo esteve no centro de importantes debates no movimento socialista do início do século XX, quando esse movimento havia se tornado uma força politica contundente na Europa e um ator chave para as disputas sobre os rumos do capitalismo. A experiência de ascensão ao governo pelo Partido Socialdemocrata Alemão e a Revolução Russa constituíram momentos ímpares para sua reflexão sobre a conquista do socialismo.

Nesse sentido, a militante travou um longo embate que, se de um lado avistava alguns dos problemas que as experiências concretas do socialismo iriam experimentar no período posterior, do outro resgatou os princípios da teoria marxista e do seu ímpeto revolucionário para construir um programa socialista à altura dos desafios do século XX.

Nesse contexto, Rosa Luxemburgo deve ser pensada como uma das mais importantes teóricas e militantes do socialismo democrático. Ao criticar o vanguardismo, defendeu que a consciência nasce nas pessoas a partir da prática política. É a experiência o caldo para a teoria e é a ação a escola para os sujeitos da revolução. Nessa reflexão, retoma a ideia de Marx da “práxis revolucionária” (Loureiro, 2006), percebendo que o script e os rumos da revolução são variáveis e, portanto, dependem fortemente do contexto.

São as águas da história que fornecem as experiências necessárias para a formação política revolucionária. Nesse sentido, organizar-se na luta política é a condição para formular as vias para a derrota do capitalismo. A luta organizada, que deriva da consciência das classes que se forma na própria luta, é fundamental para combater o individualismo, os valores burgueses e a fragmentação que vivenciamos intensamente.

Fortemente crítica à distância entre líderes e massa, Rosa Luxemburgo insistiu de forma contundente o quanto essa distância, o processo de burocratização destruíam não apenas a vitalidade das direções, mas as colocavam sob o risco permanente de perder seus objetivos revolucionários, risco ampliado quando a luta institucional perde os vínculos com o sofrimento do povo.

Ao refletir sobre democracia e capitalismo, Rosa Luxemburgo reorganiza a relação entre economia e política, especialmente na análise das instituições políticas diante dos novos desafios e contradições enfrentados pelos socialistas no início do século XX, em especial na Alemanha: “os que desejarem o reforço da democracia devem desejar igualmente o reforço, e não o enfraquecimento, do movimento socialista, e que, renunciando aos esforços socialistas, renuncia-se tanto ao movimento operário quanto à própria democracia” (Luxemburgo, 2007, p. 93).

Ainda que Rosa Luxemburgo não tenha organizado análises mais aprofundadas sobre o tema das mulheres, em um ensaio sobre o direito ao voto, ela reivindicou esse direito às mulheres, uma vez que elas assumiam não apenas tarefas fundamentais nas organizações políticas, como estavam cada vez mais nas fileiras das fábricas, sofrendo uma exploração maior do que a de seus companheiros (Luxemburgo, 2011).

Rosa Luxemburgo discursa no congresso da Segunda Internacional em Estugarda, 1907.

Sua análise da relação entre a produção e as tarefas de reprodução no âmbito doméstico antecipa nossa agenda feminista, denunciando o absurdo e desumano de não serem consideradas produtivas as tarefas das mulheres dentro de casa. Por fim, a autora reconhece que a “escravização política do gênero feminino” era fundamental para a manutenção da exploração do proletariado. “A monarquia e a falta de direitos da mulher tornaram-se as ferramentas mais importantes da dominação de classes capitalistas” (Luxemburgo, 2011, p.446).

Hoje o capitalismo renovou fortemente suas formas de exploração e dominação e a capacidade organizativa da classe trabalhadora tem sofrido grandes derrotas. Mas como a própria Rosa Luxemburgo nos ensinou, a organização dos povos explorados e oprimidos se dá na experiência, com tudo o que ela abarca – erros, decepções, insatisfações (Loureiro, 2006). E essa situação convive com a luta incessante de mulheres e homens do povo, contra a austeridade, a violência, a destruição dos recursos indispensáveis para a nossa sobrevivência, a exploração dos corpos, dos territórios e do nosso trabalho.

Continuamos em luta contra a barbárie e acreditamos que a arma poderosa contra ela está no socialismo democrático tal como visualizado por Rosa – profundamente ligado às lutas sociais concretas, respeitando os momentos e capacidades de tomada de consciência dos/as seus/suas protagonistas, organizado de modo a superar o individualismo, o egoísmo, o corporativismo e que dê as condições não apenas para derrotar a exploração cada vez mais perversa, mas para imaginarmos coletivamente nossos parâmetros para uma boa vida.

Referências Bibliográficas 
LOUREIRO, Isabel Maria. Rosa Luxemburgo: vida e obra. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2006, 5ª ed.
LUXEMBURGO, Rosa. Direito de voto das mulheres e luta de classes. In: LOUREIRO, Isabel (Org.). Rosa Luxemburgo: textos escolhidos, vol. I (1899-1914). São Paulo: Unesp, 2011.
LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou revolução? São Paulo: Editora Expressão Popular, 2007, 4ª ed.

Clarisse Goulart Paradis é militante da Democracia Socialista e professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab/Campus dos Malês).

 

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