Mais deputados ou reforma política democrática?

Raul Pont

O veto do presidente Lula ao projeto de lei aprovado pelo Congresso aumentando 18 novos mandatos na Câmara Federal foi acertado, corajoso e necessário. O crescimento econômico e a expansão demográfica não possuem o mesmo ritmo, não são idênticos entre os Estados da Federação. Por isso, a legislação prevê ajustes temporais nas representações parlamentares e é lógico que os censos decenais sejam o parâmetro das correções necessárias.

Foto: Wikipedia Commons

O não cumprimento regular de fazer a adequação pela Câmara Federal levou o Estado do Pará a suscitar ao Supremo Tribunal Federal que fizesse valer a norma. Este determinou à Câmara que o fizesse. Caso contrário, o Tribunal Superior Eleitoral o faria com base nos dados do último Censo. 

A Câmara Federal não cumpriu seu papel. Sob a presidência de Hugo Motta (Republicanos – PB), a Câmara tomou a pior decisão. Para não haver conflito interno, crise entre os partidos, pois se alguns Estados poderiam ganhar mais uma ou duas vagas, outros iriam perder, o caminho foi criar mais 18 vagas, no velho jeitinho de contentar a todos as custas do erário.

O projeto aprovado não cumpriu a exigência judicial, não ajustou a representação à nova realidade demográfica do Censo e ampliou, ainda mais, a falta de critério justo e democrático na proporcionalidade da composição da Câmara Federal. Por isso, o veto presidencial foi acertado e corajoso. Enfrentou a maioria fisiológica do Centrão e da Direita que tentou manter o governo sob cerco permanente, com a chantagem de emendas parlamentares, com a ameaça do impedimento e, inclusive, com a infidelidade dos partidos que estão no governo usufruindo ministérios e, simultaneamente, no Parlamento são oposição.

Essa postura incoerente e oportunista é incompatível com o regime democrático, que pressupõe governabilidade e respeito ao programa aprovado pelos eleitores. O veto presidencial foi também necessário para sinalizar a urgência do debate e de correções no sistema político-eleitoral brasileiro e não casuísmos que só aumentam as distorções na representatividade da composição atual da Câmara Federal. Essa é uma das questões centrais da legitimidade do caráter democrático nos países com sistemas de representação partidária e, no caso brasileiro, numa federação com enormes desigualdades econômicas e demográficas em sua formação histórica. 

A Carta de 1988, por seu caráter congressual e conciliador e não uma Constituinte exclusiva e soberana, é responsável por muitas dessas distorções. No sistema eleitoral, contentou-se em copiar a herança da ditadura empresarial-militar de 1964. A cada crescimento eleitoral da oposição consentida, a velha Arena e o regime autoritário criavam formas de sobrevivência para manter maioria com cassações de mandatos ou com mecanismos mais disfarçados como o “senador biônico” via indicação pelas assembleias estaduais ou a criação de novos Estados como ocorreu com os antigos Territórios Federais, ou ainda dividindo Estados já existentes, garantindo a todos um piso mínimo de oito deputados federais, mesmo sem população que justificasse essa proporcionalidade. E, para garantir uma brutal distorção, um teto aos Estados mais populosos de um máximo de 60 deputados, mais tarde (anos 90) ampliando para o limite atual de 70 deputados.

O impressionante no atual Congresso é que o casuísmo inventado na Câmara para atender reclamos de alguns Estados, não cogitou nem abriu debate com a cidadania, nem colocou na pauta a distorção maior, verdadeira fraude eleitoral que o país vive com a existência do piso e do teto na representação dos Estados na Federação atual. Será que a Câmara e o Senado não fizeram nenhuma pesquisa, nenhuma consulta às assessorias das duas Casas, para elaborar um projeto mais realista, mais decente para garantir mais legitimidade ao atual sistema eleitoral e representativo do país?

Bastaria somar, pelo Censo de 2022, a população dos dez menores Estados do país e ver que pouco mais de 21 milhões de brasileiros elegem 80 deputados federais (além de 30 senadores) e que São Paulo, com 46 milhões de habitantes, está limitado ao teto de 70 deputados federais (e três senadores), em um Congresso onde as duas Casas tem, praticamente, as mesmas competências. Esses números não fizeram parte do debate no Congresso sobre o projeto casuístico vetado pelo presidente Lula.

A grande mídia monopolista e os “cientistas políticos” entrevistados limitaram suas críticas ao casuísmo e à elevação dos gastos públicos com um Congresso já caríssimo, burocratizado e sempre atento aos privilégios. Mas, sem questionar a verdadeira distorção do sistema eleitoral brasileiro com sua brutal desproporcionalidade na representação da cidadania, no atraso histórico e no personalismo do voto nominal, no clientelismo e na corrupção das emendas parlamentares, mais uma vez, o tema ou uma profunda reforma passaram em silêncio e na cumplicidade da mídia com a ordem vigente.

Do presidente Lula precisamos mais que o veto que corre o risco de ser derrubado no Congresso, mas a iniciativa de abrir esse debate público com a dimensão da crise de governabilidade e de legitimidade democrática que vivemos. O primeiro passo é firmar, com os partidos da base governista, a manutenção do veto no Congresso. A maior vítima desse sistema eleitoral é o povo brasileiro, mas para o governo e a frente de esquerda que o elegeu e o apoia é questão de sobrevivência torná-lo um debate público e mobilizador por uma verdadeira reforma política no país.

Raul Pont é ex-deputado estadual e ex-prefeito de Porto Alegre.

Julho de 2025

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