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O silêncio por detrás do silêncio | Glauber Lima

– E esse Hitler, cujo nome aparece de vez em quando nos jornais, esse chefete antissemita e anticomunista, não acha que ele pode chegar ao poder?
– Impossível – disse.
– Como impossível se o absurdo é o que mais se vê na História?
– É que você não conhece a Alemanha – sentenciou. – Ali é totalmente impossível um agitador louco como esse poder governar sequer uma aldeia.

Pablo Neruda, em conversa com o Cônsul alemão Hertz, na Batávia (atual Jacarta, capital da Indonésia).

Muitos estudiosos das Ciências Sociais têm perguntado nestes dias o porquê do silêncio das ruas, mesmo diante de tanta corrupção revelada desde que os golpistas assumiram o poder no Brasil através dessa figura patética chamada Michel Temer.

Os grupos sociais que potencializaram o Fora Dilma eram oriundos das classes médias altas, insuflados pelo seu ódio de elite canalizado na aversão ao Lula, ao PT e à esquerda em geral. Mobilizados pela Globo e pelas redes sociais através do MBL e Vem Pra Rua, conseguiram jogar para dentro de suas hostes multidões de iludidos dos mais diversos extratos sociais do andar de baixo (foram os primeiros a sentir no bolso os efeitos do golpe).

Definitivamente, não eram contra a corrupção. A quadrilha que tomou de assalto ao país institucionalizou o mais vergonhoso esquema de corrupção, diante do silêncio, já esperado, dos paneleiros. Portanto, dessa turma, não se espere protestos de grande densidade social. O que realmente lhes importava era destituir a Dilma, impor as reformas antipopulares e repartir o butim da retomada das privatizações e das negociatas em geral que se acostumaram a realizar sob o manto da república.

Os seus seguidores mais desavisados, aqueles que realmente acreditaram que as mobilizações em verde-amarelo eram pelo combate à corrupção, devem estar até agora atônitos diante do desmascaramento de Aécio e de todos os demais quadrilheiros, até então porta-vozes da moral e dos bons costumes de uma sociedade maculada pela má índole dos “petralhas”.

Do outro lado do rio, a esquerda, com todo o esforço realizado, chegou ao limite da sua capacidade de mobilização das chamadas forças orgânicas durante os atos de resistência ao Golpe e na primeira “Greve Geral”. Pagou um preço caro por não ter apostado estrategicamente na educação e organização popular permanentes como fatores de mobilização. De povo, povo, nesses eventos, muito pouco. Lá estavam honrosos lutadores sociais e seus franjas, defendendo a última nesga de sol de uma democracia que anoitecia.

O que preocupa realmente é o silêncio dos que até agora não falaram através das ruas. As multidões do andar de baixo, que a estratificação para fins de mercado chama de classes C, D e E. Os que estão começando a voltar a chafurdar na lama da desesperança, sem emprego fixo, sem expectativa de “subir na vida” e, no limite, sem um Bolsa Família para sobreviver.

Qual caminho escolherão no próximo período? A herança dos tempos de Lula associada ao seu carisma, ao seu magnetismo mítico serão capazes de reacender a esperança em corações embotados e enojados pela pauta da corrupção, pelo senso comum plantado anos a fio pela Globo através de seus telejornais de que “político é tudo igual, são todos corruptos”, como se ouve o povo dizer nas esquinas, nas paradas de ônibus, nas filas do supermercado?

Ou abraçarão o primeiro charlatão que aparecer com um discurso forte, autoritário, se colocando acima dos partidos e propondo soluções milagrosas para problemas estruturais? Nas pesquisas realizadas até aqui, a intenção de voto no sujeito que encerra esses atributos nada democráticos, semeados nos porões da ditadura civil-militar de 1964 não para de crescer. Resistirá ele ao debate que advirá e que inevitavelmente revelará a sua verdadeira identidade, ou seja, a de um fascista, barulhento e vazio como um tambor, sem nada a propor até o momento para os grandes dilemas do Brasil? Ou será que o discurso fácil de armar o “cidadão de bem” e o rosário de preconceitos que professa já deitaram raízes bem mais profundas do que a ciência social seja capaz de captar através das pesquisas que realiza?

Da direita, não tenhamos dúvidas. Ainda tentará viabilizar um candidato do establishment, confiável programaticamente para os seus negócios. Mas, na inviabilidade deste, não hesitará em abraçar Bolsonaro com a rapidez que um afogado se agarra no que encontra em sua volta.

A esquerda, se contar com Lula em condições legais de concorrer, jogará a sua última cartada do período que se abriu após a redemocratização do país. E diante do quadro de aprofundamento da crise econômica, o bolso deverá definir a opção das maiorias. Portanto, é hora de cantar truco, mesmo que as mãos estejam vazias.

Somente um programa com uma inflexão mais à esquerda, centrado nos grandes temas, dizendo claramente o que vai ser feito em benefício das maiorias, poderá salvá-la do naufrágio. Isso, por óbvio, significaria não reeditar nenhuma carta aos mercados. Eles já demonstraram categoricamente que não basta fazer o seu jogo, tem que ser do seu time.

O período é de radicalização de posições. Quem permanecer no centro político tende a se dissipar como a fumaça no ar. Paradoxalmente, no ambiente social, mais uma vez será esse centro difuso, silencioso, que determinará os rumos do Brasil. Se forem apertados os botões errados, o país estará metido “de rato em guampa”, como se diz lá pelas bandas da fronteira.

Estamos em um momento de grandes e profundas transformações. Podemos dizer no umbral de um novo período. Nada será como antes. Para o bem ou para o mal.

Glauber Gularte Lima – Professor de Geografia

Porto Alegre – 24/07/17

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