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O que virá neste outro outubro?

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Com as vitórias políticas conquistadas pela candidatura Dilma em setembro, a sua vitória se tornou até possível no 1º turno e muito provável em um 2º turno

Ao editar e enviesar seis pesquisas seqüenciadas às vésperas das eleições presidenciais, a Folha de S. Paulo e a Rede Globo, conectando o Jornal Nacional e a imprensa, o Ibope e o Datafolha, procuram esconder a grande derrota dos neoliberais neste mês de setembro e se reposicionar através da manipulação das emoções e expectativas dos brasileiros. Com o arbítrio de errar na margem de erro – contendo a ascensão de Dilma, segurando a queda de Marina ou dramatizando as possibilidades de Aécio ir a um eventual segundo turno – procura-se criar assim uma conjuntura eleitoral: se Dilma não vencer no primeiro turno, será uma vitória da Marina “sobrevivente” ao massacre petista ou uma vitória do “ressuscitado” Aécio, revigorado para um segundo turno.

Trata-se de uma grande mistificação: não é possível medir a incerteza, resolver estatisticamente a indeterminação, arbitrar as chances das leis dos grandes números em movimento, decidir antes o que será finalmente deliberado por quase uma centena e meia de milhões de brasileiros. O que está em fluxo e sujeito a muitas dimensões subjetivas não cabe nas margens de erro anunciadas.

Na verdade, esta primeira mitificação procura dar cobertura a uma segunda: a de que as eleições até agora se realizaram em um quadro de despolitização e de golpes baixos, como se fossem um jogo de pôquer em que os adversários disputam a arte de blefar e maximizar suas estratégias competitivas.

Foi exatamente o contrário o que ocorreu: desde o retorno à democracia, nunca tivemos eleições presidenciais tão politizadas no primeiro turno. Setembro iniciou-se com a disputa sobre o posicionamento da democracia brasileira frente aos direitos dos gays e aos compromissos de criminalização da homofobia. Logo em seguida, veio à tona a disputa sobre as relações entre a democracia e a macro-economia com a polêmica em torno à “autonomia do Banco Central”, a função estratégica dos bancos públicos e o sentido social e nacional do pré-sal. Prosseguiu com a polêmica sobre os meios republicanos de se aprofundar a luta contra a corrupção sistêmica, os compromissos com a reforma política, após o voto de mais de sete milhões de brasileiros em favor de um plebiscito em torno a uma Assembléia Constituinte exclusiva, e a necessidade de se fazer enfim a regulação democrática dos meios de comunicação, como está previsto na Constituição brasileira. E, finalmente, veio a público o debate aceso sobre a política externa brasileira a partir do discurso da presidente Dilma Roussef na ONU, enfocando a questão do clima, da paz e da construção de um mundo mais justo.

Chegamos assim à terceira mitificação, que organiza o senso-comum das mídias empresariais e dos candidatos neoliberais sobre o que ocorreu até agora nestas eleições presidenciais. Ela pretende esconder e encobrir a grande vitória política construída pela candidatura Dilma Roussef no sentido de reorganizar a legitimidade política das bases sociais, intelectuais e culturais do sentido de seu governo. Esta legitimidade havia sido desorganizada nos últimos anos pela ação concertada dos grandes meios de comunicação, orgânicos aos candidatos neoliberais. Agora, foi reposta uma narrativa política pública das conquistas, limites e, principalmente, de futuro das demandas democráticas, anti-neoliberais e republicanas do povo brasileiro.

É esta reconstrução de legitimidade que confere unidade a tanta movimentação eleitoral ocorrida, antes e após o trágico acidente que vitimou Eduardo Campos e seus companheiros. Se antes o caminho de nacionalização de Aécio estava sendo problematizado e contido, em um segundo momento, foi esta reposição de legitimidade do governo Dilma – claramente medida pela evolução de seus índices de aprovação – que foi capaz de desconstruir a farsa transformista da candidatura de Marina Silva. Na democracia, a construção de uma identidade política se faz também legitimamente pelo contraditório. Foi assim a reconstrução de sentido da narrativa do governo Dilma, inscrito na longa duração iniciada pelos governos Lula, que permitiu bloquear Aécio e descontruir Marina.

Chega-se assim ao final do primeiro turno em uma situação muito diversa daquela vivida no final do primeiro turno das eleições de 2010, quando a candidatura Serra dirigindo uma grande contra-ofensiva ideológica conservadora forçou a realização de um segundo turno. A cultura do país foi à esquerda no mês de setembro, dissolvendo os mitos criados que figuravam o país à beira da catástrofe e um governo corroído pela corrupção.

O que virá?

É a partir desta grande conquista política construída pela candidatura Dilma no mês de setembro que é possível prever que a sua vitória no primeiro turno é possível e a vitória em um segundo turno é muito provável. E é este sentimento base de auto-confiança reconquistada e não triunfalista que deve ser agora a referência.

A possibilidade da vitória de Dilma no primeiro turno existe porque não parece esgotada a dinâmica de ascensão de Dilma nem a outra dinâmica de queda de Marina e, por outro lado, não parece ainda consistente a tendência nacional a uma ascensão de Aécio.

Se este possível vier a ocorrer, será de fato a maior vitória política conquistada contra os neoliberais no Brasil. Acompanhada como parece vir de uma grande vitória do PT ao governo de Minas Gerais, ela teria um efeito devastador sobre o partido matriz do neoliberalismo brasileiro, o PSDB. O fenômeno Marina seria reduzido à sua própria realidade de ser incapaz de fazer convergir uma oposição sustentada. Haveria um efeito imediato sobre a disputa de eventuais segundo-turnos aos governos estaduais. Seria aberto, enfim, um novo período histórico possível de construção de uma hegemonia sólida do PT e de aprofundamento das transformações do Brasil.

Se ocorrer um segundo turno, ele não deve ser interpretado como um reinício das eleições porque a memória da polarização entre Dilma- Marina ou entre Dilma e Aécio já está inscrita na própria dinâmica do primeiro turno.

Se for contra Marina, será contra uma candidatura em queda, já com uma rejeição política alta e com gravíssimos problemas na construção de identidade e imagem. O reforço que receberia pela convergência midiática, pelo apoio do PSDB e forças conservadoras, pelo maior tempo na televisão teria a contra-partida de tornar mais implausível o discurso da “nova política” e exporia mais as contradições intrínsecas, os desvãos e as sombras, desta candidatura que se auto-proclama messianicamente ser a verdade e a luz.

Se for contra Aécio, muito provavelmente ele será candidato amargando uma provável grande derrota em seu próprio estado, sem um discurso claro e com alto grau de rejeição, provavelmente não sendo capaz de receber todo o arco de apoios que hoje vota em Marina.

São estas razões que confeririam a uma candidatura Dilma em um eventual segundo turno uma vitória política e eleitoral muito provável. Muito provável é diferente de quase certa: a força das candidaturas neo-liberais não é propriamente intrínseca aos candidatos, mas resulta da própria força do grande capital que os sustentam. Um sentimento presumido de triunfalismo nunca fez bem á esquerda e muito menos é justificado em um contexto no qual ainda não se firmou uma sólida hegemonia.

Política e comunicação

A grande lição que fica deste setembro para as esquerdas brasileiras é a necessidade de refundar – a palavra não poderia ser outra – a sua relação política com a comunicação pública. Foi o déficit estrutural público de comunicação que nos colocou em uma situação defensiva nos últimos anos, foi o acesso a um tempo diário de comunicação democrática com os brasileiros neste setembro que tornou possível a virada política sobre os neoliberais, é o déficit comunicativo que continuará a impedir a construção de uma hegemonia sólida da esquerda republicana, democrática e pluralista, no Brasil.

Por isto, foi tão importante a convicção expressa pela presidente Dilma aos blogueiros, em encontro recente, de que “está amadurecido o tempo” para uma regulação democrática e pluralista dos meios de comunicação no Brasil. Aliás, quando um autor de um sítio hoje muito freqüentado gargalhou ironicamente que uma notícia sobre pesquisas eleitorais divulgada em seu blog havia apavorado os mercados financeiros, gerando flutuações na bolsa de valores, ele fez uma brincadeira com um sentido de verdade: a melhor inteligência brasileira, seus intelectuais fortes, desde muito migraram do espaço fechado e viciado das mídias neoliberais e escrevem no espaço virtual.

Há uma nova consciência pública sobre a liberdade de expressão no Brasil e sobre a formação de uma opinião pública democrática. Por que os recursos públicos da democracia brasileira devem servir unilateralmente àqueles que monopolizam os meios de comunicação? Por que o projeto de uma TV pública nacional, democrática e pluralista, não ganha alento? Por que um projeto de regulação dos meios de comunicação, como prevê a Constituição de 1988 e como existe em um grande número de democracias ocidentais, não deve ganhar centralidade em um próximo período?

Se nas eleições de 2010, houve a passagem da liderança política de Lula à Dilma, esta vive hoje o melhor momento de sua construção política. Ela já está falando diariamente com a esperança de dezenas de milhões de brasileiros, conversando com ela, recebendo suas razões e afirmando seus valores. Este processo – o de sedimentar uma nova consciência programática da revolução democrática no Brasil – está apenas em seus inícios. O mito do Brasil catastrófico ficou para trás mas o norte de um Brasil mais profundamente democrático, republicano, inovador nos direitos e nas ciências, muito mais justo do que é agora, ainda precisa ser construído junto com o povo brasileiro.

E este desafio está agora à nossa frente, sejam estas eleições decididas no primeiro ou no segundo turno desta histórica eleição presidencial.

Artigo originalmente publicado em Carta Maior.

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