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“Um Certo Senhor Gramsci” segundo Carlos Nelson Coutinho

Um Certo Senhor Gramsci” segundo Carlos Nelson CoutinhoPor Fernando Nogueira da Costa, em seu Blog

Carlos Nelson Coutinho (1943-2012) foi da geração que adotou Gramsci como sopro de renovação das idéias marxistas a respeito da militância política em sociedade ocidental democrática. Talvez tenha sido o gramsciano brasileiro mais lido pelos militantes de esquerda nos anos 70. Nós desejávamos repensar a prática política à luz da experiência de coalizões do euro-comunismo do PCI (Partido Comunista Italiano). Estávamos “lambendo as feridas” da derrota da tática de luta armada e deparávamos com a possibilidade de ampliar as alianças na luta pelo sindicalismo livre, por criação de partidos, pela anistia e pelas “Diretas Já”. Intelectuais de esquerda buscaram nos Cadernos do Cárcere de Antônio Gramsci, publicado postumamente, pois este militante italiano jamais publicou algum livro em vida, o suporte teórico para as mudanças táticas e estratégicas a serem feitas para superar a etapa de predominância da idéia da luta armada pela revolução socialista.

Em homenagem póstuma a esse intelectual brasileiro, divulgador das ideias de Gramsci no País, reproduzo post já publicado neste blog, baseado em resenha escrita por Carlos Nelson Coutinho – “Um Certo Senhor Gramsci“. Ela foi publicada no Jornal do Brasil na data de 29 de fevereiro de 1976. Ainda tenho o velho recorte, que me inspirou a ler outros textos sobre Antônio Gramsci.

Antes da I Guerra Mundial, o positivismo economicista era a fonte de prática política reformista. Ao privilegiar o papel dos “fatos” econômicos em detrimento da vontade e da ação política coletiva, a direção do Partido Socialista italiano era levada ao imobilismo fatalista. Gramsci se opôs a esse fatalismo, desde seus primeiros artigos na imprensa. Para ele, a vontade humana era o verdadeiro motor da história.

Esse traço anti-fatalista assume, casualmente, inclinação excessivamente voluntarista. Embora responsável por certa subestimação da economia e do seu papel na vida social, essa posição antieconomicista permitiu a Gramsci desenvolver os aspectos propriamente políticos e ideológicos da militância de esquerda.

Através do conceito de bloco histórico, Gramsci propõe novo relacionamento entre a base econômica e as superestruturas ideológicas no qual as segundas, em vez de aparecerem como simples reflexos passivos da primeira, tem sua autonomia ampliada, passando mesmo a ocupar o posto de determinante central. Por isso, Gramsci é considerado o “teórico das superestruturas”.

Em sua teoria do Estado e da revolução socialista, Gramsci, já como dirigente do recém-fundado PCI, se debruçou sobre a experiência que levou o movimento fascista, movimento reacionário nacionalista com base em massa popular,  a crescer e chegar ao poder. A tentativa de entender essa questão dá a motivação para as notas que Gramsci redigiu no cárcere entre 1927 e 1936.

Ele distingue duas esferas essenciais no interior das superestruturas: a sociedade política e a sociedade civil. A primeira é o aparato da coerção estatal; função do domínio direto ou de comando que se expressa no Estado e no governo jurídico. A segunda é o conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias; compreende o sistema escolar, as igrejas, os partidos políticos, as organizações sindicais e profissionais, os meios de comunicação, as organizações de caráter científico e artístico, etc.

O Estado é constituído, então, por hegemonia revestida de coerção. A dominação social se daria através dessa unidade de repressão violenta e de integração ideológica. O Estado constitui unidade contraditória entre a coerção – violência repressiva –, a coesão – dominação ideológica – e a necessidade de reprodução do “capital em geral”. Este último ponto salienta que não se deve subestimar o papel da economia na vida social e que o Estado capitalista pode ir contra interesses particulares de capitalistas, sendo a favor da reprodução ampliada sistêmica.

Nesse sentido, ambas as esferas servem para conservar ou promover determinada base econômica, conforme os interesses da classe dominante. Mas o modo pelo qual encaminham essa conservação ou promoção varia nos dois casos. No âmbito da sociedade civil, as classes buscam exercer sua hegemonia, isto é, buscam ganhar aliados para suas posições, através da direção e do consenso. Na sociedade política, ao contrário, exerce-se sempre a ditadura, ou, mais precisamente, dominação mediante a coerção. A sociedade política é o aparato da coerção estatal que assegura legalmente a disciplina dos grupos que não consentem, principalmente, em momentos de crise no comando e na direção, quando fracassa o consenso espontâneo.

Essas duas funções, na opinião de Gramsci, existem em qualquer forma de Estado. O fato de que determinado Estado seja mais ou menos ditatorial, ou mais ou menos hegemônico e consensual, depende da predominância de uma ou outra esfera. Essa predominância, por sua vez, depende da correlação de forças concreta entre as classes sociais no Estado em questão.

A estratégia política para a extinção do Estado ditatorial seria o desaparecimento progressivo da sociedade política, absorvida pela sociedade civil e seus organismos próprios. A hegemonia e o consenso deveriam substituir paulatinamente a ditadura e a coerção, até o ponto em que essas viessem a desaparecer completamente. Haveria, então, a necessidade de desenvolver a sociedade civil de maneira autônoma, em vez de transformá-la em simples apêndice da sociedade política. Sindicatos e movimentos de massa, portanto, não podem ser simples “correias de transmissão” das bandeiras de lutas propostas por Partido ou Estado.

Apenas nas formações sociais onde não se desenvolveu sociedade civil forte e articulada a luta de classes deve se travar, predominantemente, em torno da conquista e da manutenção da sociedade política. No caso de país que apresenta sociedade civil rica e pluralista, as lutas políticas devem ser travadas inicialmente no âmbito da sociedade civil, visando à conquista ideológica, ou seja, ao consenso dos setores majoritários da população. Portanto, a obtenção de ampla hegemonia deve preceder a tomada de Poder. A classe social já deve ser dirigente antes de ser dominante.

Para Gramsci, a conquista do Poder só é possível para aquelas classes que exercem papel determinante no modo de produção econômica. Mas essa posição econômica é condição apenas necessária e não suficiente para a criação da aliança de classes ou bloco histórico que exercerá efetivamente o poder político. Na constituição desse bloco histórico, papel decisivo cabe aos intelectuais, que Gramsci denomina de “funcionários da superestrutura”. Enquanto são os criadores e divulgadores das ideologias, os intelectuais aparecem como responsáveis pela obtenção do consenso e da hegemonia para a classe da qual são representantes.

Por isso, ganhar os intelectuais tradicionais ou formar seus próprios intelectuais orgânicos é questão decisiva para a classe que é ou pretende ser dominante. O papel dos intelectuais na política assume em Gramsci tanta importância que ele cunhou a expressão “intelectual coletivo” para designar o Partido da classe trabalhadora.

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