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Uma cultura política de inclusão

Transformação, socialização da política e do poder.

PEPE VARGAS e UBIRANTA DE SOUZA

O povo brasileiro, ao longo de sua história, viveu poucos momentos de vida democrática, mesmo sob o ponto de vista democrático-liberal. Tampouco conseguiu constituir uma sociedade de bem-estar-social, o equivalente econômico-social das democracias liberais. A exclusão política sempre foi sócia da exclusão social neste Brasil de tantas desigualdades. A luta por direitos econômicos e sociais sempre esteve de mãos dadas com a luta pela conquista de espaços democráticos na nossa história.

Com a conquista de governos, primeiros municipais, depois estaduais, e agora federal, a esquerda brasileira passou a viver o desafio de compatilibilizar seus princípios e bandeiras históricas com o exercício real da administração de parcelas do Estado, dentro de conjunturas extremamente complexas. Como governar num ambiente político e institucional adverso à realização plena de programas de esquerda, sem frustar as enormes esperanças populares que nossas vitórias eleitorais fizeram florescer? Os caminhos escolhidos para responder a esta contradição real, por parte das diversas administrações que elegemos, determinaram o maior ou menor grau de acúmulo político para a realização de nosso objetivo histórico, a construção do socialismo.

Os governos que optaram por formas usuais de administrar (sem radicalizar a democracia, sem abrir canais amplos de participação popular na tomada de decisões e mantendo uma relação tradicional com o poder legislativo) pouco contribuíram para a construção de uma consciência cidadã mais elevada e tampouco inverteram as prioridades dos investimentos e serviços públicos a favor das camadas populares. No imaginário popular, a diferença entre nossos governos e os dos nossos adversários fica restrita ao conceito de maior ou menor eficiência, que, embora importante, pouco acumula para quem pretende superar a cultura da sociedade capitalista e redistribuir socialmente a renda pública.

Combater todas as exclusões
Por outro lado, os governos que marcaram o imaginário social foram aqueles que combinaram a idéia de inverter prioridades e garantir ganhos materiais aos historicamente excluídos pelas políticas dos governos tradicionais, via melhorias na infra-estrutura e políticas sociais; com formas inovadoras de participação popular através da democracia participativa, materializada em experiências exitosas como o Orçamento Participativo (OP), os conselhos de direitos, temáticos e setoriais e movimentos sociais. Para amplos setores da sociedade, ficou visível que é possível construir uma nova sociedade e novas formas de organização do Estado.

Ao combinar ganhos na qualidade de vida dos setores populares (que têm reivindicações e interesses históricos contraditórios com o funcionamento da sociedade capitalista) com novas formas de relação do Estado com a sociedade, colocando o primeiro sob controle desta, temos melhores condições de responder positivamente à contradição de como governar sem frustrar expectativas. Ao mesmo tempo, dialogamos com dois princípios básicos da sociedade socialista que pretendemos construir: uma democracia superior à democracia liberal e políticas que buscam superar as desigualdades econômicas e sociais existentes sob o capitalismo.

Dessa forma, associamos às realizações de governo a construção de uma nova cultura política, de homens e mulheres que participam, mobilizam-se socialmente em busca de direitos individuais e coletivos. Não por acaso, os governos que buscaram esse caminho conviveram com momentos de intensa mobilização social. Mesmo quando, após vitórias eleitorais sucessivas, perderam eleições, não saíram derrotados politicamente, mantendo-se como forças políticas que detêm forte apoio popular.

A prática da democracia participativa tem demonstrado e aberto novos caminhos para a esquerda na luta para a transformação das velhas estruturas políticas de dominação capitalista e para a aplicação de um projeto democrático popular. Essa foi a experiência dos governos municipais de Porto Alegre, por 16 anos, Caxias do Sul e outros municípios gaúchos, do governo do estado do Rio Grande do Sul (1999-2002); assim como Recife, Fortaleza e outras gestões participativas no Brasil e no exterior, com destaque à Revolução Bolivariana da Venezuela.

Para um governo de esquerda, são a participação, organização e mobilização popular que garantem a governabilidade, a transparência na gestão e no gasto público, a redistribuição da renda pública a favor das camadas populares e a construção de uma economia popular, também abrindo um processo de criação de uma nova cultura política com cidadania plena e solidariedade.

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Democratização da gestão. Plenária do OP em Caxias do Sul

OP nacional
No caso do Brasil, a recente crise política expôs a fragilidade do sistema e da estrutura da democracia representativa brasileira. Mostrou também o fracasso e a falência da tese e da prática da governabilidade baseada somente na negociação com o parlamento. O parlamento brasileiro tem sido o resultado e a expressão de um sistema político estruturado no voto proporcional uni-nominal, no financiamento privado das campanhas eleitorais e na ausência da fidelidade partidária.

Na Venezuela, Hugo Chávez teve a clareza política de que um governo popular deve ser indutor da organização e mobilização da população, compreendendo que a participação popular nas decisões políticas nacionais, no orçamento federal e nas políticas públicas em geral é um elemento decisivo, constituinte e legitimador de um governo de esquerda que deseja transformar a realidade econômica e social do país. O governo revolucionário venezuelano implementou a participação popular combinada com uma política de distribuição da renda e de inclusão social, através de políticas públicas nas áreas sociais e no desenvolvimento endógeno, que visa à diversificação da estrutura econômica interna e à criação de uma economia popular e solidária. A maior expressão dessas políticas são os programas chamados de “Missões”, através das quais o governo executa suas ações por fora da estrutura burocrática do Estado, implementando políticas públicas nas áreas da saúde, educação, habitação e desenvolvimento endógeno para uma economia alternativa ao mercado capitalista. Tudo com mobilização, organização e controle popular.

Por isso, o PT, os partidos do campo popular e os movimentos sociais têm que incorporar nas Diretrizes e Programa de governo, para um segundo mandato do Presidente Lula, o Orçamento Participativo nacional combinado com outras formas de democracia participativa. Também uma ampla reforma política, que faça modificações importantes no sistema político vigente, como por exemplo, o financiamento público das campanhas eleitorais, a introdução da lista partidária fechada de candidatos proporcionais, a fidelidade partidária, visando combater a corrupção, a dependência do financiamento privado e fortalecer os programas e os partidos políticos. A elite brasileira não tem interesse nessa reforma política, que só poderá ser efetivada se houver uma grande mobilização popular que cobre do parlamento uma profunda qualificação da democracia representativa brasileira.

Vivemos, na conjuntura latino-americana, uma crise da hegemonia neoliberal. Isso nos coloca o desafio de construirmos uma alternativa concreta e viável de um novo projeto de desenvolvimento econômico e social de transição ao socialismo, que incorpore milhões de cidadãos brasileiros e latino-americanos através de um processo de socialização da política e do poder, que está na raiz do OP e da democracia participativa.

Pepe Vargas é médico, ex-Prefeito de Caxias do Sul pelo PT (1997-2004) e Ubiratan de Souza (Bira) é economista, ex-Secretário de Orçamento e Finanças do OP do Governo do Rio Grande do Sul (1999-2002), ex-Coordenador Geral do Gabinete de Planejamento do OP da Prefeitura de Porto Alegre (1993-1998).

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