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O fetichismo da mercadoria e o misticismo da democracia representativa

Finda a chamada “festa democrática”, volta-se, mais uma vez, à discussão acerca da reforma política. Diante da complexidade da questão, várias correntes lançam-se ao debate, da direita à esquerda, revelando uma diversidade enorme de opiniões que dificilmente pode convergir numa síntese capaz de fazer a matéria avançar no Congresso. Para os socialistas, o debate é ainda mais tenso e requer pensar soluções para além dos limites da democracia representativa. Cabe discutir profundamente a natureza do atual modelo e os desafios para um avanço qualitativo do ponto de vista da classe-que-vive-do-trabalho.

ANTONIO SANTANA CARREGOSA

Uma das mais belas passagens d’O capital é a que Marx trata do fetichismo da mercadoria. Nela o filósofo alemão discute a mistificação da realidade a partir das relações sociais estabelecidas pelo capitalismo e coloca a mercadoria no centro da questão por se tratar do elemento fundador da sociedade burguesa. Para ele, o caráter fetichista da mercadoria consiste, em última instância, na separação, entre os/as produtores/as e os meios de produção, que faz dos produtos do trabalho social, “coisas sociais”. O/a trabalhador/a particular contribui para o beneficiamento do couro e depois se depara com o sapato na vitrine da loja e o aprecia não mais como objeto de seu trabalho, mas como uma coisa distante e até acima dele/dela. Esse fetichismo decorre do fato de a mercadoria ser o resultado de “trabalhos privados”, independentes uns dos outros, cujo intercâmbio é controlado pelo capital.

De Marx para cá, a mercantilização da vida avançou e fez da esfera política um dos principais alvos. As eleições são realizadas a um custo inestimável, a militância é paga e daí surgem vários objetos comercializáveis, identificados como eleitores(as)/consumidores(as). À medida que cresce a importância daquelas pessoas ditas cabos-eleitorais e/ou marketeiros, diminui a importância do/a militante e do/a dirigente partidário. Avança o espaço privado em detrimento do espaço público. Predominam os interesses das empresas “patrocinadoras” em detrimento dos interesses do povo.

As figuras dos candidatos [e das candidatas] não têm escapado à regra. Aparecem nos cartazes, nas ruas e, principalmente, na TV como produtos para o consumo. Como todo produto, a padronização é expediente necessário para a exposição no mercado e, por conseguinte, as eleições tornam-se cada vez mais um instrumento de adaptação das lideranças políticas (e seus partidos) à lógica da democracia burguesa.

Assim, abandonam-se palavras de ordem, bandeiras históricas e, por último, os próprios laços orgânicos com a sociedade, constituindo-se finalmente numa casta a serviço de si própria e do capital. É justamente este afastamento da base que determina o caráter fetichista destas personalidades, que ontem se confundiam com o povo e amanhã passam a ser figuras místicas, apenas saudadas com aplausos à distância.

Urge, portanto, construir um outro modelo de democracia sustentado em novas bases. A democracia representativa (delegada) e baseada em modelos competitivos (eleições) fez da política uma atividade mercantil qualquer, sem potencial transformador. É necessário fazer da democracia um meio de incorporação das massas na política e um instrumento para que os indivíduos, homens e mulheres, tomem para si as rédeas do próprio destino e da história. Trata-se de construir uma verdadeira democracia socialista fincada na luta de classes, que não cristalize instituições ou modelos, mas que esteja comprometida em transformar radicalmente a sociedade de cima a baixo.

Antonio Santana Carregosa (Toninho) é bacharel em Ciências Contábeis e membro da Executiva Municipal do PT Paripiranga/BA

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