É preciso construir o melhor caminho para conquistar uma larga maioria eleitoral contra Bolsonaro, obter uma histórica vitória contra o neoliberalismo e já preparar as condições políticas para o exercício de um governo que atenda às necessidades urgentes e profundas dos trabalhadores e do povo brasileiro.
Desde 1989, quando o PT em aliança com o PSB e PCdoB disputou as eleições presidenciais pela primeira vez, estas que se realizarão em 2022 são certamente aquelas em que um potencial de uma vitória política e a construção de uma nova hegemonia estão decididamente mais estabelecidos. Em geral nas pesquisas, a candidatura Lula apresenta-se com um potencial, possível de ser viabilizado, inclusive de obter uma maioria de votos válidos no 1º turno.
A candidatura Bolsonaro enfrenta um tal patamar de rejeição cristalizada – entre 60 e 70 % da população – que suas chances de vitória eleitoral são mínimas e todas as suas bases de poder encontram-se em processo de crescente fragmentação e divisão. As candidaturas neoliberais alternativas de direita encontram-se fragmentadas politicamente, em disputa, e ainda sem capacidade de estabelecer uma coalizão política ampla.
Mais importante, o aprofundamento das políticas neoliberais levou o país a um tal grau de desastre sanitário, social, econômico e ambiental que hoje ele sofre o seu processo maior de perda de legitimidade política, muito mais profundo inclusive do que aquele após os dois governos FHC e que possibilitou a vitória da coalizão liderada por Lula em 2002. O PSDB, matriz e centro histórico das coalizões neoliberais no Brasil, está profundamente enfraquecido e dividido. Vive hoje a maior crise de sua história.
É decisivo compreender também que esta janela histórica aberta e disponível a uma vitória histórica decisiva sobre o neoliberalismo no Brasil comunica-se com uma conjuntura rica de crescimento e vitórias antineoliberais na América Latina e, de forma decisiva, com uma grave crise histórica do neoliberalismo nos EUA.
O caminho para a construção desta vitória sobre Bolsonaro e o neoliberalismo é, portanto, possível, necessária e incontornável. Se o bolsonarismo foi o último recurso possível para a aplicação do programa neoliberal no Brasil, pretender derrotar o bolsonarismo sem derrotar politicamente as forças econômicas e políticas neoliberais que o elegeram, sustentaram e ainda sustentam é trilhar certeiramente a direção do desastre político.
Unidade entre programa, estratégia e alianças
Para que este caminho virtuoso seja construído é preciso unir, de forma coerente e articulada, a defesa de um programa anti-neoliberal, a luta pela construção de um novo senso comum democrático e popular, a construção de uma frente orgânica de esquerda e centro-esquerda e a combinação da luta política eleitoral com um amplo processo de auto-organização nacional e unificado dos movimentos sociais.
Este programa anti-neoliberal foi construído ao longo de 2021, tendo como referência o documento “Reconstruir e transformar o Brasil” já aprovado pelo Diretório Nacional do PT. Partindo das necessidades mais sentidas pelo povo brasileiro – o combate à fome, ao desemprego e a retomada dos direitos do trabalho, à crise sanitária, a desprivatização, à necessidade de reativação das políticas sociais e o imediato estancamento da predação ecológica do país –, este programa deveria ser sintetizado em compromissos centrais de governo e legitimado pela ampla maioria dos brasileiros.
Será preciso, ao longo da campanha, travar com centralidade a luta de valores contra o neoliberalismo, sua cultura e sua linguagem, que naturaliza a ampla mercantilização da vida social, a desigualdade, a violência, e a opressão patriarcal e racialista, homofóbica, que desconstrói a cultura de uma verdadeira democracia participativa e dos direitos humanos. Como partido do socialismo democrático, será preciso anunciar um futuro de esperança para o povo brasileiro.
A proposta de federação de partidos, cujo início de construção foi já autorizada pelo Diretório Nacional do PT, deve se firmar a partir de um compromisso político contra Bolsonaro e o neoliberalismo com o PSOL, o PCdoB, o PSB, a REDE, buscando atrair também as fileiras do PDT em impasse crescente na esteira do isolamento da candidatura Ciro Gomes. Ela deve, com o novo impulso de atração eleitoral dos simpatizantes do PT, a formação de uma bancada orgânica ao programa de governo bastante superior àquela obtida em outros mandatos presidenciais.
Por fim, a retomada do sentido do grande movimento nacional unificado fora Bolsonaro deve vir às ruas e às redes neste de 2022. É preciso que os movimentos sociais se organizem em frente única, com suas plataformas de reivindicações, com seu calendário de manifestações, com suas redes de enraizamento territorial em cada estado e em cada cidade do país. Este movimento nacional unificado será fundamental para organizar a base social de um futuro governo, promover a participação em suas decisões —com democracia participativa, com seu protagonismo nos mecanismos de participação direta da população — e sustentar as suas políticas antineoliberais.
Pacto com neoliberalismo: um caminho para o desastre
Apesar de profundamente deslegitimado para a grande maioria da população brasileira e profundamente debilitado em sua capacidade de disputa política, após o acúmulo de retrocessos constitucionais, institucionais e de destruição do setor público desde 2016, o neoliberalismo encontra-se fortemente entrincheirado no Estado brasileiro. Seja no STF e no sistema judiciário, seja nas forças majoritárias no Congresso Nacional e nas Forças Armadas, prevalece um horizonte e um ideário neoliberais. Este verdadeiro sistema de trincheiras e defesas armadas pelo neoliberalismo – a perda de controle soberano sobre o Banco Central, a EC-95, a privatização em larga escala da Petrobrás, por exemplo – só pode ser enfrentada a partir de uma grande vitória política contra o neoliberalismo em 2022.
Por isso, a proposta de fazer um pacto com os neoliberais não bolsonaristas e com o sistema financeiro, base fundamental do poder neoliberal, é incompatível com o próprio sentido e programa de um futuro governo Lula, além de diminuir a potência possível de sua vitória eleitoral.
A proposição deste pacto com os neoliberais apareceu com mais nitidez em artigo do economista e ex-ministro da Fazenda do segundo governo Dilma, Nelson Barbosa, oferecendo de saída uma “âncora fiscal”, pensada a partir de uma matriz neoliberal de governança, como garantia e propondo uma união entre a “Faria Lima e as ruas”. Ora, é necessário exatamente o contrário: para unir a maioria do Brasil e o “povo das ruas” é necessário e incontornável impor uma derrota histórica e definitiva aos magnatas da Faria Lima!
Vai gravemente em um sentido semelhante a proposição de Alckmin como candidato a vice-presidente na chapa de Lula. Se é certo que Alckmin tem hoje um poder político dissolvido, marginalizado em um partido em crise, com uma expressão eleitoral duvidosa, ele é ainda um ator político ligado à história e protagonismo do neoliberalismo em seu principal reduto no país. Uma candidatura à vice presidência, ao invés, deveria ser escolhida a partir da Federação anti-bolsonarista e antineoliberal formada, de preferência por uma mulher para evidenciar a unidade entre o programa e o sistema de alianças.
Percorrer este caminho – o de fazer o pacto com o neoliberalismo antes de vencê-lo politicamente – levará necessariamente a um rebaixamento do programa necessário em pontos fundamentais, introduzirá uma profunda contradição na disputa de valores (como travar a disputa com o neoliberalismo se se alia a ele?), criará uma cisão nas alianças orgânicas necessárias à esquerda, além de atingir em cheio a identidade e protagonismo dos movimentos sociais em luta contra o neoliberalismo.
Quando se faz um pacto com o capital financeiro, quem paga a conta são exatamente todos aqueles que precisam para já de políticas plenas contra a fome, o desemprego, a crise sanitária e a retomada das políticas sociais. Quando se introduz como aliado orgânico o grande empresariado nacional quem paga a conta são os trabalhadores e os seus direitos. Quando se pactua com a grande rede de interesses do agro negócio, quem paga a conta são os povos originários, aqueles que precisam de uma reforma agrária, o próprio futuro ecológico do Brasil. E assim por diante.
A governabilidade a ser construída depende fundamentalmente do alcance da vitória política conquistada, da legitimidade do programa, de uma base parlamentar articulada a uma base social organizada e em movimento, de um sistema de alianças internacionais e de um processo de democratização do poder que permita a institucionalização dos conflitos em uma base mais democrática.
Há momentos históricos decisivos nos quais um partido precisa ter plena consciência de sua potência política de transformação social. Esta é a oportunidade histórica para impor uma derrota politica definitiva ao neoliberalismo no Brasil e não de (re)legitimá-lo através de um pacto vergonhoso, abrindo mão, mesmo que parcialmente, dos interesses fundamentais e históricos do povo brasileiro.