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A crise hidroenergética para além de suas causas naturais | William Nozaki

O Brasil vive sua pior crise hídrica em 91 anos. Desde que o país começou a medir os níveis de chuva, em 1931, os registros de setembro a maio nunca foram tão baixos como neste último período. Dada a escassez de chuvas dos últimos dois anos, o país começa a estação mais seca do ano com os reservatórios em nível crítico. Como cerca de 64,9% da matriz elétrica brasileira é composta pela produção das usinas hidrelétricas, a elevação de tarifas, a possibilidade de racionamento de água e luz e o risco de apagões se projetam sobre a economia.

O maior subsistema do país, o Sudeste/Centro-Oeste, já é o mais afetado e opera no patamar mais baixo desde 2015, com 32,1% da capacidade. Em maio, o acumulado de chuva na Bacia do Paraná foi de 27 mm, pouco mais de um quarto da média climatológica de 98 mm para o período, segundo a ANA e o INPE.

A falta de chuvas, no entanto, não pode ser tratada como a única responsável por esse cenário. Na região Norte, por exemplo, a cheia do Rio Negro bateu recordes históricos e tem provocado estragos em Manaus e outras cidades, o nível do rio atingiu 29,63 metros, ou seja, 1,81m mais alto do que as médias históricas para esse mesmo período. Os reservatórios da região Norte e Nordeste operam com capacidade, respectivamente, de 84,5% e de 63,4%. 

Noutras palavras, chove muito onde não deveria e chove pouco onde mais se precisa. Tal mudança no regime hidrológico é menos obra de São Pedro e mais resultado de interferências humanas. No caso do Brasil, a expansão da fronteira agropecuária com queimadas e desmatamentos tem provocado alterações nos fluxos aéreos maciços de água que, sob a forma de vapor, transitam das áreas úmidas da Amazônia para as regiões Centro-Oeste e Sudeste, nos chamados “rios voadores”. 

Vale destacar, em 2020 a agropecuária foi responsável pela emissão de 73% das emissões de CO2, de acordo com o Observatório do Clima. Com a crise hídrica esse quadro deve piorar, pois, para suprir o déficit hidroelétrico as usinas térmicas devem ser utilizadas com mais intensidade. Em maio de 2020 as térmicas responderam pela geração de 9,4%, em maio de 2021 elas já respondem por cerca de 15% e podem atingir mais de 20% no próximo período, informa o CCEE. Esse tipo de usina depende da queima de combustíveis gerando mais emissões de GEE.

Além disso, as térmicas são mais custosas e impactam diretamente na elevação das tarifas de energia. Segundo a ANEEL, a aplicação da bandeira vermelha 2 em junho deste ano pode custar cerca de R$ 2,7 bilhões a mais para os consumidores. De acordo com a FIESP, esse quadro pode se agravar com a privatização da Eletrobras cuja modelagem contestável pode custar cerca de R$ 460 bilhões em 30 anos.

A Eletrobras reduziu em -80% seus investimentos entre 2015 e 2020, caindo de R$ 15,62 bilhões para R$ 3,12 bilhões. O parque gerador da companhia compõe-se de 48 hidrelétricas, 12 termelétricas, 62 eólicas, 2 usinas nucleares e uma central fotovoltaica, além das subsidiárias Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu. A falta de investimentos tem contribuído para a atual situação crítica. Trata-se do maior parque elétrico da América Latina.    

No mundo, Canadá, Noruega, Suécia, Venezuela e Brasil são os únicos países cuja energia hidráulica é a principal fonte primária de geração de energia elétrica. Em todos eles essas empresas são estatais. Ao que tudo indica, não há precedente na experiência internacional de um Estado que esteja se desfazendo de sua principal empresa de energia elétrica às vésperas de uma crise hídrica. 

Para além dos nexos naturais da crise energética, o modelo de desenvolvimento econômico, a falta de planejamento coordenado e a redução de investimentos públicos são as causas provocadoras da crise. A solução para esse cenário passa não apenas por esperar a graça divina da natureza e das chuvas, mas por alterar o nosso padrão econômico-energético.      

  • William Nozaki é Coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP), professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). 

Criador: Midia NINJA

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