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Rio Sergipe, um curso d’ água agonizante.

Não obstante toda polêmica que envolve o rio São Francisco, muito pouco tem sido dito sobre o rio Sergipe. Nos seus aproximados 210 Km de extensão, desde sua nascente, no município de Nossa Senhora da Glória até sua foz no Oceano Atlântico, entre as cidades de Aracaju e Barra dos Coqueiros, esse rio assiste em sua bacia hidrográfica 1.010.523 habitantes, ou 56,6% da população sergipana.

FREDERICO LISBÔA ROMÃO

A campanha eleitoral tem trazido à tona discussão sobre a urgência da revitalização do Velho Chico. Ataques, acusações e números, muitas vezes carentes de confirmações isentas, são apresentados ao cidadão eleitor. É uma discussão que a despeito de todos os exageros e afirmações aterrorizadoras, hegemoniza, ao menos, um elemento de positividade: O RIO SÃO FRANCISCO NÃO PODE SER TRANSPOSTO ANTES QUE OCORRA SUA REVITALIZAÇÃO. Não obstante toda polêmica que envolve o rio São Francisco, muito pouco tem sido dito sobre o rio Sergipe, no entanto, a publicação do livro Rio Sergipe: Importância, vulnerabilidade e preservação, reunindo pesquisas sob a organização de Alves (2006) dão conta que este rio genuinamente sergipano falece rapidamente em muitos dos seus sinais vitais.

É urgente que a discussão avance para o rio Sergipe. Nos seus aproximados 210 Km de extensão, desde sua nascente, no município de Nossa Senhora da Glória até sua foz no Oceano Atlântico, entre as cidades de Aracaju e Barra dos Coqueiros, esse rio assiste em sua bacia hidrográfica 1.010.523 habitantes, ou 56,6% da população sergipana. Suas águas drenam 16,7% das terras do estado, atingindo 26 municípios, nos quais se localizam 47% do total de estabelecimentos industriais cadastrados (Rocha, 2006).

Não obstante ser elemento vital para a maioria da população de Sergipe, abastecendo, via água encanada, 85,2% ou 116.689 dos domicílios existentes na sua bacia, o balanço hídrico ao longo da sua bacia explicita atualmente um déficit na grande maioria da sua extensão. A demanda de água desta bacia para os mais variados usos é de 259.351 m3/dia, entretanto, a mesma tem capacidade de gerar apenas 54,9 mil m3/dia, conformando um déficit em torno de 80%.

Permanecendo a forma de uso atual a perspectiva é de ampliação desse déficit. Atualmente a falta de água é suprida pela transposição do rio São Francisco através do sistema de adutoras (Rocha, 2006).

Os números apresentados denotam por si só a importância do rio Sergipe que generosamente tem fornecido água e alimento para inúmeras gerações, mas recebe em troca dejetos, descuido e deszelos. Desde maio de 1925, quando foi de uma vez por todas esclarecido que o rio a separar a nova capital Aracaju do povoado Barra dos Coqueiros era o Sergipe e não o Cotinguiba, como se pensava até então (Alves, 2006), ele vem sendo impactado negativamente pela resultante das ações do homem no seu projeto modernista.

Dos domicílios que abastece, apenas 38,7% possuem rede de esgoto, com o agravante de parte significativa desse esgotamento não passar por tratamento adequado (Rocha, 2006; Araújo, 2006). O efluente do Distrito Industrial de Aracaju (DIA) foi abandonado a mais de 15 anos sendo despejado diretamente no rio Poxim (Alves e Garcia, 2006).

Soma-se a isso o fato de não haver tratamento apropriado para os resíduos sólidos que são depositados em grandes lixeiras concorrendo para contaminação dos cursos d’ água.

Contribui ainda para a degradação da bacia, uma urbanização apressada, ecologicamente insustentável, especialmente em Aracaju, acelerando a instável situação da sua barra ou embocadura. Ao longo de quase dois séculos o rio viu sua foz se transformar por três vezes até assumir a formação atual. Muitos com certeza se admirarão em saber que no ano de 1823, ano do registro cartográfico mais antigo, esse rio desaguava nas proximidades do Hotel Beira Mar. Essa instabilidade, característica marcante da foz do rio Sergipe, implicou entre outras coisas, na necessidade de contínuas dragagens realizadas de fins do século XIX ate o ano de 1972. Do ponto de vista urbanístico a mais impactante mudança foi o Projeto de Urbanização da Coroa do Meio (Wanderley, 2006).

Em 1977, na Coroa do Meio, durante a administração do então prefeito João Alves Filho, foram aterrados e terraplanados canais de mangues, restinga, manguezal e construído um cais à margem direita do rio. Essa abrangente intervenção, em local ecologicamente frágil, associada ao atraso na implementação de medidas compensatórias (Wanderley, 2006), foi responsável em grande medida, pela desfiguração ambiental e gasto elevado de recursos do estado.

O resultado de tamanho descalabro não poderia ser outro se não a degradação desse ambiente hídrico. Diversos indicadores demonstram que rapidamente o rio Sergipe deixa de ser fonte de beleza e vida se transformando em veiculo de doenças e contaminação.

Análises realizadas no rio do Sal, rio Poxim e Rio Sergipe, na região estuarina no entorno de Aracaju, apresenta níveis preocupantes no tocante a oxigênio dissolvido, nitrogênio e surfactantes, todos parâmetros indicadores de poluição. No tocante ao oxigênio, os três rios apresentam sinais de poluição, particularmente o rio do Sal e o Poxim. O primeiro com níveis de oxigênio acima do recomendado (a jusante da Estação de Tratamento de Esgoto de Aracaju – ETE). O segundo com problema inverso, níveis de oxigênio próximos de zero (anoxia) na região sob influência dos dejetos do DIA (Alves e Garcia, 2006).

Em relação à presença de nitrogênio (N-amoniacal) os valores do rio do Sal e Poxim denotam ambientes poluídos em processo de eutrofização. Quanto aos surfactantes os rios Sergipe e do Sal apresentam as mais altas concentrações. O rio Poxim atinge níveis considerados letais a vida aquática (Alves e Garcia).

Afora os indicadores químicos, marcadores biológicos também apontam sinais evidentes de poluição. Pesquisas no estuário do Rio Sergipe entre os anos de 1977 e 2002 apresentam sinais claros de deterioração. Em 1977/1978 análises de amostras de plâncton detectaram valores dentro da normalidade com predominância dos Copepoda (organismos holoplanctônicos, importantes para cadeia trófica), em torno de 50%. Entretanto, as amostras de plâncton pesquisadas entre os anos de 2001 e 2002 revelaram a presença de protozoário Favella ehrenbergii em valores próximos a 80% e uma diminuta presença dos Copopeda, menos que 10%, indicador de ambiente poluído (Araújo, 2006).

Esses dados do estuário são por demais preocupantes. Por sua riqueza biótica e complexidade ecossistêmica, os estuários são grandemente responsáveis pela sustentação de conjuntos de espécies de peixes (ictiofauna), algumas exclusivas desse ecossistema (Araújo, 2006; Alcântara, 2006). Estudos anteriores da fauna de peixes do estuário do rio Sergipe explicitam sua riqueza, comportando 136 espécies, agrupadas em 50 famílias, indicadores elevados mesmo quando comparados a outros ambientes (Alcântara, 2006).

Infelizmente a riqueza da ictiofauna do seu estuário tem sido duramente atingida. Desde 2004 ocorre mortandade em massa de peixes no rio do Sal. Amostragens de locais diversos dessa ictiofauna, realizadas em janeiro de 2004 apresentaram diferentes espécies de peixes com erosão das nadadeiras, um sinal de estresse crônico, cuja evolução pode acarretar sua destruição completa (Alcântara, 2006).

Outro elemento denunciador das agressões sofridas pelo rio Sergipe é os manguezais presentes no seu estuário. Nunca é demais destacar a enorme importância do mangue para a fauna e flora dos estuários, águas costeiras e como fonte de alimento e renda para as populações em seu entorno. Infelizmente, a exemplo dos outros aspectos relatados anteriormente, os manguezais têm sido destruídos pela conjugação da ação imobiliária e poluição (Landim e Guimarães, 2006).

O cheiro fétido, a morte de árvores do mangue pela ação de algas e os níveis elevados de contaminação por coliforme fecais, presentes na água e ostras, na Praia 13 de Julho, evidenciam o descaso ambiental. Colocam em risco não só a riqueza biótica do estuário e faixa costeira, como inviabiliza uma importante fonte econômica e de proteína, potencialmente geradora de trabalho, renda, e lazer. (Landim e Guimarães, 2006).

Todas as informações que emergem em função da publicação dessas pesquisas tornam público a premente necessidade da substituição de um certo modelo de desenvolvimento megalomaníaco, socialmente injusto e ecologicamente insustentável.

No exato momento em que o governador João Alves combate corretamente, a transposição do rio São Francisco, ele se esquece de dizer que ela já ocorre. Diariamente as adutoras transpõem 206.755 m3 de água do São Francisco para diversos municípios sergipanos. E no que depender das ações do governo estadual a intenção é ampliar essa transposição: Do contrario como explicar a propalada estrutura que existe sob a ponte Aracaju – Barra dos Coqueiros, especificamente para receber uma adutora?

É tão incorreto construir novas transposições do Velho Chico como ampliar as que já existem. É preciso fundamentalmente revitalizar os rios, avançando no uso sustentável dos corpos d’ água. Os dados apresentados são incontestáveis. O rio Sergipe morre um pouco a cada dia e não é por falta de informação e recursos, mas por falta de vontade política, ou melhor dizendo, pela presença de uma ação de governo monolítica e míope que aposta unicamente na engenharia quando o problema é essencialmente de pedagogia.

Revitalizar nos recursos hídricos, especialmente a bacia hidrográfica do rio Sergipe, é algo que diferentemente do rio São Francisco, está a altura do governo estadual que nesse quesito deixa muito a desejar. No momento em que a tecnologia avança para tratamentos de efluentes visando a retirada de contaminantes não eliminados pelos métodos convencionais, em Sergipe sequer ocorre de forma satisfatória o tratamento básico.

Por fim, fica evidente; mais do que discurso vãos, precisa haver VONTADE DE FATO. Uma ação integrada do governo estadual, instituições de pesquisas, iniciativa privada e população, poderá em tempo curto restabelecer os parâmetros de vida ao nosso rio Sergipe, contribuindo verdadeiramente, com a tão propagandeada revitalização do rio da unidade nacional.

*Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP
fredericoromao@uol.com.br

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