Gustavo Caboco. “As tramas do jereré e o retorno do manto”
Agonia
Morro a morte
mais longa,
a espantosa morte
de um continente.
Morro há séculos
no corpo dos povos
exterminados.O coração lavrado
pelo fogo
dos bandeirantes,
bugreiros,
caçadores de escravos.Sou a boca aberta de milhões,
ferida sangrando
na carne da História.Dentes cerrados,
afio a flecha
a fogo e fúria.Retorno à Terra
– alma de meu povo –,
sem paz.Com as armas do meu uso
defendo sua memória
enterrada.Retorno à Terra
e convoco os ossos
dos guerreiros degolados
EMANCIPADOS
pelo fogo do Arcabuz!Retorno ao coração da terra
e dele retiro minhas armas:
o braço,
a borduna,
o canto dos mortos.Levanto-me,
a corda dos arcos
retesada,
o corpo das lanças
refundido,
sem descanso avançam
os portadores do fogo.
“Este poema não foi escrito hoje. Foi dedicado aos povos indígenas do Continente durante a campanha contra a falsa ‘Emancipação dos Povos indígenas do Brasil’, promovida pela Ditadura Militar, sob a coordenação do Ministro Rangel Reis, em 1978.” Pedro Tierra
Gustavo Caboco é um artista-pesquisador indígena, sediado no Paraná. “Kanau’Kyba e os caminhos da borduna Wapichana” e “As tramas do jereré e o retorno do manto” são obras do artista que escolhemos para ilustrar o poema de Pedro Tierra. Ambas estão publicadas no perfil do instagram do artista.