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Voltar a Seattle, ir além de Porto Alegre

Esquerda deve privilegiar o esforço por convergências no FSM.

O esforço de se alcançar convergências políticas no Fórum Social Mundial depende da superação de três desafios. O primeiro, as diferenças políticas entre os atores da sociedade civil que constroem o Fórum. O segundo, a relação entre esses atores e os partidos políticos. Finalmente, a missão de conseguir avançar para além da simples construção de agendas comuns. O desafio maior, porém, está em como enfrentar esse processo sem aplainar a diversidade do Fórum, uma de suas maiores riquezas.

Na construção do FSM, podemos identificar duas origens políticas diferenciadas. Uma raiz mais antiga vem dos processos que – em pleno auge do neoliberalismo – foram desenvolvidos sobretudo por ONGs e centrais sindicais no sentido de pressionar os organismos multilaterais – a ONU em primeiro lugar – em defesa de mudanças na ordem mundial conservadora em construção.

A outra saiu dos escombros políticos, sociais e culturais deixados pela hegemonia neoliberal. Aparecerá como uma “nova geração política” pelo fato de estar integrada, sobretudo, por jovens. Porém, não se define pela sua faixa etária, mas por um conjunto de posturas políticas. A construção de estratégias baseadas na “ação direta”. A organização de “redes” locais e a rejeição às formas que “delegam” representação e poder. A fusão entre política e cultura e o uso de expressões culturais como ferramenta de resistência.

Há evidentemente toda uma zona cinzenta de experiências e organizações que transitam entre esses “dois pólos”. O que viria a ser o FSM foi “fundado” em 1999 em Seattle porque foi lá que pela primeira vez e de forma muito ampla e internacional essas duas culturas e todas suas nuances se unificaram na rua, mostrando as potencialidades das mobilizações comuns ou, pelo menos, articuladas. Isso teve um “efeito demonstração” instantâneo sobre inúmeras outras mobilizações que viriam a ocorrer na seqüência. Feita essa proeza por milhares de militantes anônimos, bastou depois às entidades organizadoras do “evento FSM” tentar transpor a um “método” o que as multidões tinham produzido na luta política.

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O desafio das convergências

Daí fica clara a importância do FSM como “espaço político” amplo, mas é também nesse ponto que surge o que se tem revelado como talvez sua maior fraqueza. Uma coisa é não se poder forçar na fase atual convergências mais estratégicas. Outra coisa é não buscar organizar ativamente as necessárias convergências.

Entre as dificuldades para essas convergências, a relação entre a “sociedade civil” e os partidos políticos é talvez uma das mais sensíveis. Não há dúvidas de que se vive uma “crise da política” e dos seus atores tradicionais (partidos, instituições do Estado etc.). Entre muitas razões críticas para essa crise, podem-se mencionar duas.

A primeira, o sentimento de que mudam governos, mas não mudam – ou pouco mudam – as políticas implementadas. A segunda, a percepção de que a lógica da construção dos partidos progressistas (sejam mais à esquerda ou mais moderados) é necessariamente burocrática, excludente, centralizadora etc. Na sua versão última, esse discurso afirmaria que a tentativa de tomar o poder construído pela burguesia nos faria assumir características similares às que afirmamos combater. Daí a hipótese de “mudar o mundo sem tomar o poder”.

Porém, há que se esclarecer que a “exclusão” de partidos na organização do FSM aconteceu num “segundo momento”. Qualquer um que revisar as primeiras atas do que viria a ser o primeiro Comitê Organizador do FSM de 2001 verá que havia a presença de uma representante da direção nacional do PT do Brasil.

A “separação formal” que aconteceu a seguir se deu, entre outras razões, pela dificuldade em conciliar as prioridades da “sociedade civil” (elaborar agendas alternativas) com as dos partidos políticos de maior peso (como construir a governabilidade uma vez no poder). Assim, o FSM se firmou como “espaço da sociedade civil” no qual os partidos políticos são observadores ou parceiros em atividades realizadas por organizações sociais, mas não eles mesmos “organizadores”.

Essa construção, contudo, não ajudará na definição do impasse estratégico. Serão necessárias novas formulações para “politizar a sociedade civil”, mas também para “democratizar a política”. O diálogo entre essas esferas, seu mútuo questionamento e a busca de novas sínteses são tarefas que o próprio êxito do FSM está pondo em pauta.

Em busca de novas sínteses

No espírito de pensar agendas comuns, em outubro de 2000 (isto é, quase quatro meses antes do primeiro FSM) uma reunião entre representantes da CUT e do MST discutiu a proposta de realizar dentro do FSM uma atividade que já em Porto Alegre seria conhecida como a “Assembléia dos Movimentos Sociais”, convocada em conjunto com várias redes internacionais. Em diversas modalidades, Assembléias similares aconteceram também nas seguintes edições regionais ou mundiais do FSM, sempre convocadas por um amplo leque de movimentos sociais. Iniciativas políticas importantes surgiram dessas Assembléias, como a manifestação mundial contra a guerra dos EUA contra o Iraque.

Contudo, até agora os debates políticos das Assembléias produziram somente calendários comuns. É preciso ir mais além. Trata-se de colocar as bases para que o reagrupamento que está em curso supere a inércia e a repetição da qual cada vez maiores contingentes de participantes do processo FSM se queixam. A “diversidade”, que é uma referência chave para o FSM, pode se converter também em uma deformação – já que por trás dela se esconde o receio de enfrentar os debates estratégicos e buscar superar as divergências de estratégia.

Para encarar de fato esse debate, é necessário que o FSM volte sempre ao “método de Seattle”, de uma construção ativa de unidade ampla para as ações nas ruas. Mas é também fundamental ir mais além do que até agora tem se conseguido nas edições de Porto Alegre e Mumbai. É preciso que amplos setores participantes do FSM mapeiem os impasses e discutam novas sínteses políticas para as esquerdas sociais e partidárias. E seria um erro tentar fazê-lo com referências delimitadas pela esquerda anterior. A nova convergência, portanto, deverá ser também um momento de fundação de uma esquerda para o século XXI.

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