Nos dias que antecedem a data e no máximo até o final do mês março, as mulheres viram temas de debates, programas de rádio, podcast, nas redes sociais e nas conversas do dia a dia. Mas apenas falar sobre o assunto não muda a realidade, é necessário também ações que possibilitem uma transformação real na vida das mulheres. É sobre alguns elementos fundamentais para “mudar a vida das mulheres para mudar o mundo e mudar o mundo para mudar a vida das mulheres” em um só movimento, que nós vamos discorrer ao longo deste breve texto.
Nós mulheres queremos mudar o mundo. O mundo que estamos construindo está sob os pilares da igualdade, liberdade, solidariedade e paz entre povos e nações. Todos esses pilares são bases anti sistêmica, pois são incompatíveis com o capitalismo e podem destruí-lo. Esses princípios possibilitam fazer conexões necessárias para o enfrentamento conjunto ao racismo, patriarcado, à lgbtfobia e ainda nos guiam na construção de alternativas.
Uma dessas alternativas é a auto-organização das mulheres, com base em um feminismo popular, militante e internacionalista. A nossa auto-organização precisa ainda estar conectada a processos de alianças estratégicas para o fortalecimento do feminismo como parte da luta anticapitalista, ou seja, o reconhecimento de que a luta feminista é uma luta antissistêmica e não apenas uma luta de especificidades das mulheres, como vez ou outra se ventila na sociedade e mesmo dentro da esquerda. O feminismo fortalece outros movimentos anti-imperialistas comprometidos com a paz real e que não toleram nenhum tipo de guerra.
No caminho das alternativas, também está a denúncia, seja nas ruas, redes e roçados, em ações diretas ou utilizando as mídias. Uma das denúncias que fazemos cotidianamente é a apropriação de muitas das ideias feministas pelo mercado, com o intuito de lucrar em cima das nossas pautas. O capitalismo lucra com a desigualdade entre mulheres e homens e lucra também fingindo que apoia a pauta das mulheres. É esse fingimento que chamamos de “maquiagem lilás”. Para o feminismo popular e militante não é suficiente o avanço apenas de algumas mulheres. O feminismo ou é pra todas ou não é feminismo.
Para transformar a vida de todas as mulheres, as ações e intervenções para a igualdade precisam estar onde cada mulher está, seja em assentamentos rurais, comunidades rurais e urbanas, territórios quilombolas, indígenas, tradicionais,mulheres do campo e das florestas ou das águas. Por isso as mulheres resistem às ações destrutivas do capitalismo em seus territórios. Muitas vezes esse capitalismo se veste de verde, para assim como com a maquiagem lilás enganar as mulheres, com a maquiagem verde enganar populações inteiras.
Um exemplo disso é o que fazem as empresas de energia eólica no Brasil, em especial no Rio Grande do Norte: destroem a mata nativa, matam espécies da Caatinga, adoecem a população, militarizam os territórios e semeiam a disputa entre famílias, amigos e comunidades inteiras, enquanto enterram suas torres em nossos solos e roubam sossego das populações locais para vender via fios de cobre e o nosso vento mundo afora.
São muitas as disputas políticas nos nossos territórios, nacional e internacionalmente. Situando o Brasil no campo das disputas, nas eleições de 2022, vencemos o representante maior do fascismo no Brasil. Mas a luta contra o fascismo não pode cessar, porque o fascismo continua no congresso, no senado, nas câmaras e na sociedade. Mas não é só a extrema direita que ataca os direitos das mulheres, a direita conservadora também.
Um exemplo mais recente de ataque às mulheres é a suspensão, da tão aguardada pelo movimento feminista, Nota Técnica Conjunta n. 2/2024 SAPS/SAES/MS, no dia 29 de fevereiro, que tratava de serviços de atenção às vítimas de violência sexual e outros casos de aborto previsto em lei. Isso demonstra que a luta não para e não pode parar, pois, desde 1940, que o aborto legal em caso de violência sexual é permitido, e que desde então a corrida para arrancar das vítimas esse direito é intenso e cotidiano.
Agora em 2024 é ano de eleições municipais, e por isso precisamos organizar a luta para impedir nas ruas e nas urnas a eleição de representantes do fascismo nas prefeituras e câmaras de vereadores. As eleições são também um importante campo de disputa e só a nossa luta pode garantir que nossos direitos sejam assegurados em âmbito também do local.
Sim, a cada ano, com a nossa resistência e luta, conseguimos avançar em muitos direitos, mas temos ainda muito o que avançar e, além disso, permanecer em luta para os direitos não serem pisoteados pela direita conservadora do Brasil. Ainda mais, temos que lembrar que nós mulheres ainda somos a maioria que se dedica aos cuidados. Ainda persiste a concepção de que as mulheres são cuidadoras natas, de que é parte do ser mulher o cuidar por amor. No mercado de trabalho, estas profissões ligadas aos cuidados são mais desvalorizadas e possuem os salários menores na escala das diferentes profissões no Brasil. Quando há remuneração pelo trabalho, ele é realizado na sua maioria por mulheres negras, das periferias e em condições precárias e sem direitos trabalhistas, em especial as trabalhadoras domésticas. Somos a maioria nessas profissões e a minoria em profissões ou cargos que exigem liderança.
Nessa sociedade, que impõe às mulheres tarefas do cuidado e do trabalho doméstico, nos deixam cansadas para sozinhas garantirmos a sustentabilidade. Sem o trabalho não pago e também os mal remunerados as pessoas vão adoecer. Para demonstrar o quão importante é o trabalho que as mulheres fazem de forma gratuita e ainda assim não são reconhecidas, se elas parassem todas as suas tarefas do cuidado, e se os homens ou o Estado não se assumissem esses cuidados, a humanidade desapareceria em pouco tempo, pois os humanos não sobrevivem sem comida e sem os cuidados de básicos de saúde.
No Dia Internacional das Mulheres muitas são os “elogios” que nos chamam de guerreiras, heroínas e privilegiadas por ser mulher. Somos guerreiras sim, todos os dias estamos na luta para vencer o machismo. Heroínas não, porque a nossa luta é coletiva e de muitas mulheres. E privilegiados são os homens, que por não se dedicarem aos trabalhos domésticos e de cuidados, tem mais tempo para a diversão, para o descanso e para galgar o degrau mais alto em suas profissões. Tudo isso prova que não somos heroínas e sim cansadas de tanto trabalho e violências. O trabalho doméstico e de cuidados é muito importante e por isso precisa ser socializado com os homens e com o Estado, com políticas públicas como creches, restaurantes populares, lavanderias coletivas.
Na agenda de luta das mulheres está a luta contra a mercantilização da vida e as privatizações, que avança sobre nossas vidas e territórios. Os bens como água, sementes, terra, vento, minerais e toda a biodiversidade são fundamentais para a manutenção da vida humana e não pertencem a nenhuma corporação e, sim, à humanidade. Como pertencem a todo mundo, não deveriam virar mercadoria e não poderiam ser privatizados, mas são.
Essa mercantilização da vida e as privatizações são financiadas por grandes corporações internacionais, como é o caso das energias eólicas no Brasil, que hoje contam com mais de 10 mil aerogeradores (apelidados pelas populações de cata vento gigante ou grandes ventiladores) distribuídos em mais de 1.100 parques, divididos em 12 estados do país, que já deixam o rastro de sujeira e destruição da vida humana, de animais e agora com risco para a vida marítima do Rio Grande do Norte, com a instalação do primeiro offshore do país. E no campo da mineração temos dois casos bem conhecidos de destruição total, que foi a Vale em Mariana e Brumadinho, no Estado de Minas Gerais.
A agenda é também sobre a autonomia de nossos corpos. E uma das lutas para garantir essa autonomia é a legalização do aborto no Brasil. Essa legalização é necessária e urgente, pois milhares de meninas e mulheres, em especial pobres e negras, sofrem quando precisam interromper uma gravidez indesejada. Muitas recorrem a clínicas clandestinas e por isso ficam com sequelas ou mesmo morrem, ou ainda em uma tentativa mal sucedida são obrigadas a assumir sozinha e solitária uma gravidez indesejada. O aborto não deve ser crime! É um direito das mulheres decidir sobre a maternidade, elas não podem ser obrigadas. Defender a legalização do aborto de modo que ele seja realizado pelo SUS deve ser um direito para garantia da autonomia e da vida das mulheres.
As nossas agendas de luta precisam também ultrapassar as fronteiras, por isso o internacionalismo, a integração dos povos e a solidariedade são parte da nossa luta. As guerras constituem uma forma de violência extrema e que transformam o corpo das mulheres também como campo de batalha, como acontece agora na Palestina, onde as mulheres são a maioria das vítimas civis dos ataques. Elas correspondem a 70% das pessoas assassinadas na Faixa de Gaza. Quando não perdem a vida, são expulsas das suas casas e territórios. Mais uma vez as corporações internacionais mercantilizando a vida ou, no caso das guerras, o mercado a serviço do genocídio, pois é a indústria armanentista quem mais lucra com esses assassinatos. Mas lucra também o mercado financeiro, que estimula a especulação financeira dos mercados que operam na bolsa do dólar, do petróleo e outros bens e serviços que ficam escassos e caros em territórios de guerra.
Nas ruas, redes e roçados, em Marcha, em só um movimento, para transformar a vida das mulheres.
Adriana Vieira é Coordenação nacional da MMM (RN).
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