- As instituições garantidoras do Estado de Direito Democrático, no Brasil, estão em xeque. Ao compactuarem com a organização criminosa, conhecida como operação Lava Jato, chefiada pelo ex-juiz Sergio Moro e subchefiada pelo procurador Deltan Dallagnol & trupe, perderam a credibilidade. Os meios de comunicação, por sua vez, liderados pela Rede Globo, respaldaram o engodo da malfadada “república de Curitiba”, que atentava contra a Constituição de 1988 e a democracia realmente existente, entre nós. Para que esse processo se desenrolasse, o Poder Judiciário e o Ministério Público foram politizados e ideologizados em suas decisões, coroadas pelo jogral do TRF-4, sediado em Porto Alegre.
A teia institucional do Estado brasileiro não teve inteligência para perceber que, ao atuar como braço auxiliar do lavajatismo, transformou-se num joguete nas mãos das forças protofascistas e de sua ampla audiência na opinião pública. Tais forças chegaram ao requinte de mapear a subjetividade dos votos possíveis em instâncias superiores: “In Fux we trust!”. As reuniões das altas Cortes passaram, ao menos aos olhos das coberturas jornalísticas, a serem partidarizadas, com votos antecipáveis à medida em que os magistrados perdiam a autonomia individual para comportarem-se como guardiões constitucionais.
O deputado federal (PSL/RJ), o bombado Daniel Silveira, exprimiu uma indignação frente a frustrações com decisões do plenário do Supremo Tribunal Federal, ao clamar pela volta do AI-5 e da ditadura militar. Preso, no entanto, choramingou o direito à liberdade de expressão cerceada por seu objeto de desejo, o próprio AI-5. Em resposta e defesa da democracia, o STF mandou prendê-lo em flagrante delito, com base no Código Penal e na Lei de Segurança Nacional. A Procuradoria-Geral da República amparou a denúncia ao parlamentar “por grave ameaça e incitar a animosidade entre o tribunal e as Forças Armadas”. A fruta nunca cai longe do pé. Devoto do presidente Jair “mau militar” Bolsonaro, Silveira também era tido pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, onde fora soldado, como de “mau comportamento, faltas, atrasos e postagem de vídeos ofensivos”.
É necessário, em meio à bagunça, compreender que as instituições vivem uma grave crise, no que toca à governabilidade e à operacionalidade na gestão do transatlântico Brasil. A estabilização das relações entre o Legislativo e o Executivo, que perdurou entre 1994 e 2014, deixou de existir quando, após a quarta derrota nas eleições presidenciais para o PT, o PSDB puxado pelo rancor do ex-senador mineiro Aécio Neves não reconheceu o resultado ungido nas urnas pelos eleitores. A partir daí, o Congresso não serviu mais de fiador “para a aprovação de projetos de Lei fundamentais, como aqueles que estabilizaram a moeda e introduziram o Bolsa Família ou permitiram os aumentos reais do salário mínimo”, ilustra o cientista político Leonardo Avritzer (In: Impasses da Democracia no Brasil, 2016). Era o fim do presidencialismo de coalizão, que dava mostras de incapacidade para continuar administrando o sistema político.
Nesse rebuliço, o conjunto das instituições passaram a navegar sem bússola, sujeitos aos fortes ventos da conjuntura. Clima bom para os rompantes de vaidade de seus membros, mais perdidos que baratas tontas. Na deriva, a Suprema Corte ora transigiu com a violação das garantias individuais previstas na Carta Magna, ora agiu com a água batendo no nariz para coibir transgressões grosseiras, como agora acontece.
O presidente Bolsonaro é um fator de desestabilização contínuo da institucionalidade democrática, ao atiçar a matilha contra a legalidade. Se este é um estratagema pensado, o que o comandante das Forças Armadas pretende é criar as condições para uma intervenção militar no país, com o objetivo de restaurar a ordem interna. Hipótese em que as instituições transitarão da confusão para a aniquilação. Pode ser a vontade do governante troglodita. A questão é saber se é a vontade da sociedade civil organizada e dos partidos políticos de fora do arco do extremismo golpista. Entender o desregramento do jogo em curso é o primeiro passo para, contra os interesses da Casa Grande das finanças, retomar o tema do impeachment.
Luiz Marques, professor de Ciência Política, UFRGS.
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