O nazismo alemão e o fascismo italiano usaram brechas da democracia para destruí-la por dentro. O Imperador Donald não está fazendo o mesmo ao usar brechas das leis para fazer uma guerra tarifária e comercial com base em seus arbítrios – e não por autorização do Congresso americano?

Além de derrubar decisões do Poder Judiciário, persegue e demite os opositores de dentro do Estado americano. Adotou uma política de discriminação racista ao prender e expulsar latinos e palestinos do território dos Estados Unidos.
Muitos estudiosos da política contemporânea vêm chamando isso de autoritarismo eletivo ou neofascismo institucionalizado. O feito por O Aprendiz reeleito com poder de maiorias no Congresso e na Suprema Corte é exatamente o realizado por Hitler e Mussolini: usar os mecanismos da democracia liberal para corroê-la por dentro e substituí-la por um regime autoritário, sob um verniz legal.
A erosão da democracia americana se dá pelo autoritarismo sob a capa da legalidade com o uso arbitrário do Poder Executivo contra adversários internos e parceiros comerciais externos sob o beneplácito do Poder Legislativo e Poder Judiciário. Faz perseguição judicial de opositores, como promotores, juízes e professores.
Pratica e faz ameaças de demissão e perseguição de servidores públicos sem o apoiarem, incluindo militares e diplomatas. Já fez tentativas de interferir nas decisões da Suprema Corte e da Justiça eleitoral.
Continua com a nomeação de juízes ideologicamente alinhados para controlar o Judiciário de forma duradoura. Isso é chamado por politólogos de judicial capture — captura do Judiciário.
Faz uso seletivo e distorcido da legislação para fins autoritários. Guerras tarifárias unilaterais são justificadas por leis antigas de “emergência nacional” ou “interesse de segurança”, sem aprovação formal do Congresso.
Fez a reativação da Lei de Insurreição para reprimir protestos internos. Chegou a fazer propostas para usar o Exército dentro do território americano contra civis, uma violação do Posse Comitatus Act – significa “força do condado”, referente a um grupo de pessoas convocadas para auxiliar na aplicação da lei. A promessa pública do Donald de “destruir o Estado profundo”, visa transformar o Estado em apêndice do seu poder pessoal. É a “legalidade como farsa”, o uso da norma contra o próprio espírito da norma — uma tática clássica dos regimes autoritários.
Sua política racista discrimina imigrantes como instrumento de dominação. Pratica criminalização de migrantes latinos, muçulmanos e palestinos com prisões em massa, separação de famílias, campos de detenção improvisados.
Seus discursos tratam esses grupos como “pragas”, “invasores”, “animais” — linguagem de desumanização, idêntica à dos fascismos históricos. Essas declarações e políticas rompem frontalmente com a Constituição e os direitos civis.
O antes visto como “dog whistle” (sinais velados) tornou-se alarme escancarado de supremacismo branco nos Estados Unidos.
Há a clara tentativa de submeter os outros Poderes. Faz pressões explícitas sobre o Legislativo: exigência de fidelidade irrestrita dos republicanos no Congresso. Comete ataques constantes à Suprema Corte quando suas decisões não o favorecem.
Como incentivo à desobediência institucional, como no caso do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 — um ensaio golpista explícito –, ele anistiou todos os criminosos, logo após sua segunda posse.
Sua fórmula de governar é a usada por muitos autocratas: enfraquecer as “colunas de contenção” da democracia — Judiciário, imprensa, Parlamento, burocracia de Estado.
Abusa também da instrumentalização econômica como arma geopolítica e doméstica. Lança tarifas e sanções unilaterais contra aliados e rivais, sem critério técnico — como retaliação política disfarçada de soberania econômica.
O tarifaço contra o Brasil – o maior entre todos os países – se deu por sua liderança atual nos BRICS, ignorando impacto sobre o próprio povo americano. Soma-se à rejeição de instituições multilaterais como a OMC e o FMI se estas não obedecerem aos interesses imediatos dos EUA.
O “America First” tornou-se “America Alone” em sua política de força e instabilidade global, com traços nítidos de neocolonialismo econômico.
Portanto, o autoritarismo do século XXI jura a Constituição — e a destrói. O Imperador Donald representa uma ameaça à democracia americana e global, apesar da suposta legalidade de sua manipulação calculada das brechas legais.
Como Hitler com o Ato de Plenos Poderes (1933) ou Mussolini com a “legalidade monárquica” italiana (1922), Trump se vale de eleições para ascender, despreza as regras do jogo se perde, distorce leis para governar por decreto, demoniza o adversário até torná-lo inimigo existencial, substitui o Estado pelo culto personalista. O nome disso é autocracia disfarçada de democracia.
Autocracia é uma forma de governo onde o poder político está concentrado em uma única pessoa, o autocrata. Ele tem controle total sobre o Estado e suas decisões.
Ele acumula crimes de conflitos de interesses. Beneficia-se de seu cargo para já dobrar sua fortuna bilionária: passou de US$ 2,3 bilhões em 2024 para US$ 5,1 bilhões na lista da Forbes de 2025.
Infelizmente, parece nos Estados Unidos estar “tudo dominado” pelo autocrata…
Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP.