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A armadilha dos privilégios ou o lugar das mulheres nas disputas políticas | Clarisse Paradis

No primeiro debate entre candidatas/os presidenciáveis na campanha eleitoral de 2022, esteve na ordem do dia o lugar das mulheres nos projetos políticos para o Brasil. Os temas da violência sexista e da sub-representação política desconcertaram os candidatos presentes e projetaram as candidatas mulheres, especialmente a assertiva Simone Tebet, que tem atuado para se gabaritar como candidata viável da terceira via.

Foto: Ricardo Stuckert

A recorrência das questões sobre as mulheres escancarou mais uma vez o machismo e misoginia de Bolsonaro, demonstrando que esse sujeito criminoso é inimigo direto e frontal de um projeto igualitário para o Brasil. Ao mesmo tempo, a ausência de candidatas/os negros/as no debate foi suficiente para provocar o silêncio sobre o racismo, este que é um problema central vivido pela maioria da população.

Simone Tebet e Soraia Thronicke são representantes da burguesia brasileira. Ambas vieram de lugares privilegiados, se projetaram na política a partir dos circuitos de poder das classes dominantes, em uma região do país dominada pelos ruralistas.

Se conseguem furar a bolha da política machista e contribuir para uma ideia de que lugar de mulher é na política, o fazem desde sua condição de classe, pois conseguem oferecer alguma concessão à política da identidade, ao mesmo tempo que defendem os interesses chaves da burguesia brasileira.

Como pontuado pelo Presidente Lula, certamente os interesses de Soraia divergem dos interesses das mulheres que trabalham como empregadas domésticas no Brasil. A partir dessas clivagens de raça e classe, como podemos pensar o lugar das mulheres negras e brancas no projeto político de esquerda para o Brasil?

Durante o governo Reagan nos Estados Unidos, que uniu conservadorismo e neoliberalismo, Angela Davis proferiu a conferência “Enfrentando nosso adversário comum: as mulheres e a luta contra o racismo”. Nela, Davis argumentou que se construímos uma teoria abstrata da opressão das mulheres, cairíamos em condições especificas das mulheres de classe média. A lutadora discorre sobre uma pirâmide em que o topo é ocupado pelas mulheres da burguesia, seguida das classes médias e por baixo as mulheres negras e de minorias étnicas da classe trabalhadora. Se uma vitória atinge o topo, não necessariamente muda a base. “Mas, ao contrário, se aquelas no ponto mais baixo da pirâmide conquistam avanços para si mesmas, é praticamente inevitável que seu progresso empurre o conjunto para cima. O avanço das mulheres de minoria étnicas quase sempre dá início a mudanças progressistas para todas as mulheres” (Davis, 2017, p.36).

Nesse sentido, resgatar a capacidade do Estado de redistribuir as riquezas, a partir de políticas universais de saúde, educação, aliadas com programa de renda básica de cidadania é fundamental para transformar as bases da desigualdade. Um estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da FEA-USP, utilizando dados da Pnad-Covid, demonstra que, com o auxílio emergencial, a renda das famílias chefiadas por mulheres negras tornou-se mais próxima à renda de todos os outros grupos, mesmo quando comparado ao período pré-pandemia. Além disso, políticas específicas que promovam a autonomia das mulheres negras e brancas, nas suas especificidades, são fundamentais para nosso projeto.

Por fim, é necessário uma reflexão sobre o lugar das mulheres brancas de esquerda. Precisamos abandonar as teorias abstratas, tal como argumentou Davis. Ao nos movimentar para uma ordem centralmente antirracista, nos deparamos com privilégios e contradições. Somos impelidas pelo neoliberalismo a reivindicar mudanças no patriarcado sem transformar os pactos da branquitude. Precisamos reconhecer os lugares sociais privilegiados que nos são ofertados e os lugares sociais que podemos construir para refutar os pactos de raça e classe.

 

A hora de transformar as bases da desigualdade é agora! Defender um programa de esquerda, com igualdade racial e de gênero é nossa tarefa nessa campanha eleitoral.

 

Clarisse Paradis é Professora da UNILAB, Campus dos Malês, militante da Marcha Mundial das Mulheres e do Partido dos Trabalhadores.

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