A cada ano são realizados milhares de abortos clandestinos no Brasil. O procedimento, que é considerado crime, está previsto no código penal e prevê pena de um a três anos de detenção para a mulher que o pratica, sendo permitido somente em caso de gravidez resultante de estupro ou de risco de vida para a mãe.
As brasileiras, como as mulheres em todos os países em que interromper a gravidez indesejada é crime, se utilizam de vários métodos para inseguros, que colocam em risco sua saúde e sua vida para realizar um aborto. Nas clínicas clandestinas a segurança e qualidade do atendimento dependem do preço. Em São Paulo, por exemplo, o procedimento custa em torno de R$ 2.500,00. Fica mais do que evidente que a possibilidade de fazer o aborto em condições adequadas e seguras de saúde não é acessível à grande maioria das mulheres. A realização do aborto em condições inseguras e suas sequelas são a terceira causa de mortalidade materna no Brasil. A grande maioria das mulheres que morrem são pobres, jovens, negras e moradoras do meio rural. As pesquisas revelam que quase 50% das mulheres que interromperam uma gravidez são casadas ou vivem com companheiros, e têm filhos. A falta de acesso permanente e estável à anticoncepção é um dos fatores principais da gravidez indesejada. Porém é determinante o padrão de sexualidade, a recusa dos homens em usar a camisinha e em assumir também a responsabilidade pela anticoncepção.
Discutir na sociedade brasileira a descriminalização do aborto é um desafio importante e necessário. O debate deve ser incorporado pelo conjunto dos movimentos sociais, partidos e setores progressistas e de esquerda. A defesa da autonomia das mulheres é central, assim como o combate à hipocrisia que criminaliza as mulheres e coloca suas vidas em risco. Também é necessário avançar em relação à laicidade do Estado. Se isso demanda um forte processo de mobilização e luta do movimento de mulheres, construindo processos de aliança mais amplos, exige, antes de tudo, uma coerência da militância de esquerda na defesa dos direitos das mulheres.
O movimento de mulheres, nos últimos anos, tomou a iniciativa de aglutinar forças sociais em torno da necessidade de debater e lutar pela descriminalização do aborto, com a constituição da Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto. A Frente tem se reunido periodicamente e realizado ações de conscientização e atos públicos sobre o tema. Apesar da ofensiva dos setores conservadores contra a legalização, o movimento de mulheres segue procurando dialogar com os mais diversos setores.
O ano de 2013 não tem sido fácil para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Foram inúmeras as tentativas das forças conservadoras em violar esses direitos, seja por meio de projetos de lei como o Estatuto do Nascituro, seja pela ofensiva para vetar a lei, sancionada pela presidenta Dilma, que garante atendimento a vítimas de violência sexual, ou ainda pela massificação, principalmente nas redes sociais, de um discurso “pró-vida”, no qual a vida da mulher é o menos importante. Por isso, é necessário ficarmos atentas/os aos projetos que tramitam no legislativo sobre o tema. Há inúmeros deles que versam sobre a questão do aborto, tanto os que propõem aumentar as restrições atuais, aqueles que querem reduzir essas restrições, e os que tratam o aborto de forma acessória. Muitas vezes o problema é tratado como uma ação individual, não dando nenhuma garantia de assistência médica às mulheres. Ou ainda projetos em que o sujeito pleno de direito é o óvulo, se sobrepondo aos direitos e a integridade das mulheres. É o caso do Estatuto do Nascituro, ou do projeto conhecido como “bolsa estupro”, entre outras iniciativas. No Rio de Janeiro, por exemplo, a bancada conservadora da Assembleia Legislativa (ALERJ) trouxe para a pauta do seu plenário o Projeto de Lei nº 416, de 2011, que propõe um “Programa Estadual de Prevenção ao Aborto e Abandono de Incapaz”, criando para tal, as “Casas de Apoio à Vida”, que seriam utilizadas “nas hipóteses de estupro, gravidez indesejada ou acidental, em que a mulher não dispuser de meios e apoio para uma gestação segura” (!!!!). Este projeto, que aparece em distintas versões em outros estados, se insere no contexto de uma ofensiva conservadora contra a luta das mulheres pela legalização do aborto. Esta proposta não só dificulta o debate sobre o direito das mulheres ao seu corpo e escolha em relação à gravidez e à maternidade, como retrocede ao propor que as mulheres vítimas de estupro, que hoje estão entre as poucas mulheres que têm o direito ao aborto garantido pela lei, não exerçam este direito.
Neste 28 de setembro, estamos nas ruas para reafirmar que a luta no Brasil é pelo direito integral das mulheres, separando a sexualidade da reprodução obrigatória. Ter ou não ter filho, e o direito de interromper uma gravidez indesejada, portanto de recorrer ao aborto, tem de ser uma decisão da mulher, sem que qualquer tipo de constrangimentos e violências de ordem legal, moral, psicológica, ética e médica recaiam sobre elas. Além disso, é preciso dizer um basta à realidade de mulheres morrendo em consequência de abortos clandestinos. É preciso fazer coro às feministas que estão nas ruas afirmando: o corpo é nosso, é nossa escolha, é pela vida das mulheres, LEGALIZE!
Coordenação Nacional da Democracia Socialista, 28 de setembro de 2013.