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A União Europeia corre perigo? | Flávio Aguiar

Em quase toda a Europa os partidos de extrema-direita vêm crescendo em percentual de votos de eleição em eleição.

Na Itália a extrema-direita está no poder, com o governo de Giorga Meloni e seu partido, o Fratelli d’Italia.

Na França o Rassemblement National, liderado por Marine Le Pen, só não cresceu mais na última eleição antecipada para o Parlamento devido a uma manobra conjunta da Nova Frente Popular, das esquerdas, e de setores do partido Renaissance, do presidente Emmanuel Macron. A NFP e o partido de Macron fizeram frente comum em vários departamentos em favor do candidato que tivesse melhores condições para derrotar o Rassemblement.

Na Alemanha o Alternative für Deutschland, Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita, cresceu significativamente nas recentes eleições regionais em três províncias alemãs. Foi mais votado na Turíngia e o segundo mais votado na Saxônia-Anhalt e em Brandemburgo, a província que circunda Berlim, assim como o estado de Goiás circunda Brasília.

Entretanto o maior impacto que este crescimento da extrema-direita produz nestes países e no continente não está no sucesso, mesmo que parcial, nas votações. Até o momento os demais partidos de todo o espectro político, das direitas tradicionais ao centro e às esquerdas têm se recusado a fazer coalizão com a extrema-direita para governar.

O maior impacto provocado pelos partidos de extrema-direita  é o de puxar a pauta política de quase todos os outros partidos  mais para a direita, sobretudo no que se refere aos preconceitos contra refugiados e imigrantes.

Por exemplo, na Alemanha o tradicional partido de esquerda, Die Linke, rachou. Uma de suas principais lideranças, a deputada federal Sarah Wagenknecht, formou um novo partido com seu nome. E no que se refere ao tema da imigração e dos refugiados se aproximou da pauta da direita, defendendo um maior controle nesta área para evitar o rebaixamento dos salários e direitos dos trabalhadores alemães. Teve sucesso, saindo-se bem naquelas eleições regionais antes mencionadas.

Na França o presidente Emmanuel Macron recusou-se a formar um novo governo com a Nova Frente Popular, que foi a mais votada nas eleições parlamentares, e nomeou um primeiro ministro da direita tradicional, Michel Barnier, do partido Les Republicains, conhecido por suas posições em favor de mais restrições para a imigração. O novo ministro do Interior, Bruno Retailleau, conhecido como um político de direita linha dura, anunciou que seu programa é “ter mais ordem, mais ordem nas ruas e mais ordem nas fronteiras”.

Entretanto o movimento de maior impacto nestas guinadas para a direita veio do governo alemão. Este anunciou que está retomando temporariamente o controle sobre suas fronteiras terrestres com os países vizinhos para conter os imigrantes e refugiados que, a partir destes, tentam mudar-se para a Alemanha.

Na maior parte da Europa vige um acordo que estabelece a chamada Área de Schengen, prevendo a livre circulação de pessoas e veículos entre os seus países membros. Este acordo começou a ser costurado em 1985, quando cinco dos dez países que então compunham a Comunidade Econômica Europeia: Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Holanda e Luxemburgo concordaram em facilitar o trânsito através de suas fronteiras. O acordo foi assinado na cidade de Schengen, em Luxemburgo, que batizou-o. Posteriormente novos acordos e admissões entraram em vigor, em 1990, assinado mais uma vez em Schengen, e em 1999, em Amsterdã, na Holanda. Por este último acordo, a Área de Schengen foi reconhecida como lei internacional pela União Europeia, fazendo com que ele passasse a ser um de seus pilares de sustentação.

A medida alemã provocou reações negativas imediatas não só nos países vizinhos, mas no continente todo. Teme-se que a vigência da medida se amplie e provoque medidas semelhantes, de retaliação, em outros países, pondo em risco a existência da Área de Schengen e por tabela a própria União Europeia, pelo menos no seu formato atual.

A existência da União sempre foi motivo de críticas por parte dos partidos de extrema direita. Mais recentemente a maioria destes partidos deixou de reivindicar o fim da União. Mas eles continuam a reivindicar a modificação do seu estatuto, em favor de um reforço das soberanias nacionais. E um dos motivos centrais destas reivindicações é o maior controle e até mesmo a repulsa a refugiados e imigrantes, sobretudo àqueles que venham do chamado Sul do mundo, ou dos países muçulmanos. O anúncio do governo alemão é visto como uma concessão diante de tais pressões.

Como isto vai afetar a União é algo para se verificar no futuro. O risco de afetar seriamente seu estatuto não é imediato, mas não é desprezível, sobretudo num momento em que, devido à guerra na Ucrânia, crescem as inquietações sociais e econômicas em todo o continente, com guinadas à direita de muitos de seus eleitores e um retorno da valorização das atividades e investimentos militares, com vários países reforçando seus arsenais de guerra e com os Estados Unidos anunciando a reinstalação de mísseis e ogivas nucleares na Europa, além da Rússia estar anunciando mudanças em sua política em relação à contenção das armas nucleares.

Em matéria de militarismos o currículo passado da Europa não é dos melhores, sendo que a União Europeia, em parte, foi concebida depois da Segunda Guerra como um antídoto contra o risco de tais conflitos.

Flávio Aguiar é jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP.

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