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Resolução Política

  1. A luta contra o neoliberalismo: América Latina e Brasil

A Democracia Socialista tem no internacionalismo um dos seus valores estratégicos constitutivos. Somos continuadores de uma tradição do movimento operário que entende que a luta da classe trabalhadora deve ter objetivos comuns no mundo todo, que a fraternidade universal dos povos é um valor a ser perseguido e que assim como o capital globalizou sua dominação, não há possibilidade de desenvolver o socialismo em um só país: o projeto socialista para ser autenticamente emancipador deverá será internacionalista. Nesta Conferência Extraordinária, focalizamos o debate da situação internacional na América Latina porque identificamos que em nossa região se desenvolve uma conjuntura toda especial que cobra de nós iniciativas concretas, militantes, que por sua vez poderão ter fortes reflexos na nossa situação política nacional.

  1. O período atual da luta de classes na América Latina deve ser compreendido como o de abertura da possibilidade de transição entre uma fase anterior, marcada pelo domínio incontestável do neoliberalismo, e a construção de um outro cenário, no qual o neoliberalismo seja superado como paradigma.

Os últimos anos foram caracterizados exatamente pela crise de legitimidade do paradigma neoliberal, pela perda de sua capacidade de coesionar as classes dominantes, de iludir as massas populares, de atrair outras tradições políticas organizadas fora ou até inicialmente antagônicas ao neoliberalismo. Esta crise de legitimidade tem as suas dimensões objetivas (incapacidade sistêmica de atender às demandas de consumo e de prosperidade prometidas, fenômenos de financeirização, crises recorrentes, provocadas pela concentração de riqueza e poder, de perda de capacidade de regulação do Estado) e subjetivas (capacidade de crítica das tradições opostas ao neoliberalismo, desmoralização de suas principais lideranças e símbolos, perda de capacidade de convencimento de suas agências de propaganda).

  1. Não há automatismo entre a crise do neoliberalismo e sua superação. Iniciou-se um processo de reorganização programática das esquerdas, mas sem sínteses legitimadas. O processo dos Fóruns Sociais Mundiais; as vitórias político-eleitorais na América Latina contra forças neoliberais; a construção de redes e campanhas de mobilização continental de claro sentido antiimperialista; as fortes mobilizações sociais em diversos países em defesa da água, de serviços públicos, da economia camponesa e indígena, contra as privatizações, etc. ; o crescimento da esquerda em vários processos nacionais, são indicadores de uma retomada da capacidade de iniciativa política popular, mas até agora não resultaram em processos amplos de clara superação do paradigma neoliberal. Em particular, há aí uma dimensão específica da crise das tradições socialistas que nos diz respeito muito de perto e que devemos assumir uma responsabilidade central. Esta crise tem uma dimensão teórica, que é o processo de reorganização dos fundamentos do marxismo revolucionário. Assim o grande desafio já não é mais apenas apontar que “outro mundo é possível”, idéia síntese do período de resistência, mas também responder “qual outro mundo é possível”.

Isso exige um programa com propostas típicas de transição, mas, também, a recuperação da identidade política perdida nos últimos anos. Se o PT abdica de estar identificado com um conjunto de questões que lhe dêem nitidez – o anti-imperialismo, a defesa nacional, a denúncia da condição subdesenvolvida do país, a denúncia de aliança da classe dominante com o capital internacional, a produção teórica e ideológica na luta pelo socialismo, a ética e a moral na política e a permanente luta por uma democracia participativa – dificilmente manterá o significado do partido classista, anti-capitalista e transformador que construiu na consciência popular nos primeiros vinte anos e que nos permitiu chegar a Presidência da República.

  1. Compreender que na nossa região estamos no exato ponto em que um projeto de dominação (o neoliberalismo) enfrenta uma crise, que ainda não surgiram as condições políticas plenas para sua superação, mas que elas estão fermentando, é decisivo para o posicionamento dos socialistas na luta de classes, por quatro razões. Em primeiro lugar, para o entendimento de que as dinâmicas políticas que desatam uma transição são marcadas exatamente por continuidades e descontinuidades em relação ao período neoliberal. O desafio aí é exatamente posicionar-se como ala esquerda dos movimentos político-sociais baseados nas organizações dos trabalhadores que impulsionam estas transições e não se opor de conjunto a elas. Seria um equívoco histórico, de graves conseqüências políticas, partir de um entendimento simplificado e sectário de que as forças políticas e sociais envolvidas nestas transições são meras expressões da força e continuidade do neoliberalismo. Em segundo lugar, os socialistas democráticos têm que reafirmar neste contexto sua vocação hegemônica. A busca das maiorias políticas e sociais deve ser o horizonte, identificando, a cada momento, o cerne da polarização com o neoliberalismo. Em terceiro lugar, todo um esforço construtivo programático deve ser exercido no sentido de entender as novidades dos processos em curso, do limite das soluções antes propostas, de contribuir para sínteses que impulsionem a superação do neoliberalismo. Em quarto lugar, deve ser feito um esforço no partido no sentido de impulsionar um grau superior de compromisso e militância política. Essa definição política dará conseqüência ao ponto em que trataremos da relação com o Partido e a necessária reforma estatutária.
  2. A caracterização equivocada de alguns círculos sectários de que o período atual seria de mera resistência em função de um amplo predomínio do neoliberalismo leva a três erros fundamentais. Em primeiro lugar, atribui-se ao neoliberalismo tal capacidade de domínio que já não dispõe, desprezando analiticamente como “para-neoliberais” um conjunto de movimentos políticos, sociais e culturais que são exatamente produto da crise e derrotas do neoliberalismo. Em segundo lugar, reduzindo o horizonte a um período de resistência, estabelece-se como perspectiva possível para a esquerda socialista uma condição estruturalmente minoritária na sociedade, quando não marginal. Nesta visão, a condição minoritária é inescapável, o máximo é o mínimo. A construção programática, neste contexto, ganha uma funcionalidade estritamente defensiva e doutrinária, armada para defender a identidade de uma esquerda ameaçada até na própria capacidade de existência. Em terceiro lugar, e como resultado do anterior, a própria política de alianças se sectariza ao extremo, fecha-se aquém mesmo do próprio campo da esquerda social, já que o fundamental passa a ser a defesa da identidade revolucionária contraposta a todos os atores políticos e sociais que “transigiriam” em diversos graus com o neoliberalismo dominante.
  3. Se é necessária a compreensão da crise de legitimidade do neoliberalismo, é também imprescindível examinar um horizonte histórico no qual revoluções de caráter anticapitalista que possam ser um pólo de atração e referência para uma nova época de revoluções socialistas não estão à vista no curto e médio prazo. Neste período, devem ser combatidos os riscos do pragmatismo, da conformação dos horizontes utópicos a um capitalismo pretensamente reformável, da esterilização de forças emancipatórias pela integração à ordem estatal burguesa ou de mercado. Estes riscos são centrais para partidos do socialismo que tenham chegado ao governo central de seus países, como o PT. O combate à adaptação ou integração à ordem burguesa exige uma resposta histórica, tendo por base a tradição socialista revolucionária, que é o desafio de avançar a capacidade de dirigir uma transição democrática ao socialismo, em regime de pluralismo, de democracia participativa, de progressiva superação da lógica mercantil privatista e em relação dialética com um processo de transformação da ordem mundial dominante.
  4. A correta compreensão da atual conjuntura e das tarefas que estão colocadas para a esquerda é fundamental para evitar, de um lado, o doutrinarismo e o “economicismo” e, de outro, o pragmatismo e a adaptação à ordem burguesa.
  5. Dentre os caminhos por meio dos quais os socialistas podem relacionar o objetivo socialista com o complexo processo de superação das ordens neoliberais destacamos os que seguem. Em primeiro lugar, a abertura de um novo período de intervenção na disputa em torno da estrutura do Estado brasileiro, a partir de um projeto de montagem de uma nova ordem institucional, de caráter democrático-popular. Em segundo lugar, estimulando as formas variadas da democracia participativa que permitam um protagonismo crescente da classe trabalhadora e dos setores oprimidos na condução da vida pública da Nação. Em terceiro lugar, impulsionando medidas, programas, ações de governos que tenham os valores da solidariedade, da justiça social, da autonomia e da liberdade. Em quarto lugar, apoiando experiências que realizam, no plano micro ou regional, antecipações de modos de vida social alheios aos valores mercantis, como processos de auto-gestão e cooperativos. Em quinto lugar, contribuindo para restabelecer e expandir os direitos do trabalho e as condições sociais de um protagonismo das classes trabalhadoras e dos setores oprimidos. Em sexto lugar, tomando iniciativas no plano internacional que contribuam para afirmar alianças, agendas e ações internacionais alternativas ao centro do capitalismo mundial. Por fim, estimulando, promovendo de forma ampla as culturas da emancipação e de transição ao socialismo, fortalecendo o campo crítico ao liberalismo. Tais iniciativas devem ser articuladas em uma plataforma de caráter “transitório”, com uma dinâmica que parta do combate pela superação do neoliberalismo para apontar medidas que colocam na agenda uma perspectiva socialista.
  6. Ao combinar a agenda da transição do neoliberalismo a um outro regime que seja capaz de contemplar democracia política, soberania nacional e inclusão social com a perspectiva socialista, mesmo que não imediatamente anticapitalista de conjunto, estaremos contribuindo de forma decisiva para criar uma nova época histórica de relançamento das revoluções socialistas no século XXI.
  7. No caso do Brasil, a etapa atual da luta contra o neoliberalismo permite e cobra ações internacionalistas em três campos combinados.
  8. O primeiro campo baseia-se na análise de que o período atual continua a ser marcado pelo fato dos EUA não terem capacidade para exercer sozinhos a liderança como no período 45-70, mas não há constituído nenhum pólo capitalista alternativo. O unilateralismo dos EUA encontra aí sua lógica: o de resistir às dinâmicas objetivas que tendem a dividir o poder econômico e geopolítico e de afirmar o mais possível os interesses imperialistas dos EUA na ordem internacional em construção após a queda do sistema soviético. Este unilateralismo provoca fissuras na ordem internacional, abrindo brechas para disputas políticas em torno da construção de uma nova agenda mundial, alternativa às dinâmicas combinadas do capital financeiro e do militarismo. A recusa à participação na guerra contra o Iraque, a busca de alianças com outros países periféricos semi-industrializados para intervir nas negociações comerciais em posição de força, as iniciativas para formar um bloco econômico regional alternativo ao bloco proposto pelo governo dos Estados Unidos (a ALCA, Área de Livre Comércio das Américas), são algumas das ações impulsionadas pelo governo Lula neste campo que apontam no rumo certo e que devemos pressionar para que sejam aprofundadas.
  9. O segundo campo baseia-se na identificação de uma conjuntura nova na América Latina, com vitórias de forças de esquerda, ou progressistas, como sinais evidentes da crise dos projetos neoliberais. Passou-se de um período, típico dos anos noventa, em que os governos da América Latina disputavam a primazia das relações com os EUA, para outro em que o projeto Alca vive um impasse e abrem-se amplas possibilidades de avanço em relação ao projeto Mercosul ampliado para toda a América do Sul. Talvez não tenha existido nenhuma conjuntura tão propícia a avanços no conjunto da América Latina. A experiência Allende já se deu em um contexto de quase isolamento no continente no início da década de 70. A dinâmica revolucionária centro-americana nos anos 1980 tinha limites sócio-econômicos muito fortes. E aqui é evidente o papel central jogado pelo Brasil. Uma dinâmica de unidade continental – liderada conjuntamente com a Venezuela – certamente criaria melhores condições para processos nacionais de transição do paradigma neoliberal, que já estão postos na agenda de países do continente.
  10. Um terceiro campo de protagonismo está na continuidade e avanço do Fórum Social Mundial, garantindo uma forte interação com as redes continentais que têm se estruturado nos últimos anos na América Latina para resistir a ALCA e construir alternativas ao “livre comércio”, para articular a luta sindical na região, para lançar campanhas contra a opressão patriarcal e em outras áreas. O cenário mais propício para potencializar a recomposição das esquerdas na nossa região são as campanhas e mobilizações continentais e nacionais contra os principais pilares da ordem neoliberal.
  11. Um balanço da história recente mostra as potencialidades da conjuntura latino-americana. Primeiro, e diferente do ocorrido em outras regiões do planeta, a revolução cubana conseguiu sobreviver à crise e extinção do “campo socialista”. Cuba se mantém como referência da luta antiimperialista e de solidariedade com as revoluções populares. A Venezuela é a mais recente testemunha disso. Mas a continuidade daquela revolução depende em grande medida de que na região se desenvolvam processos nacionais que possam se reforçar mutuamente numa perspectiva antineoliberal e antiimperialista. Em relação a Cuba, isso inclui uma cooperação estratégica que permita a esse país aproveitar as potencialidades políticas e econômicas hoje sufocadas pelo bloqueio imposto pelo imperialismo.
  12. Segundo, e isto é o que marca a atual conjuntura latino-americana, há que se destacar que aqui, desde 1997, foram derrubados governos neoliberais pela força das mobilizações populares – no Equador, Bolívia e Argentina. E que, em 1998, a eleição de Hugo Chávez em Venezuela abriu uma seqüência de vitórias eleitorais de candidaturas que questionavam – ainda que em grau diferenciado – a agenda neoliberal e a política imperial norte-americana. A mais recente foi a de Tabaré Vazquez no Uruguai. O fato de esses processos manterem estreitos vínculos com o cubano é fundamental. Esses elementos indicam que na América Latina abriu-se uma “janela”, uma “brecha” de contestação mais ampla à “ordem” que o governo Bush quer impor ao continente.
  13. O acordo da ALCA estava previsto para ser assinado em janeiro passado. A pressão popular da Aliança Social Continental / Campanha Continental contra a ALCA num contexto de governos – como o da Venezuela e do Brasil – que questionaram a agenda proposta pelos Estados Unidos levou as negociações ao impasse. A disputa não está concluída, mas é evidente que ganhamos uma importante batalha contra o governo Bush que agora busca “cercar” a região assinando tratados de “livre comércio” com países ou regiões onde encontra menor resistência.
  14. As propostas de relançar o Mercosul sobre novas bases, de avançar no fortalecimento da rede Mercocidades e na constituição da Comunidade Sul Americana de Nações podem abrir uma dinâmica de contestação concreta aos planos do governo norte-americano na região. A batalha por uma alternativa popular e democrática à ALCA será decisiva para abrir o capítulo da busca da superação da hegemonia norte-americana na nossa região e não deve ficar a cargo apenas das instituições governamentais. Essa é a batalha que está posta para o próximo período. E a conjuntura brasileira será decisiva para seu desfecho.
  15. Nossa agenda internacional inclui combinadamente outros planos de atuação:
  16. A entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, apesar de todas suas insuficiências, abre uma conjuntura favorável para questionar o modelo de produção e consumo impulsionado pelo capitalismo globalizado. Esta é uma dimensão chave para nossa disputa por outro modelo econômico também em nosso país.
  17. A União Européia busca apresentar-se como um contraponto ao unilateralismo militar do governo dos Estados Unidos. No entanto, revela-se como “o outro imperialismo” nas negociações comerciais bilaterais com o Mercosul, ao pressionar para obter vantagens econômicas para as multinacionais européias nos nossos países similares às que Bush quer conseguir para as norte-americanas na ALCA. De fato, hoje as principais pressões para aceitar “acordos de investimentos” pelos quais o Brasil concederia garantias supranacionais aos investidores estrangeiros vêm dos governos da EU (FHC assinou tais acordos, mas foram barrados no Senado por causa de sua flagrante inconstitucionalidade).
  18. Do mesmo modo que os rumos das políticas nacionais estão em disputa, também está o da política de integração regional. Não basta erguer um bloco econômico fazendo o contraponto à ALCA. É necessário que a constituição do bloco siga paradigmas alternativos aos neoliberais do capitalismo globalizado. Assim, é estratégico pressionar para superar no processo regional a “agenda de livre comércio” herdada do período anterior. Igualmente deve ser questionado o paradigma que está por detrás de iniciativas como a IIRSA (Integração da Infra-estrutura Regional da América do Sul), um acordo regional para implantar a infra-estrutura necessária para os interesses das multinacionais e dos grandes capitais nacionais, mesmo que em detrimento das condições ambientais. Sua implementação, por exemplo, seria uma grande alavanca para que o agronegócio (a soja) avance predatoriamente sobre a floresta amazônica.
  19. O governo Lula herdou um Brasil submisso ao imperialismo americano, com uma economia que em vários casos atua como predadora das economias dos seus países vizinhos. Um processo de integração regional deve apontar a reverter ambos os traços da economia brasileira. O governo deve zelar para que empresas públicas brasileiras desenvolvam um novo padrão de relação com os países vizinhos nos quais têm investimento. Defendemos o respeito à soberania de cada um dos países em estabelecer políticas de desenvolvimento às quais devem se adequar os investimentos estrangeiros das empresas públicas brasileiras. Os acordos de integração devem contemplar mecanismos de compensação para áreas geográficas ou setores econômicos que venham a ser eventualmente prejudicados de forma a que desenvolvam novas capacidades e inclusive obtenham ganhos de renda.
  20. São grandes as potencialidades contra-hegemônicas do período político que estamos vivendo na nossa região. Porém, os resultados desse período não estão predefinidos. Isso está claro desde o “ponto de partida” em que nos encontramos. Em um “pólo” temos a Venezuela, onde são evidentes os esforços por impulsionar uma agenda de superação do neoliberalismo. No outro “extremo” está o caso chileno, onde parte importante da esquerda socialista esterilizou seu potencial transformador em um pacto com setores moderados que, a pretexto de evitar o retorno das forças de direita pela via eleitoral, deu continuidade à herança neoliberal deixada pela ditadura de Pinochet. Em um caso, o caráter da transição é claro; no outro, a transição foi cancelada. Em países como o Brasil, há uma disputa de rumos, na qual se definirá não somente o cenário nacional, mas também se nossa região será capaz de opor às pretensões imperiais dos Estados Unidos um projeto regional de libertação.
  21. Esse rol de tarefas que precisamos responder na conjuntura internacional necessita ser minimamente hierarquizado, pois não temos força e capacidade de enfrentá-los em todas suas dimensões. Essa hierarquização aponta, em primeiro lugar, uma prioridade para a ação que já desenvolvemos junto ao Fórum Social Mundial, pelos espaços aí ocupados pela dedicação e militância de vários companheiros e companheiras.

Em segundo lugar, precisamos nos dedicar com mais compromisso e designação efetiva de companheiros na Secretaria de Relações Internacionais do Partido para priorizar, também, uma ação efetiva junto ao Fórum de São Paulo e com as dezenas de Partidos e grupos de esquerda latino-americanos que estabelecem relações, troca de experiências e contatos de conhecimento e confiança com o PT.

Em terceiro lugar, nessa perspectiva de hierarquia e possibilidades, devemos contribuir para que o PT aproprie-se e avance na compreensão, na ofensiva programática e fortalecimento da experiência do Mercosul e da rede Mercocidades, outra dimensão importante da ação política internacional.

  1. O Governo Lula
  2. O governo Lula, como afirmamos na VII Conferência Nacional, significou uma vitória política de importância histórica sobre o projeto neoliberal, revelando o acúmulo histórico da esquerda brasileira, mas, ao mesmo tempo, condicionado por uma correlação de forças adversa e subjetivamente pela crise da cultura socialista que teve seus efeitos sobre o desenvolvimento do próprio PT nos anos noventa. Assim, a vitória político eleitoral não criou por si só as condições históricas de superação do neoliberalismo. Ela abriu um período de transição, marcado por fortes tensões e disputas políticas e sociais, em que o desafio está justamente em ir criando as condições de correlação de forças e legitimidade democrática para estabelecer um paradigma alternativo ao neoliberal.
  3. Lula chegou à vitória expressando um anseio popular por mudanças. A base social responsável pela vitória foi o que podemos chamar de campo social baseado nas organizações dos trabalhadores. Este campo foi construído desde as lutas contra a ditadura, passando pela fundação e desenvolvimento do PT, da CUT e de um amplo movimento social urbano e rural. Este campo chocou-se e foi reprimido pelos governos neoliberais de FHC. É a este campo que o governo Lula é tributário.
  4. Mas, ao mesmo tempo e por uma orientação majoritária no PT – e contando com a nossa oposição e da esquerda partidária –, a vitória de Lula expressou também uma atitude conciliadora com as “forças do mercado”.

Essa atitude foi, na época, uma resposta à rápida deterioração da situação econômica em 2002 – produto do fiasco da política econômica do governo FHC e da campanha de seu partido de que um governo do PT traria o “caos”. Foi uma opção política – errada – para enfrentar a crise. Havia outras opções políticas que teriam levado a medidas econômicas cujo caráter apontaria para a superação do receituário neoliberal. Entre uma e outra atitude possíveis, a diferença estava em como direcionar estrategicamente a vitória política e eleitoral. Tentar uma “governabilidade” sobre a base de uma “maioria parlamentar” construída junto com partidos do centro e da direita no Congresso Nacional – como foi a opção – ou buscar uma governabilidade baseada na mobilização social, alicerçada num processo de participação popular, no reforço dos vínculos com os movimentos sociais através da disseminação dos benefícios de programas sociais universais – opção que teria semelhança com o estilo do governo Chávez, o qual, no entanto há que se observar, conta com maioria própria no Congresso. Essa segunda possibilidade não se tratava de nenhuma aventura ou especulação teórica. Baseava-se nas ricas experiências de democracia participativa que desenvolvemos nas cidades e Estados que governamos. Em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, nossos governos não tinham maioria parlamentar, nem fizemos dessa busca o centro da governabilidade. Fomos buscá-la no Orçamento Participativo, na relação com os conselhos setoriais municipais e estaduais, nos programas diretos com as Prefeituras, na ampliação e construção dos mecanismos de participação popular. Isso também é caminho de garantir sustentação e governabilidade, através do enraizamento e da capilaridade do nosso projeto e dos Partidos da Frente Popular junto aos movimentos sociais e a população. Crescemos sem perder identidade, referência social, polarizando a disputa política.

  1. Dois anos depois, o governo Lula expressa essa contradição fundante de forma dilacerada. Nele se digladiam setores que expressam a aspiração à soberania nacional com outros que vêem na ALCA uma sinalização necessária para acalmar os capitais internacionais. Estão representados setores que trabalham para fortalecer a capacidade do Estado frente ao mercado e outros que seguem a lógica que busca subordinar o país aos ditames do capital para supostamente conseguir aumentar os investimentos estrangeiros. Há uma luta que se expressa na elaboração do orçamento da união com uns disputando a ampliação dos gastos públicos sociais e em investimentos e outros garantindo superávits primários para pagar a dívida pública que cresce porque o Banco Central aumenta os juros como sua única política antiinflacionária.

A política de juros altos do Banco Central e a política de superávits primários do Ministério da Fazenda formam o núcleo da política conservadora no governo. Trata-se de um círculo vicioso: o monetarismo do BC agrava a situação fiscal ao aumentar o peso da dívida pública, e em resposta a Fazenda aumenta o superávit.

  1. Foi sob o governo Lula que as negociações da ALCA entraram em um impasse. Nesses pouco mais de dois anos, o BNDES parou de ser instrumento do programa de privatizações, para ser ferramenta de uma “política industrial” (conceito que tinha sido banido por FHC) e de apoio à integração dos países da América do Sul (na estratégia de contraposição à ALCA). Depois de anos de desmantelamento, iniciaram-se esforços para reconstruir a capacidade do Estado frente ao mercado. O governo alterou parcialmente a relação do Estado com os movimentos sociais, reconhecendo-os como interlocutores, abrindo novos espaços de participação e negociação. O governo incorporou a Economia Popular e Solidária como política pública, criando a Secretaria Nacional de Economia Solidária. A política agrária passou a priorizar o fortalecimento da economia das comunidades de pequenos produtores e no apoio técnico, creditício e de infra-estrutura aos sem terra que vão conquistando a terra. Além disso, iniciou o cumprimento da Constituição e uma reparação histórica aos negros, através da titulação das terras de quilombos, e da efetivação de políticas públicas de crédito, assistência técnica, saúde e educação aos quilombolas, ainda que insuficientemente e em ritmo abaixo do esperado por conta da escassez de recursos.

Conjunturalmente, em 2004 houve alguns resultados econômicos positivos. Estímulos às exportações oriundos do mercado mundial somados aos efeitos da popularização do acesso ao crédito para o consumo resultaram em melhorias nos níveis de atividade em vários setores econômicos, em recuperação da taxa de crescimento do PIB e conseqüentemente em uma redução do desemprego. Esses e outros ganhos têm que ser matizados porque: (a) ocorreram depois de um período de crise e estagnação econômicas (2002-3), isto é, são “bons” quando comparados a um período ruim; (b) porque ocorrem sobre bases frágeis, já que o núcleo central do modelo não é pró-crescimento, como mostra o fato de que pelo sexto mês seguido o Banco Central aumentou novamente a taxa de juros na reunião do Copom de fevereiro, o que vem a se constituir em freio para a incipiente recuperação econômica.

Seja porque periodicamente obstaculiza a retomada do crescimento, seja porque estrangula a capacidade do Estado de fazer políticas públicas, a atual política econômica é um entrave decisivo para realizar as expectativas populares depositadas no governo Lula.

  1. Contrariamente a uma análise sectária e dogmática que existe entre alguns setores políticos e sociais, o governo Lula não é representante da direita nem do capital financeiro. Isso fica claro nos recorrentes ataques que são desferidos por forças conservadoras.

Vem ocorrendo um forte reagrupamento das forças conservadoras em torno ao PSDB e FHC. A grande imprensa é seu maior palco. Com defesas restritas à política econômica, o resto do governo é acusado de tudo. De estar promovendo a baderna social – já que não reprime os movimentos sociais. De desperdiçar dinheiro atendendo os pobres. De retrógrado porque não aceita subordinar o país aos acordos de “livre comercio”. De estar promovendo o inchaço estatal novamente.

O neoliberalismo só voltará sobre “seu eixo” se o PSDB e seus aliados voltarem ao governo central. Sob o atual governo, a política econômica conservadora é uma contradição com outras políticas do mesmo governo que deve ser “explicada” todo dia, é um tensionamento permanente com a base social da esquerda e, de fato, não amplia em nada as alianças reais do governo em direção ao centro. A recente escolha do presidente da Câmara de Deputados evidenciou que quem estrutura e organiza o amplo campo político conservador – que inclui inclusive alguns setores que formalmente se declaram parte da “base do apoio” do governo – é FHC e o seu partido.

Dizer – como afirmam alguns grupos de esquerda sectarizados e dogmáticos – que o governo Lula é igual ao FHC é fechar os olhos à realidade. Mas, sobretudo seria desperdiçar um momento político histórico onde se abriu uma brecha para superar o neoliberalismo no Brasil. Por outro lado, afirmar que se trata já de uma efetiva superação do projeto neoliberal seria não reconhecer que o governo encontra-se em uma armadilha, que sua atual “governabilidade” só funciona no Congresso se for para aprovar medidas conservadoras. Que para reencontrar seu eixo deverá fazer outra opção política.

  1. A vitória político-eleitoral de 2002 não instituiu, por si só, do ponto de vista subjetivo ou de correlação de forças, as condições para a superação do neoliberalismo. Há aqui uma contradição na posição dos que diagnosticam um amplo domínio do neoliberalismo e cobram do governo Lula uma ruptura automática, plena e geral com a ordem burguesa e estatal, internacional e nacional. Não elaboram a noção de transição e não conseguem elaborar como esta ruptura se daria em uma dinâmica democrática legitimada pela ampla maioria da população.

A caracterização do governo como social-liberal, isto é, um governo com base popular mas de uma orientação de conjunto neoliberal, é economicista e parcial, porque centrada na gestão macro-econômica. Para se sustentar, tem que imprimir um tom sectário ao diagnóstico de um conjunto de mudanças estruturantes imprimidas pela ação de governo (na política internacional, no reposicionamento de um conjunto de agentes econômicos do Estado, na relação com os movimentos sociais, na reforma agrária, nas políticas sociais). Ao diagnosticar o governo Lula como fundamentalmente de continuidade de FHC perde a centralidade de posicionamento na luta de classes, elegendo o combate ao governo Lula como o centro da atividade política.

  1. Ter essa apreensão não deve atenuar a crítica à concepção de governo que foi desenvolvida com o apoio da maioria da direção do partido. Ao manter a gestão macro-econômica neoliberal e priorizar agendas neoliberais no primeiro ano (como a reforma fiscalista e antipopular da Previdência), ao conter muito além do necessário e sensato os gastos sociais e com a elevação do salário-mínimo, o governo criou bloqueios à dinâmica da transição, exponenciou os custos políticos da necessária conquista da governabilidade inicial e desorganizou suas bases políticos sociais.

Outra dinâmica de governo – evitando desde o início uma dinâmica recessiva, de aumento do desemprego e de forte controle dos gastos sociais, como se deu em 2003 e parcialmente em 2004 –, combinada com um processo de participação popular e uma política de alianças baseada na defesa de reformas democráticas e populares criaria as melhores condições para um grande avanço das forças de esquerda nas eleições de 2004.

Não se trata, portanto, de governar congelando a correlação de forças dada, estabelecendo a governabilidade a partir de uma dinâmica simplesmente centrada na institucionalidade (até ampliando a base política do governo para setores conservadores), incorporando o ponto de vista neoliberal organicamente através de representações do sistema financeiro, em posições chaves de governo.

A dinâmica de conjunto do governo está aquém do possível e muitas vezes contra o possível, abrindo espaço para uma relegitimação da oposição liberal conservadora, como demonstrado nas eleições de 2004. A manutenção do padrão neoliberal na gestão macroeconômica, aliada à uma concepção de governabilidade centrada no parlamento e em alianças amplíssimas e contraditórias, condiciona e limita o conjunto da transição, desorganiza as relações do governo com sua base social histórica e com a intelectualidade progressista e democrática.

  1. Uma concepção alternativa de governo de caráter democrático-popular combina diversas dimensões estruturantes, como elaborados na VII Conferência nacional (item IV das Resoluções, pg. 20). Dentre elas podem ser destacados os seguintes aspectos decisivos:
  2. a) a urgência de um novo padrão de gestão macro-econômica: controle democrático e republicano do Banco Central e das autoridades monetárias; não renovação do acordo com o FMI; política agressiva de acumulação de reservas e introdução de mecanismos de controle de capitais; redução dos juros e do superávit primário; política ativa e multifocada de controle da inflação (preços indexados, oligopolização da distribuição e comercialização de bens); retomada do controle público e estatal sobre os preços dos serviços de telefonia, energia elétrica, combustíveis e pedágios; tomar a iniciativa no combate a renúncia fiscal e a guerra fiscal e recuperar o papel do planejamento e da regulação para um crescimento harmonioso das diversas regiões do país; mudar o caráter indireto e regressivo do sistema tributário brasileiro e cumprir a decisão do DN de 2002 de alterar o perfil da distribuição dos tributos garantindo 20% do Bolo Tributário aos municípios; auditar e revisar os contratos de privatização e de uso de recursos públicos para viabilizar a compra de ativos nacionais por empresas sem capacidade de compra ou de endividamento.
  3. b) acionamento de um conjunto de políticas pró-desenvolvimento, fundadas nos princípios da sustentabilidade e distributivas de renda: financiamento público para o investimento produtivo e planejado; aumento do orçamento das políticas sociais; recuperação do salário mínimo e estímulo de maiores pisos regionais nos Estados; desenvolver políticas de inclusão social, preferencialmente através de oferta e geração de trabalho; ampliar os recursos destinados a reforma a agrária e o fortalecimento da agricultura familiar e cooperativada; ampliação das políticas públicas nas áreas de infra-estrutura, saneamento e habitação, com ênfase na geração de emprego; políticas de créditos, financiamento e subsídio para a formação de cooperativas de pequenos produtores rurais e de micro e pequenos empresários urbanos. Criação da extensão empresarial e da cooperação de redes de pequenos empresários; regulação e controle sobre grandes empreendimentos, em defesa dos pequenos comerciantes e serviços (ex.: proibição da abertura aos domingos aos grandes supermercados e centros comerciais).
  4. c) democracia participativa e mobilização popular: adoção de práticas concretas de Orçamento Participativo na União e estimulá-lo nos Estados e Municípios, e nas instituições públicas federais como as Universidades, por exemplo; adoção sistemática dos mecanismos já previstos na constituição como o plebiscito e o referendo; estímulo e fortalecimento dos Conselhos setoriais em todas as esferas administrativas, visando ampliar a participação e o controle popular sobre as políticas públicas; fortalecimento, pela ampliação de seu poder de consulta e reivindicação, das entidades de representação sindicais, comunitárias, estudantis, etc; democratização e acesso das entidades populares, sindicais e associativas aos meios de comunicação rádio e televisão, através de concessões de canais de rádio e TV a essas entidades e associações comunitárias;
  5. d) política externa soberana e articulada na América Latina: enfrentar a ordem excludente e unilateral imposta pelo imperialismo dos EUA através do Consenso de Washington e da ALCA; trabalhar para o fortalecimento do bloco sul-americano a partir do Mercosul, avançando no sentido da maior integração com a moeda, parlamento e integração das condições de trabalho e previdência;
  6. e) a construção de um programa de montagem de uma nova estrutura do Estado brasileiro, no sentido oposto ao neoliberal, que coloque na agenda a luta por novas condições estratégicas de disputa.

Esta alteração de rumos permitirá, por sua vez, situar em um plano bem mais ofensivo a disputa pela sucessão em 2006 e pela superação do atual modelo, no sentido de abrir um novo período histórico da luta pela transição ao socialismo. Essa será a via para construir uma “governabilidade popular” ao serviço de um projeto alternativo à herança neoliberal.

  1. A dinâmica de governo proposta é compatível com a correlação de forças e com a necessária conquista de governabilidade democrática, estabelecendo uma dinâmica progressiva de superação do neoliberalismo a partir de uma alteração da correlação de forças, do amadurecimento da capacidade de gestão de governo e das dinâmicas virtuosas geradas pelo retorno do crescimento aliados a um novo contexto internacional, especialmente na América Latina.
  2. A luta para mudar os rumos do governo é o esforço ideológico, político e social para dar à transição o sentido de superação do neoliberalismo. È uma concepção alternativa à que vem guiando governo Lula até agora. Estas mudanças devem ser concebidas já no plano de preparação para o grande confronto com as forças liberal-conservadoras, reposicionadas para a disputa em 2006.

Ela deve combinar três planos de ação: a luta para que o PT adote posicionamentos programáticos para dar à transição o sentido que propomos (através de seus organismos de direção, lideranças públicas, parlamentares); a apropriação pública das ações do governo que vão no sentido da transição que propomos (isto é fundamental para que a luta pela mudança de rumos do governo não seja confundida com a luta contra o governo); o aumento da pressão dos movimentos sociais. Cada um destes três planos tem a sua lógica própria de construção, seus ritmos, mas devem se combinar e se fortalecer mutuamente. Devemos propor iniciativas em cada uma destas áreas, a partir da unidade da esquerda petista e da busca de unificação dos movimentos sociais. O lema geral deve ser: Avançar na superação do neoliberalismo.

III. A disputa no Partido dos Trabalhadores

  1. A tarefa central para a disputa no PT é a organização de nossa intervenção no PED, processo de renovação das direções do PT e realização do seu XIII Encontro Nacional. O PT precisa que este processo seja de um verdadeiro e amplo debate. O balanço de dois anos de governo Lula, o balanço das eleições municipais e da recente derrota para a eleição do presidente da Câmara dos Deputados impõe ao conjunto do partido uma reflexão profunda. Abre-se um grande espaço para retomar a iniciativa propondo teses caras à nossa tradição: PT como partido político independente da burguesia e vinculado aos movimentos sociais; o PT como proponente de um programa global para o Brasil – de caráter democrático e popular; PT solidário mas autônomo frente ao governo; defesa da democracia partidária e do caráter socialista do partido.
  2. Para estas teses terem maior validade, é necessário construirmos um amplo movimento dentro do PT e no movimento democrático e popular (em torno ao PT) de que é possível e vale a pena disputar os rumos do PT. A iniciativa da Carta aos Petistas e às Petistas é um passo importante. A constituição deste movimento é condição necessária para organizarmos uma chapa e candidaturas à presidência do PT que, unificando a esquerda partidária, seja suficientemente forte para dialogar com amplos setores partidários e ganhá-los para as nossas teses e fortalecimento do nosso movimento. Defendemos que o movimento pela construção de uma chapa unificada da esquerda busque amplitude junto aos setores partidários críticos aos rumos atuais do partido e do governo, para além das correntes de esquerda. Este movimento amplo é um dos elementos decisivos para poder aplacar as tensões que levam à dispersão das correntes de esquerda do PT: polêmicas regionais e setoriais, utilização do PED para construção própria.
  3. A capacidade de realizar uma disputa de rumos do partido depende da clareza quanto a novos rumos. Não se trata, portanto, de amalgamar diversos caminhos e muito menos alternativas contraditórias. Nesse sentido, buscaremos sínteses qualitativas das várias contribuições que convergirem a este movimento mais amplo. Para este processo é fundamental nossa contribuição política.
  4. Nossa contribuição para a definição da plataforma política deste movimento deve ser baseada nas resoluções aprovadas pela VII Conferência Nacional e por esta Conferência Extraordinária.
  5. Além disso, é fundamental que a DS atue de forma coerente com suas posições democraticamente definidas. A DS atuará de forma unificada e centralizada nacionalmente neste processo. Cabe à Coordenação Nacional e ao Grupo de Trabalho Nacional, ouvindo as Coordenações Estaduais, a direção da nossa intervenção nesse processo.
  6. Defendemos que este movimento seja forte e democrático para que consiga concluir em uma chapa ampla e unificada, subordinando a este objetivo um conjunto de questões importantes, mas que devem ser tratadas de forma dependente da construção mais geral da unificação da esquerda e da possibilidade de dialogar e somar setores críticos a este esforço de reorientar o partido.
  7. O debate de nomes à candidatura a presidente nacional de uma chapa ampla e unificada deve ser feito, portanto, nestes marcos. Apresentamos para o partido a candidatura do companheiro Raul Pont
  8. É necessário ampliar o movimento da Carta e utilizá-la como instrumento útil em cada estado e em cada município para organizarmos força dentro do PT. Este processo de debate é também de organização da DS, das chapas e das candidaturas a presidente. É muito importante selecionarmos os municípios e os estados onde queremos disputar a presidência do partido com reais chances de vencer.
  9. O debate público sobre os rumos do PT e do governo Lula, neste ano de PED, será necessariamente mais abrangentes. A atenção dos meios de comunicação a este processo impõe a definição de porta-vozes e conseqüente unificação do nosso discurso. Esta unidade será dada pelos documentos que apresentaremos ao debate. A Conferência Extraordinária será o momento de construção unitária desta política.
  10. É fundamental construir um bloco de esquerda no interior da bancada federal do PT tendo como referência o programa democrático e popular definido pelo PT, destacando-se, entre outros aspectos, a democracia participativa; a ampliação dos direitos dos trabalhadores e o enfrentamento dos interesses do capital e do imperialismo; um novo um modelo de desenvolvimento construído a partir das reformas democráticas e populares e uma nova política econômica coerente com este objetivo; a solidariedade entre os povos, especialmente na América Latina, e a rejeição da ALCA; a defesa da ética na vida pública, repudiando o carreirismo, o fisiologismo, o clientelismo e a corrupção. Essa construção visa unificar todos os setores da esquerda partidária com atuação no parlamento na perspectiva de se constituir num espaço de fortalecimento da disputa de rumos do PT e do Governo e ainda cumprir dois objetivos imediatos:

– democratizar a bancada e contribuir para recuperar aquele espaço para a construção de uma agenda de reformas de caráter popular e democrático, consolidando uma atuação unitária da bancada do PT;

– enfrentar e derrotar iniciativas legislativas de caráter neoliberal, dentre as quais a autonomia do Banco Central, e combater a concessão de privilégios aos parlamentares.

  1. No PED estaremos disputando não apenas Programa, mas também uma concepção de Partido, de democracia interna, de militância, de organização de base.  Elementos que estavam presentes na Fundação do PT, no seu primeiro Regimento Interno e que, em vários aspectos, foram abandonados nestes 25 anos do Partido, em especial na reforma de 2001, precisam ser recolocados no debate partidário.

Apresentamos a seguir um conjunto de propostas de alterações do estatuto do partido que deveremos aprofundar no debate interno da tendência e com o conjunto do partido, particularmente nesse período do Processo de Eleição Direta.

  1. a) Mandatos partidários

Alterar os mandatos de 3 para 2 anos, (art. 21) nos anos ímpares como estava consignado no Regimento e Estatutos anteriores. Como é possível a reeleição, dois anos são suficientes e permitem um processo de balanço e renovação mais sistemáticos dentro do Partido.

Além disso, como nos anos pares temos eleições gerais ou eleições municipais no país, o mandato de três anos acaba coincidindo com o ano eleitoral, o que torna contraproducente e até impeditivo misturarmos as eleições internas em plena disputa com os demais partidos. Em 2004, não houve outra saída, senão prorrogar o mandato das direções que acabou sendo de quatro anos.

  1. b) Processo eleitoral das direções partidárias

No município ou zonal, o voto direto deverá ser simultâneo ao Encontro e com direito de voto e participação a todos os filiados em dia com os seus compromissos partidários.

O calendário será invertido do atual no que diz respeito às inscrições das chapas: 1º os Encontros Municipais, 2º os Encontros Estaduais e em 3º o Encontro Nacional.

  1. c) Cota de gênero

No artigo 22, inciso V que trata da cota de mulheres, substituir por uma cota mínima de gênero nunca inferior a 1/3 para homens e mulheres.

  1. d) Fortalecimento do núcleo de base

Apesar da unanimidade sobre os núcleos, na origem do Partido, esses nunca foram instâncias de delegação de poder no PT.

Com o argumento da antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos e com o argumento de que os processos de voto direto eram mais democráticos, os núcleos foram reduzidos à organização das lutas nas frentes de massa e serviram de propaganda do caráter democrático e de base do PT.

Na primeira década de vida do Partido, esse debate e a polêmica foi dura e acirrada, mas a idéia de um Partido organizado a partir de células de base não prevaleceu.

Mesmo assim, os núcleos e as setoriais foram conquistando espaços de representação direta nos Encontros e Congressos, através de delegados diretos que não passavam pelos Encontros locais.

Com a reforma de 2001 e a generalização do voto direto em nome de que esse processo seria “mais democrático”, as representações setoriais e de núcleos deixaram de existir.

No art. 58, onde se trata da nucleação devemos recuperar essa instância como organizadora para levar a cabo todas as tarefas partidárias nas mais variadas frentes de massa e a possibilidade dos filiados organizados em núcleos de atuação terem a possibilidade de eleger representantes e/ou delegados diretos nos Encontros e Congressos.

É evidente que todos os filiados que participam nesse processo não tem direito de votar também, através do voto direto. Isso configuraria uma duplicidade de sufrágio.

O importante é retomar a experiência e a possibilidade da representação direta via núcleo ou setorial nos Encontros e Congressos. Significa fortalecer, valorizar e manter um sentido de participação de militância.

  1. e) Sustentação financeira do Partido

Uma das piores conseqüências da Reforma estatutária de 2001 foram as decisões sobre finanças. Aí reside um dos exemplos mais claros sobre a tendência do Partido ao eleitoralismo e ao predomínio dos portadores de mandato e ao poder econômico dentro do partido.

A contribuição anual mínima desestimula e descompromete o filiado com o papel e a importância da sustentação democrática do Partido.

Essa política também incentiva a filiação sem critérios, despolitizada, criando-se verdadeiros “currais eleitorais” dignos do coronelismo político que sempre afirmamos combater no Brasil.

Nas convenções e encontros, essa política da contribuição mínima cria o voto a cabresto onde as kombis e ônibus substituem a participação voluntária e consciente dos filiados.

O Partido depende e vive, cada vez mais, das finanças eleitorais, dos endividamentos e de campanhas milionárias que só se sustentam com contribuições de empresas, com todas as conseqüências que daí advém.

O Partido precisa retomar e fazer valer o princípio de que o direito do voto depende do compromisso da sustentação financeira com a contribuição mensal, regular e permanente dos filiados.

Isso significa, também, autonomia regional e local para estabelecer contribuições de acordo com as possibilidades regionais e locais, desde que respeitados os mínimos nacionais.

O fundamental é que a contribuição seja pré-requisito para o direito do voto e não pode ser a contribuição mínima e única que predomina hoje, que só estimula a corrupção, o voto de cabresto e o poder econômico dentro do Partido.

O DN deverá rever a política de cotização dos portadores de mandato, principalmente diante da orientação predominante nos parlamentos de burlar os reajustes indexados e a pressão da opinião pública, substituindo reajustes salariais por verbas indenizatórias ou por aumento dos recursos de gabinete, que distorcem bastante a realidade de ingresso dos detentores de mandato.

  1. f) Distribuição do Fundo Partidário

A distribuição hoje estabelecida nos artigos 186/187 é totalmente leonina, centralizadora e concentradora na direção nacional do Partido. O Fundo deve ser dividido da seguinte forma: Os 20% destinados pela lei à Fundação; 30% para Direção Nacional e 50% para os Diretórios Estaduais.

Este montante dos Diretórios Estaduais deve ser rateado mediante a média do número de filiados, porcentagem de municípios organizados e porcentagem de votos alcançados pelo Partido no Estado. Isso estimula a organização e o enraizamento do Partido, bem como seu crescimento numérico. Esse rateio é automático e sem política de retenção e/ou compensações pelo DN. Este deverá estabelecer cotas de contribuição dos Estados e estes dos Municípios que serão pré-condições para a participação nos processos dos Encontros e Congressos partidários.

  1. Tarefas na construção da Democracia Socialista, tendência do Partido dos Trabalhadores.
  2. Desde a Conferência passada, avançamos em questões importantes ali decididas: a manutenção e a periodicidade do jornal Democracia Socialista, as páginas na Internet, a periodicidade das reuniões da Coordenação Nacional. Devemos continuar avançando em todos estes pontos, destacando em especial:

– o reforço do centro nacional de direção da tendência e a intensificação da presença da Coordenação Nacional e do GTn na construção nos estados; manter e ampliar a presença do GTn em Brasília junto ao trabalho governamental e parlamentar, bem como buscar a regularidade das reuniões da Coordenação Nacional e de reuniões do GTn ampliada aos estados definidos na VII Conferência Nacional;

– a intensificação dos esforços de elaboração sobre a questão nacional e internacional, em especial a América Latina;

– uma nova relação com a distribuição e o papel de organização e formação que o periódico Democracia Socialista (Em Tempo) cumpre para a Corrente. Isto significa voltarmos a ter cotas de assinaturas por militante, envio dirigido para áreas de expansão, dirigentes e parlamentares que queremos atrair para a corrente etc… estabelecer metas de tiragem a serem alcançadas e precisar seu papel dentro do Partido. Deve ser mais um difusor de nossas propostas e das lutas que o PT está envolvido.

Não podemos confundi-lo com um caderno de debates da corrente. Para isso há outros mecanismos ou formas eletrônicas que permitem cumprir esse papel. O Democracia Socialista (Em Tempo) deve ser, fundamentalmente, um propagador e um agitador das lutas onde estamos atuando como corrente ou partido.

– a melhoria da mídia eletrônica, com a circulação regular da Carta pela Internet entre os militantes cadastrados;

– produção de um caderno de apresentação e integração da tendência, além da consolidação de uma escola de quadros regular e sistemática para a formação em diversos níveis, dos filiados que se integram à tendência e que possuem um grau muito variado de formação e experiência política acumuladas a partir da constituição de equipes de trabalho para além do GTn;

– cadastramento formal, em todo o país, da tendência, para uma plena consciência do que somos, nosso enraizamento e representação política no Partido e nos movimentos sociais;

– uma política de cotização e de sustentação material muito mais rigorosa e comprometida do que tivemos até aqui, pois nossas tarefas e desafios são cada vez maiores para dar conta do momento histórico que estamos vivendo, para tanto a Coordenação Nacional definirá novas regras de cotização da militância, profissionalizados e mandatários;

  1. A realização da Conferência Extraordinária é também o momento de reafirmar o nosso compromisso com a democracia, unidade e funcionamento centralizado da DS. Nossa concepção de tendência baseada em um programa e em uma concepção de construção partidária construídos ao longo de mais de duas décadas é inseparável de um modo de organizar que privilegia a construção de posições, o debate e ao mesmo tempo o compromisso com as resoluções.
  2. Nossa tendência construiu-se com um caráter nacional, ainda que com diferenciações regionais. Com posições construídas em processos de debate e de unificação, mas não com fragmentação de posições e muito menos com fracionalismos. O reforço deste modo de construção é fundamental neste período.

A DS organiza e unifica sua intervenção no movimento sindical através da CSD e no movimento estudantil através da Kizomba. A militância da DS nestes movimentos deve atuar através desses instrumentos. A unidade da nossa intervenção deve ser assegurada nessas frentes.

  1. A Coordenação Nacional, o GTn e as Coordenação Estaduais devem incluir a construção setorial, regional e a apropriação do conjunto da corrente sobre novos temas na sua agenda política. O nosso trabalho de juventude, anti-racista, das mulheres, sindical, ambiental, da Economia Popular e Solidária bem como de outras frentes em expansão e/ou organização deve ter o acompanhamento por parte das Coordenações bem como sua divulgação nos meios de comunicação da corrente. É necessário ainda, criar espaços com o objetivo de reunir os gestores públicos, parlamentares e militantes em rede de comunicação permanente para o acúmulo de experiências, discussão e elaboração de programas e projetos sobre políticas públicas.
  2. Nossa tendência tem mostrado sua vitalidade não só na participação dos debates dentro do PT e na esquerda em geral, mas também como referência organizativa para a intervenção na construção partidária. Por isso vem aumentando sua relação com novos grupos de militantes petistas, alguns oriundos de outras tendências da esquerda partidária, mas outros não. Convidamos estes companheiros e companheiras a se integrarem plenamente à DS e a participarem da Conferência Extraordinária.
  3. É muito relevante para nossa construção a entrada na DS de grupos de jovens militantes revolucionários. Isto é uma demonstração da vitalidade da tendência e do poder de atração de nosso programa.
  4. A DS, ao longo de sua história, se construiu como uma referência nas lutas feministas no campo da esquerda brasileira. Sua atuação marcou a defesa em torno da auto-organização das mulheres no PT e na sociedade, a defesa das políticas de ação afirmativa no partido, no movimento sindical e estudantil, o enfrentamento da questão do aborto, a luta contra a exploração e a pobreza das mulheres, o combate à violência sexista.

Por isso a Conferência Extraordinária da Democracia Socialista resolve como prioridades em sua atuação no próximo período: ampliar responsabilidades junto ao trabalho de mulheres nas direções da tendência; consolidar o trabalho junto às mulheres jovens da DS; ampliar a nossa intervenção feminista junto aos demais setoriais e; fazer um maior investimento na formação feminista da militância; garantir, em especial, um investimento na formação das militantes dedicadas à intervenção no trabalho feminista. A entrada na DS de militantes mulheres é decisiva para a afirmação prática da nossa concepção feminista. Este processo deve ser reforçado.

  1. Um aspecto muito importante de nossa intervenção é a nossa bancada de deputados federais. Na conjuntura atual a intervenção parlamentar da DS deve guardar relação com nossa política geral para o partido. Assim, devemos nas bancadas do PT realizar a disputa de rumos do PT e do Governo nos marcos estabelecidos na articulação da “Carta aos Petistas e às Petistas” e de outras iniciativas da esquerda partidária.

Devemos realizar um esforço organizativo para constituir espaços coletivos de avaliação e acompanhamento de nossa intervenção parlamentar, garantindo a unidade e a coerência fundamental de nossa tendência para potencializar nestes espaços parlamentares a disputa de rumos do PT e do Governo Lula. A Coordenação Nacional, o Grupo de Trabalho nacional e a nossa bancada federal estão encarregados de avaliar e coordenar o desdobramento da disputa política na bancada do PT e tomar as medidas necessárias para assegurar o desenvolvimento das posições que adotamos.

  1. Neste último período de enorme conturbação política no Brasil e no PT, frente às respostas a serem dadas pela esquerda revolucionária, alguns militantes da tendência tomaram a decisão unilateral de se afastarem da DS e partiram para outros projetos partidários. Sobre este ponto, a Conferência reafirma a Resolução da Coordenação Nacional de 4 e 5 de dezembro de 2004.

Resolução da Coordenação Nacional da Democracia Socialista em relação aos militantes e às militantes que decidiram unilateralmente sair da Democracia Socialista para construírem outros projetos partidários.

A Democracia Socialista é uma corrente que se construiu tendo como referência tanto a busca de uma convergência das posições à esquerda no PT e nos movimentos sociais combativos como uma valorização do trabalho coletivo militante e das decisões democraticamente tomadas nos seus espaços coletivos.

A conjuntura atual, que combina uma ofensiva imperialista à crise de legitimidade do projeto neoliberal no nível mundial e aos impasses provocados pela orientação assumida pelo governo Lula, coloca imensos desafios para a esquerda do PT, em geral, e para a Democracia Socialista, em particular. Para enfrentá-los, a Coordenação Nacional reafirma a vigência das resoluções da Conferência Nacional da Democracia Socialista de novembro de 2003 e a continuidade do debate nos espaços da Democracia Socialista. É normal que em uma conjuntura como esta existam diversas visões e sensibilidades políticas, mas é importante que as polêmicas se desenvolvam dentro dos espaços coletivos da Democracia Socialista, em processos democraticamente definidos por nossas instâncias de coordenação e sem colocar em risco nossa unidade de ação.

A “fração Liberdade Vermelha” foi lançada, em maio de 2004, rompendo com a linha decidida na nossa Conferência e propondo outra estratégia de construção partidária. E, desde antes de seu lançamento público, seus membros iniciaram sua participação nesse outro projeto partidário num gesto cujo significado é que não estão dispostos a submeter suas propostas ao debate coletivo da Democracia Socialista. Posteriormente outros militantes passam a integrar outros projetos partidários, sem ao menos comunicarem suas decisões às instâncias de Coordenação da Democracia Socialista.

Para nossa organização política, respeitando as mais caras tradições do movimento socialista, as questões de método, de solidariedade, de companheirismo entre os que abraçamos uma causa comum são imposições éticas que organizam a nossa democracia interna: participar do debate democrático, buscar formulações comuns construídas democraticamente e compromisso com as deliberações e com a ação comum.

Nossa organização tem um só projeto partidário. São militantes da Democracia Socialista – tendência interna do Partido dos Trabalhadores todas aquelas e todos aqueles que nos movimentos sociais, nos parlamentos, nos governos, nas grandes campanhas nacionais e internacionais, nos Fóruns Nacionais e Internacionais que organizam a resistência ao neoliberalismo, enfim, em todos os espaços de atuação política, buscam construir posições comuns, com base nas resoluções democraticamente deliberadas e, principalmente, agem numa mesma direção para a construção e o fortalecimento de nossa organização política.

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