Em alusão ao aniversário de Marx, comemorado neste 05 de maio, publicamos contribuição de Juarez Guimarães sobre a tradição marxista no Brasil. “A luta pela superação do neoliberalismo enquanto princípio de civilização dominante se vincula organicamente aos desafios do marxismo revolucionário em construir uma cultura do socialismo democrático e um programa de resolução da crise de civilização.”
1 – O passado, presente e futuro do marxismo revolucionário brasileiro, em sua singularidade, deve ser pensado em relação à história e futuro do marxismo revolucionário mundial. As tradições marxistas orientadas para a revolução se inscrevem e se relacionam organicamente à própria história do socialismo democrático. Esta história pode ser pensada em quatro momentos: fundação, cisão, cristalização estalinista e dispersão.
Se pensado como uma filosofia da práxis da emancipação socialista, em luta permanente com o capitalismo, o marxismo revolucionário não tem um curso teórico autonomizado das experiências das próprias classes trabalhadoras. Desde a sua origem, é em relação com a práxis socialista das classes trabalhadoras que ele pode ser compreendido na história.
2 – O ato de fundação do marxismo revolucionário – o Manifesto Comunista de 1848, é uma síntese de Marx e Engels que se diferencia dos outros socialismos e anticapitalismos da época fundamentalmente através do conceito de autoemancipação. A crítica ao capitalismo, que se tornará sistemática na obra inacabada “O Capital”, é centralmente voltada para compreender a sua dinâmica em contradição com a potência emancipatória das classes trabalhadoras. Uma primeira formulação de um Estado de transição para o socialismo amadurecerá através das reflexões sobre o programa e a experiência da Comuna de Paris.
À diferença dos socialismos iluministas (que se propunham a desenhar projetos de sociedades alternativas), dos socialistas substitucionistas (que propunham a libertação das classes trabalhadoras por vanguardas autonomizadas), dos socialistas adeptos da construção de experiências tópicas, mas exemplares (acreditando na força própria de convencimento destas experiências), dos vários reformismos ou projetos sectários da época, o marxismo revolucionário de Marx e Engels se propôs a ser parte dos movimentos democráticos e classistas a partir de um programa anticapitalista. Esta identidade central abriu o marxismo revolucionário para a história viva das lutas anticapitalistas no século XIX, como herdeiro do humanismo democrático e das lutas dos oprimidos, formou a I Internacional e projetou o seu futuro como consciência crítica das lutas pelo socialismo democrático.
3 – O período de expansão do marxismo como identidade e referência na formação dos partidos de trabalhadores na Europa, com exceção da Inglaterra, da chamada II Internacional, foi ao mesmo tempo, o momento de sua cisão como uma filosofia da práxis da emancipação socialista. Este movimento de cisão, que se expressou em sua identidade por várias filosofias deterministas alternativas da história e em sua prática pela adoção de estratégias e programas reformistas da ordem capitalista, nunca mais foi superado. Mais do que plural, o corpo teórico do marxismo no século XX foi desde sempre atravessado por antinomias filosóficas, isto é, por fundamentos filosóficos incompatíveis. Foi, em geral, nas alas esquerdas destes partidos chamados sociais-democratas que um marxismo revolucionário e a aspiração de um socialismo democrático continuou a vicejar.
Este princípio de cisão já estava, de fato, enunciado na obra de sistematização do marxismo do último Engels, que encaminhou a autocompreensão do marxismo para um viés cientificista e determinista histórico, fraturando a sua identidade como filosofia da práxis. O marxismo da II Internacional, em suas variantes, de Plekhanov à Kautsky, do austromarxismo à Bernstein, em seus vários contextos nacionais, já se apresentava profundamente fraturado em seus fundamentos. A cisão entre reforma e revolução, entre nacionalismo e internacionalismo, dramatizada com a eclosão da I Guerra Mundial, expressava esta cisão na política. Foi na Alemanha, na Itália, mas principalmente na Rússia que se expressou nas alas esquerdas dos partidos da II Internacional o desenvolvimento de um marxismo revolucionário.
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