Pesquisadores analisam e comentam os ataques antidemocráticos de grupos bolsonaristas aos Três Poderes da República no último domingo.
Os ataques antidemocráticos aos Três Poderes da República no último domingo, 08-01-2023, são “a efetivação do bolsonarismo na sua dimensão mais natural, que é a dimensão da morte e da destruição como projeto”, disse o historiador Michel Gherman na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Segundo ele, ações violentas indicam que “estamos contaminados com o nazismo no âmago da nossa política” e que “setores importantes da política nacional se vincularam ao bolsonarismo, achando que ele era uma alternativa política concreta”.
Para o sociólogo William Nozaki, os atos gravíssimos evidenciam que a “fronteira da polarização social foi ultrapassada em direção ao terrorismo, ao vandalismo e à barbárie. (…) Esses atos resultam da cultura política autoritária e miliciana inerente ao bolsonarismo. Tudo isso depositado sobre um tecido social marcado por fenômenos como as desinformações e distorções produzidas pelas redes sociais, a apologia armamentista e o fundamentalismo religioso. O resultado: uma parte da sociedade brasileira se radicalizou e se descolou da realidade, há uma espécie de histeria coletiva, de catarse caótica”. Os episódios, disse na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao IHU, “inauguram um novo capítulo da atuação da extrema-direita no país, por isso eles devem ser enfrentados com rapidez e contundência”.
Na opinião do sociólogo Piero Leirner, o Estado foi atacado por “agentes das mais variadas matizes” e, embora muitos avaliem os atos de vandalismo como um golpe, o pesquisador aposta em outra análise. “A característica ‘organizada’ de um golpe com atores que visam uma troca de regime estava obliterada. Isso é típico de uma chave militar pós-moderna, tal como se vê nas tais guerras híbridas, quando agentes das mais variadas matizes entram num processo de dissonância cognitiva e agem como procuradores de algo cujo objetivo não está claro nem para eles mesmos. Quem assumiria? Qual seria a organização/liderança que galvanizaria essa energia toda? Bolsonaro? Bem no momento que ele não estava mais presente para catalisar essas aspirações? Então, embora a pintura pareça com a do Capitólio, é bem diferente. É tão heterodoxo que não se chega ao menor consenso terminológico para classificar aquela horda: golpistas, terroristas, bolsonaristas radicais e até manifestantes – deu para ouvir tudo isso. Difícil sintetizar, até onde sei, tinha gente com as mais variadas ‘chaves de acionamento’ ali: religiosas, morais, liberais, anticomunistas, antipovo, enfim, um monte de gente diferente, mas com uma régua comum: implodir a política – amplo senso – evocando um ethos da guerra“.
Os professores e pesquisadores Tiago Medeiros, Rodrigo Ornelas, Sinval Silva de Araújo e Fábio Baldaia apontam, em entrevista conjunta concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, que “o eco dessa criptonormativa” exercida desde sempre no governo Bolsonaro “nunca deixou de insuflar os militantes mais radicais e mesmo entre parte dos tidos como mais moderados paulatinamente encontraram justificativa”. Além disso, lembram que essas forças acabaram infiltrando especialmente as forças policiais e militares. “A inação policial possivelmente justifica-se ainda pela penetração do ideário bolsonarista nas polícias e Forças Armadas, o que tem gerado inclusive excesso de cuidado e certo receio por parte das elites políticas na condução da situação de caos que instalava”, observam.
Os quatro também chamam atenção para uma possibilidade de não se ter compreendido plenamente o que seria essa vitória de uma coalização pela democracia. “Há uma confusão no que a imprensa tem dito, a saber, que a frente democrática venceu a eleição e, portanto, a democracia venceu. Não. A democracia ainda é como um valor abstrato estreitamente associado ao sufrágio e totalmente desvinculado da vida ordinária dos brasileiros e brasileiras. E são esses os que aceitam a aventura do autoritarismo e do simplismo que Bolsonaro sempre manipulou”, pontuam.
William Nozaki é graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo – USP, com ênfase em Ciência Política, e mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, com ênfase em História Econômica. Atualmente é doutorando em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, docente do curso de Ciências Sociais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, onde também coordena a Cátedra Celso Furtado.
Michel Gherman é graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Sociologia e Antropologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém e doutor em História Social pela UFRJ. É docente adjunto do Departamento de Sociologia da UFRJ e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos – NIEJ, do Instituto de História da UFRJ. Coordena também o Laboratório de Religião, Espiritualidade e Política – LAREP do Departamento de Sociologia da UFRJ. É pesquisador associado do Centro de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo – USP, pesquisador associado do Centro Vital Sasson de Estudos de Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém. Também é professor do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ. É diretor acadêmico do Instituto Brasil Israel. Recentemente, publicou o livro O não judeu judeu: a tentativa de colonização do judaísmo pelo bolsonarismo (Fósforo Editora, 2022).
Piero Leirner é graduado em Ciências Sociais, mestre em Ciência Social (Antropologia Social) e doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo – USP. É também professor titular de Antropologia da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
Confira as entrevistas clicando AQUI.
Por: Patricia Fachin e João Vitor Santos
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