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O culto à estabilidade

Documento preliminar do campo majoritário reforça concepção monetarista

Sergio Kapron

O documento do campo majoritário usa duas palavras como pilares de sua argumentação. A “estabilidade” da economia em geral, percebida pela inflação em particular, e o “equilíbrio fiscal” são, para o documento, o centro de toda ação do partido e do governo, subordinando todas as demais ações e opções estratégicas.

O propósito do documento é estruturado em torno de algumas idéias centrais, que aparecem em diversas passagens do texto: “compreensão de que uma economia estável, sólida e dinâmica é condição essencial”; “para o PT, a busca do equilíbrio fiscal e de um crescimento sustentado, com recuperação do emprego e distribuição de renda, objetivos centrais do programa do partido, não são incompatíveis” e ainda “o significado maior da bem-sucedida recuperação econômica empreendida pelo Governo Lula foi viabilizar a construção de um novo alicerce assentado em preços estáveis, equilíbrio fiscal e contas externas positivas.”

Estes elementos – estabilidade e equilíbrio fiscal – serão considerados os centrais para os desafios de governar o país e colocá-lo no rumo do desenvolvimento. São os elementos escolhidos para que através deles o partido referende a política econômica e todas as demais ações que são meras decorrências dela (juros altos, elevado superávit primário, liberdade ao fluxo de capitais).

Ao mesmo tempo, não há um conceito preciso do que vem a ser a “estabilidade” ou “equilíbrio”, e tampouco estes são tratados dentro de determinados contextos ou momentos históricos. Pior, fica subjacente ao documento que qualquer alternativa
ou questionamento da política do governo será um ataque a estes dois “pilares”.

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A perder de vista. Fila para vagas em supermercado evidencia nível de desemprego, decorrência da política econômica.

Longe da realidade do Brasil
No entanto, em termos da economia brasileira, o que são ‘estabilidade’ e ‘equilíbrio’? Ou ainda, onde está a fronteira com a ‘instabilidade’ e o ‘desequilíbrio’? Esta discussão pode ficar mais bem compreendida se a questão da ‘estabilidade’ for relacionada com as taxas de inflação e o ‘equilíbrio fiscal’ com o superávit primário.

A política de ‘metas de inflação’, fixada na casa dos 5%, é um dos pilares da política econômica vigente. Para atingi-la, o governo se utiliza principalmente da taxa de juros (SELIC). Quanto maior esta, menor deverá ser a inflação. Só que quanto mais os juros são elevados, menor é a produção e o emprego, e menos o país cresce. Ao mesmo tempo, mais o país paga de juros da dívida interna. Já o superávit primário é uma diferença que deve sobrar entre tudo o que o governo arrecada e gasta, para então, pagar os juros da dívida. Assim, quanto maior o superávit, mais o governo pode pagar de juros. O objetivo é reduzir o volume do endividamento público (relação dívida/PIB). Porém, ao mesmo tempo, menos o governo gasta em saúde, educação, reforma agrária e nos investimentos essenciais
para o crescimento econômico.

Assim, ‘estabilidade’ e ‘equilíbrio fiscal’ são medidos pela menor taxa possível de inflação e pela maior taxa de superávit primário (entre outros elementos).Só que o remédio para inflação baixa tem sido, via de regra,os juros altos. Que por sua vez, exigem maior superávit primário. E ambos implicam em menos investimento, menos emprego e menos renda para o país. Por isso esta política econômica pode ser considerada de ‘freio ao crescimento’, e ainda sempre dependente das instabilidades externas e dos humores do mercado.

Contradições
Como então, pode-se aceitar que, com estas opções centrais, “a agenda do desenvolvimento colocou-se no centro das preocupações e das ações do governo”? E volta a questão: qual o limite de inflação para definir ‘instabilidade’?

Há que se lembrar que o Brasil historicamente conviveu com taxas de inflação superiores às buscadas pelo governo. Nem por isto, a inflação esteve sempre em descontrole ou o país deixou de crescer. Quanto ao superávit primário, é bom lembrar que a política econômica em 2004 fez com que os gastos do governo, sem o pagamento de juros, fossem R$ 81 bilhões a menos do que a arrecadação total. Para efeitos de  omparação, a aplicação – que foi recorde – de crédito para a Agricultura Familiar no último ano foi de R$ 7 bilhões.

A ênfase no rigor aos gastos do governo também está diretamente ligada à questão da arrecadação, dos tributos, mas está completamente ausente do documento qualquer referência à progressividade dos tributos ou mesmo à tributação das grandes fortunas. Não se trata de aceitar, como quer construir a argumentação do documento, que qualquer alternativa a política econômica
queira levar o país para ‘instabilidades’ e ‘desequilíbrios’, ou, ao que destes pode supor-se decorrer, desordens e anarquia (sic). Mas trata-se aqui de questionar a ênfase e a necessidade de assumir incondicionalmente tais postulados e sua política econômica decorrente. Da forma colocada, somente um Conclave, em Roma, poderia discutir uma alternativa a tais dogmas.

Sérgio Kapron é economista e assessor técnico da bancada do PT na Assembléia  Legislativa do RS.


 

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