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TV digital: o que está em jogo?

Jornal DS – 18. Sociedade tem sido excluída das discussões por ministro.

Nas últimas semanas, através de jornais de grande circulação e em inserções ao longo da programação televisiva, a sociedade brasileira foi bombardeada pela posição da poderosa Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) acerca de um tema ainda nebuloso para a maioria: a implantação da tecnologia digital na TV brasileira. Mas o que realmente está em jogo nesse processo?

Ao contrário do que fazem pensar as intervenções da Abert, o advento da TV digital não se reduz à melhoria de qualidade e de som, tampouco à perspectiva de transmissão e recepção móvel. A implementação da TV digital envolve questões como a democratização das mídias; inclusão digital; preservação da diversidade cultural e regional brasileira; desenvolvimento da indústria nacional. Ou o aprofundamento da nossa dependência econômica e tecnológica em relação aos países do centro do capitalismo mundial; o aumento da distância entre pequenas e grandes emissoras e a conseqüente manutenção de um quadro de concentração da mídia; o estrangulamento de produções independentes; a criação de “categorias” de telespectadores, que teriam acesso aos serviços da radiodifusão de acordo com o que podem pagar.

Ou seja; estamos falando, mais uma vez, da prevalência ou não dos interesses privados sobre os interesses públicos.

Sendo assim, para que o Brasil tenha condições de se inserir autonomamente nesse processo, não é possível que as decisões sejam tomadas a toque de caixa, excluindo a imensa gama de interessados no assunto. Não há razão alguma, do ponto de vista do interesse público, que justifique a pressa da Abert e do ministro das Comunicações, Hélio Costa, nas decisões que envolvem o SBTVD.

DF - TV DIGITAL/ PROTESTO - ECONOMIA - Um grupo de estudantes de telecomunicações do Instituto Nacional de Telecomunicações de Minas Gerais protesta em frente ao Ministério das Comunicações, contra a decisão do governo federal de adotar um padrão estrangeiro para o Sistema Brasileiro de TV. 09/03/2006 - Foto: ED FERREIRA/AGÊNCIA ESTADO/AE
Mais participação. Estudantes mineiros protestam em frente ao

Ministério das Comunicações.

Por que a pressa?

A primeira e mais evidente razão para frear essa pressa reside no fato de a população brasileira estar alheia ao andamento das discussões. Pouca gente sabe, por exemplo, que universidade brasileiras demonstraram sua capacidade de criar um sistema de TV digital brasileiro que seja interoperável com os demais sistemas existentes, evitando o isolamento do país – permitindo, assim, fugir da falsa “lista tríplice” entre estadunidenses, europeus e japoneses. Mas não se fala nisso.

Essa proposta reuniu 80 grupos de pesquisa e recebeu um investimento de R$ 50 milhões do governo. A proposta era construir parte do sistema e pegar algumas coisas prontas. Enquanto isso, o encaminhamento do Ministério das Comunicações vai no sentido de assumir o sistema japonês e talvez fazer adaptações para que ele funcione no Brasil, o procedimento inverso.

A exaltação da alta definição, por parte da Abert, também chama a atenção. Acontece que, quanto mais alta a definição, menos espaço sobra no espectro de radiofreqüência. Ou seja: disponibilização de mais canais. Uma maior pluralidade de canais, além de favorecer o combate à concentração da mídia em poucas mãos, poderia ajudar a combater um outro mal decorrente deste: a centralização da produção no eixo RJ-SP.

De acordo o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, entidade que integra o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), é possível equacionar as duas coisas, combinando qualidade de imagem de DVD com a otimização do espectro. Mas não se fala nisso.

Outro aspecto importante do debate é a inclusão digital, de que forma e servindo a quais fins ela se dará. A TV digital traz a possibilidade de o espectador deixar de ser apenas um receptor passivo, proporcionando algum grau de interação. Mas que tipo de interatividade o sistema brasileiro vai estimular? O do “supermercado”, que muito interessa às emissoras, ou seja, a possibilidade de os espectadores comprarem produtos expostos em novelas e programas de TV com um “clique”? Ou governo eletrônico, acesso a páginas na internet, a correio eletrônico? Também não se fala nisso.

A opção das emissoras

Fica a pergunta: por que o ministro Costa e as emissoras de TV defendem uma definição, possivelmente precipitada, pelo padrão japonês?

As justificativas apresentadas não convencem. A possibilidade de transmissão móvel, para celulares, por exemplo, ao contrário do que diz a Rede Globo, não é exclusividade do padrão japonês. A questão é como operacionalizar isso. A inclusão das empresas de telefonia no processo, por exemplo, abriria mais concorrência, o que, de cara, desagrada a Abert. Mas é mais ainda que isso. Todos os padrões apresentados, inclusive o brasileiro, Sorcer, desenvolvido pela PUC/RS, são capazes de efetuar a transmissão móvel. “A Globo precisa dizer por que a insistência no padrão japonês, então”, questiona Diogo Moyses, do Intervozes.

Um dos trunfos apresentados pelo ministro Hélio Costa é a disposição (não garantida) dos japoneses de abrir uma fábrica de semi-condutores no Brasil. Medida insuficiente diante do que poderia ser, segundo o deputado federal Walter Pinheiro (PT/BA), cujo mandato também integra o FNDC: “Uma vez instalada aqui, a fábrica teria exclusivamente a aplicação de design, porque o cérebro do chip continua sendo de desenvolvimento deles”.

Mais do que de uma bela imagem, a sociedade brasileira precisa ser incluída no debate e nas decisões, a fim de que a definição a ser tomada esteja a serviço de muitos, não dos poucos detentores do monopólio da comunicação de massa no Brasil. “Isso não é uma decisão nem de governo, nem de governante, muito menos de ministro”, afirma Pinheiro. “Isso é uma decisão de nação. Vai interferir nos próximos 40 anos de nossas vidas, na democracia e na economia do país”.


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