Toda mídia comentava que a França faria um “zig” à direita no segundo turno das eleições legislativas. Eis que no domingo ela fez um “zag” à esquerda, para surpresa geral.
Isto quer dizer que a estratégia do presidente Macron, dissolvendo o parlamento nacional depois da derrota na eleição para o parlamento europeu, deu certo?
Sim e não. Sim: sua coligação saiu de uma derrota humilhante no primeiro turno para um honroso segundo lugar no turno decisivo. Não: se ele não está às voltas com o projetado governo da extrema-direita, ele está agora às voltas com um projetado governo da coligação de esquerda.
Como nenhuma coligação obteve maioria absoluta, não se pode dizer que haja um vencedor insofismável na eleição, embora a coligação de esquerda tenha sido a mais votada. Mas fica claro que há um perdedor: o Rassemblement de Marine Le Pen e Jordan Bardella, que, de vitorioso no primeiro turno, se viu reduzido a um humilhante terceiro lugar no segundo.
Por outro lado, se não conseguiram a maioria absoluta, as esquerdas francesas desenvolveram uma tática claramente bem sucedida. Em primeiro lugar, por se unirem entre si, superando as tradicionais divergências. Em segundo lugar por desenvolverem, sempre que possível, uma frente comum com candidatos e eleitores da centro-direita de Macron, para barrar o caminho da extrema-direita. Segundo comentários na mídia francesa, em 134 distritos eleitorais candidatos de esquerda abriram mão da sua candidatura em favor de um candidato da centro-direita melhor colocado, enquanto em outros 82 aconteceu o contrário, com o candidato macronista desistindo, em favor de um candidato de esquerda.
O que acontecerá a seguir? Ainda é cedo para se ter um quadro definido. O presidente Macron declarou que “respeitará o resultado da eleição”. A lógica desta declaração diz que ele deverá chamar a liderança do bloco de esquerda para formar o governo. Como isto vai repercutir em seu próprio partido, o Renaissance, que se mostrava dividido a este respeito?
Do outro lado do espectro político, o que fará a direita tradicional, do partido Lee Republicains, que deve permanecer com algo entre 60 e 65 deputados dos 577 no parlamento? Vão se unir ao Rassemblement para formar um bloco de oposição? Tentarão puxar uma ala de macronitas para seu lado?
Muita água ainda vai correr por debaixo destas pontes antes de termos respostas concretas.
Uma coisa é certa. O resultado da eleição francesa derrotou o preconceito contra estrangeiros, imigrantes ou refugiados. Logo antes do segundo turno reportagens na mídia europeia davam conta da importância de temas constantemente veiculados nos meios de comunicação, ligando imigração e violência, para consolidar o apoio às propostas xenófobas da Rassemblement, sobretudo nas pequenas cidades do meio rural.
Esta vitória do respeito às diferenças é muito significativa na Europa de hoje, aliada à promessa do governo trabalhista recentemente eleito no Reino Unido de suspender a deportação de imigrantes considerados irregulares para Ruanda, na África.
A xenofobia, ou seja, o preconceito contra os estrangeiros, é uma ameaça que paira sobre a Europa inteira, dando força aos partidos de extrema-direita.
Flávio Aguiar é jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP.
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