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Sintomas de um período pós-neoliberal

MARILANE TEIXEIRA E ANDERSON CAMPOS

Jornal DS 24 [nov2009]. As políticas antineoliberais de governos latinoamericanos têm possibilitado a recuperação do nível de emprego e da renda do trabalho. Esse contexto tem permitido ao movimento sindical fortalecer as negociações coletivas, conquistando, assim, reajustes reais nos salários. O governo petista no Brasil, ao mesmo tempo, fortalece as políticas redistributivas, em confronto com a receita que minava as bases de financiamento das políticas sociais. Tanto as consecutivas vitórias do PT nas disputas presidenciais, quanto as conquistas sociais desencadeadas a partir de então são fruto de um mesmo processo: a derrota do projeto neoliberal e a retomada da pressão pelas mudanças.

Uma das conseqüências mais relevantes dessas mudanças é a redução da pobreza no país. Conforme análises do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os resultados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) de 2008 demonstraram a redução da pobreza e da desigualdade no Brasil. Porém, ao contrário de anos anteriores, agora é a renda do trabalho a principal impulsionadora dessa redução. Os programas sociais continuam a cumprir papel imprescindível. Mas a geração de novos empregos e a elevação da renda do trabalho na participação da renda nacional recolocam o movimento sindical na centralidade da luta política pela transição a outro modelo de desenvolvimento.

Rendimento familiar

O rendimento familiar se refere à soma dos rendimentos auferidos pelos membros da família. Em 2008, na comparação com o ano de 1998, caiu de 32,4% para 22,6% o percentual de famílias que viviam com até ½ salário mínimo por pessoa, ou seja, R$ 249.

Ainda assim, em 2008, metade das famílias ainda vivia com menos de R$ 415,00 por pessoa, sendo que mais da metade das mulheres chefes de família e com filhos menores de 16 anos vivia com menos de R$ 249 por pessoa.

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Diferenças salariais persistem

As mulheres ampliaram a sua participação no mercado de trabalho: em 1998, de cada 100 mulheres com 10 anos ou mais de idade, 42 estavam inseridas no mercado de trabalho; em 2008, são 47,2. A taxa de atividade também subiu de 53,6% para 58,3%, enquanto a dos homens caiu de 79,2% para 76,5%.

Os dados de escolaridade seguem mais favoráveis às mulheres. Em 2008, na área urbana, a média de escolaridade das mulheres ocupadas foi de 9,2 anos de estudo, enquanto, para os homens, foi de 8,2 anos de estudo. Na área rural, a média de anos de estudo também é favorável às mulheres: 5,2; enquanto a média dos homens ficou em 4,4.

Entretanto, as diferenças salariais persistem, pois em todas as posições na ocupação (com ou sem carteira, por conta própria, empregador/a, empregado/a doméstico/a, estatutário/a), o rendimento médio dos homens é superior ao das mulheres: estas recebem, em média, 71% da remuneração média masculina. O rendimento médio masculino é R$ 1.130,00 – e o das mulheres, R$ 802,00.

Além disso, ainda se observa maior presença das mulheres nos trabalhos mais precários e menos valorizados socialmente. Enquanto 15,8% das mulheres ocupadas eram trabalhadoras domésticas (com ou sem carteira), apenas 0,8% dos homens ocupados exerciam a mesma atividade.

Afazeres domésticos

A distribuição do trabalho doméstico é bastante desigual entre homens e mulheres. Enquanto, do total de mulheres ocupadas, 87,9% declararam se ocupar com os afazeres domésticos, apenas 46,1% dos homens responderam afirmativamente. O número médio de horas que ambos dedicam ao trabalho doméstico também é bastante diferenciado: 20,9 horas semanais para as mulheres e apenas 9,2 horas semanais para os homens.

O aumento da participação das mulheres não é acompanhado de igualdade entre gêneros, mas do aumento da exploração do trabalho feminino. O movimento feminista tem elevado o tom da crítica sobre a utilização do tempo de trabalho das mulheres como um recurso inesgotável. Porém, as políticas de emprego e de infraestrutura social ainda não incorporaram a centralidade dessa questão.

Em relação à composição da renda, o que se verificou nos últimos anos foi um crescimento das rendas mais favoráveis aos pobres, como Bolsa-Família, aposentadorias e pensões, mas o que se destaca é a participação da renda do salário igual a um salário mínimo, que aumentou de 2% para quase 4%, com a consequente redução da renda do capital.

A renda do trabalho foi o maior determinante da queda na desigualdade. Entre 2007 e 2008, o comportamento da renda do trabalho não igual a um salário mínimo foi responsável por 75% da queda da desigualdade. O aumento do valor do salário mínimo contribuiu com 16%, via mercado de trabalho, enquanto o benefício de prestação continuada contribuiu com 2% e o Programa Bolsa-Família praticamente não apresentou impacto, uma vez que não houve ampliação de número de beneficiários nesse período.

Sendo assim, no período compreendido entre 2001 e 2008, o mercado de trabalho foi o que mais contribuiu para a melhora na distribuição da renda, 65%, enquanto a Previdência Social contribuiu com 16%, os programas sociais com 18% e o capital com 2%.

Esse quadro desarticula as teses da direita brasileira, segundo as quais os índices de popularidade do Governo Lula estão baseados em programas sociais ou que estes são incentivo à acomodação dos pobres. Foi a agenda de mobilização da classe trabalhadora organizada que conquistou a política permanente de valorização do salário mínimo e os ganhos reais nas negociações coletivas. Esses elementos foram determinantes para a redução da pobreza, pois formatam a renda do trabalho.

Pobreza e desigualdade

O dinamismo econômico dos últimos anos, juntamente com o crescimento do mercado de trabalho, sua formalização e a valorização do salário mínimo, contribuíram para que, em 2008, os 10% mais pobres usufruíssem de um acréscimo em sua renda domiciliar de quase 16%. O ano de 2008 foi positivo para todas as faixas de rendimento, com média nacional em torno de 5,1%. A renda domiciliar por pessoa passou de R$ 563,00 para R$ 591,00.

Analisando o período compreendido entre 2004 e 2008, conclui-se que os 20% mais pobres auferiram um acréscimo em suas rendas de 40%. Já entre as rendas superiores, o acréscimo foi menor: 20%.

Em 2001, a renda média dos 20% mais ricos era 27 vezes a dos 20% mais pobres; em 2008 essa diferença caiu para 19 vezes, ou seja, uma redução de 30% na desigualdade em sete anos.

Ainda assim, os 40% mais pobres vivem com apenas 10% da renda nacional, enquanto que os 10% mais ricos vivem com mais de 40%.

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Pobreza e extrema pobreza

Para que parte da população brasileira pudesse sair da condição de pobreza e extrema pobreza, dois fatores contribuíram decisivamente: o crescimento econômico e a redução na desigualdade.

São considerados extremamente pobres aqueles que dispõem de uma renda equivalente a R$ 93,75, e pobres, aqueles que dispõem de uma renda no valor de R$ 187,50.  Em 1993, 22,9% da população brasileira era extremamente pobre. Em 2003, caiu para 17,5%; e em 2008, para 8,8%. A queda entre 2003 e 2008 foi mais acentuada do que no período entre 1993 e 2003. Já os que se encontravam em situação de pobreza representavam 39,4% em 2003, número esse que caiu para 25,3% em 2008. É como se, em 2003, existissem 100 pobres no Brasil; e, em 2008, esse número caísse para 68. Entre os que se encontravam na extrema pobreza, a redução foi mais acentuada entre 2003 e 2008: 50%.

As estimativas sugerem que em 2013, mantido o ritmo observado em 2008, o percentual de pobres representará 59% dos níveis de 2008 – e os extremamente pobres, 45%.

Os dados indicam que a renda na base da pirâmide está tendo um crescimento muito mais significativo. A causa desse movimento é o crescimento econômico, além do aumento real do salário mínimo, que tem contribuído para a elevação dos salários dos demais setores da economia. Os ganhos reais registrados, neste ano, já superam os de 2008.

O desafio central, a partir desse quadro, é conformar um movimento rumo a outro modelo. Ao recolocar o trabalho na centralidade da luta social, necessitamos dar passos largos para reverter o processo de mercantilização de bens e serviços. É imprescindível, para tanto, que serviços públicos como telefonia, energia elétrica, serviços de água e saneamento não se transformem em instrumentos de acumulação privada. São elementos que influem diretamente sobre a renda da parcela mais pobre da população.

MARILANE TEIXEIRA é assessora da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Químico e ANDERSON CAMPOS é assessor da CUT.

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