No dia 5 de maio, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) convocou a imprensa para divulgar o resultado de um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas sobre a produtividade da agricultura brasileira.
Vinícius Macário *
Tentando se aproveitar dos resultados do estudo e do peso e renome da FGV, a Senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidenta da CNA, deu sua “interpretação” dos números, com o objetivo de atacar o IBGE e os resultados divulgados no Censo Agropecuário de 2006.
Segundo a Senadora, os números do IBRE/FGV mostram que o IBGE “errou” e “apresentou à sociedade brasileira informações equivocadas”, e que isso comprovaria que o IBGE é “usado para outros propósitos”. “Outros”: manipulação política e ideológica.
Uma leitura do estudo (e não apenas do comunicado da CNA) leva inevitavelmente à pergunta: onde estão tais conclusões a respeito do IBGE?
A resposta é óbvia: em lugar nenhum! Simplesmente porque os dois estudos utilizam critérios diferentes para definir o que é agricultura familiar. Consequentemente, não se pode afirmar que o estudo ou o Censo estão errados.
O estudo da FGV utiliza os critérios da regulamentação do Banco Central relativos à política de crédito para a agricultura familiar. E a partir daí, separa os agricultores entre aqueles enquadráveis e os não-enquadráveis no crédito ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O IBGE, por sua vez, utiliza os critérios da Lei 11.326 de 2006, que define, no seu Artigo 3º, os requisitos para enquadrar-se na categoria de “agricultor familiar”. Resta perguntar se, para a CNA, um órgão oficial, ao utilizar um critério estabelecido em lei, está agindo de maneira “ideológica e tendenciosa”?
O comunicado diz que “Segundo Kátia Abreu, o principal erro do Instituto foi não ter adotado a regulamentação da Lei 11.326, de 2006, feita pelo Banco Central, que define o conceito de agricultura familiar”. É evidente que o IBGE não utilizou a regulamentação do BACEN, nem deveria. O Artigo 6º da Lei diz que “O Poder Executivo regulamentará esta Lei, no que for necessário à sua aplicação”. Ou seja, a regulamentação do BACEN visa a adequá-la à questão específica da política de crédito, e não regulamentá-la para todos os efeitos.
Todo o jogo de cena não passa de uma tentativa de desqualificar o trabalho do IBGE, e sequer encontra embasamento no estudo divulgado pela própria Confederação. O comunicado diz ainda que o “IBGE errou no Censo Agropecuário 2006 ao dizer que a agricultura familiar, sozinha, é quem alimenta o Brasil”, o que nunca foi dito pelo Instituto, que declarou, isso sim, que “grande parte da cesta básica vem da agricultura familiar” e que ela “é responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do País”.
Os números do Censo mostraram uma realidade contrária ao que defende a CNA, que, por sua vez, em vez de mudar de posição, resolveu brigar com a realidade (e com os número). Para isso, tentou deslegitimar o IBGE apelando para os argumentos de sempre, dos “técnicos” versus os “ideológicos”.
Vale destacar que o estudo compara os dois segmentos (enquadráveis e não-enquadráveis) em termos de número de estabelecimentos (64,4% x 30,7%) e valor bruto da produção (22,9% x 76,3%), mas esquece de comparar a área ocupada por cada um deles!
Mas o aspecto menos polêmico e mais importante da posição defendida pela CNA está na seguinte afirmação, essa sim, feita no estudo:
“A exemplo de outros países, recomenda-se a busca de nova tipificação para o público alvo de programas de crédito agrícola, que tenha como pré-requisito a geração de renda no estabelecimento acima de determinado valor. Abaixo desse valor, tal público não se credenciaria a políticas direcionadas à produção, mas a políticas destinadas à erradicação da pobreza e à promoção do bem-estar social. A melhor compreensão desse público ajudaria a evitar o desenho de programas que acabam por reproduzir um modelo que propicia receitas muito baixas e multiplica a pobreza.”
Aqui se desnuda uma compreensão mais ampla sobre o meio rural brasileiro. A realidade da Agricultura Familiar mostrada pelo Censo é que ela tem um importante papel na segurança alimentar brasileira e na geração de emprego, pois produz mais por hectare e emprega mais. Mostrou que esse setor é viável quando pode contar com acesso a políticas públicas de crédito, assistência técnica e comercialização.
Já a posição da CNA, expressa no estudo, continua afirmando que uma parcela da população rural jamais vai ter condições de se viabilizar economicamente, e que não deve ser alvo daquelas políticas produtivas, restando a elas políticas assistenciais. A conseqüência dessa política é continuar incentivando o esvaziamento e a pauperização do campo, afinal, é mais fácil e barato dar assistência na cidade do que no campo. A conseqüência da aplicação dessas políticas no passado, nós estamos vendo com o inchaço das cidades.
Essa população “que não se credencia a políticas direcionadas a produção” tem sim condições de produzir! Basta que elas tenha acesso às políticas que sempre lhes foram negadas.
* Vinicius Macário é cientista social e assessor do Ministério do Desenvolvimento Agrário.