A atual crise no Brasil e no mundo demonstra a impossibilidade histórica da continuidade do sistema capitalista em sua dinâmica mais radical organizada no último período a nível internacional: rentista e ultra desigual. Os próprios liberais de ontem, hoje apontam cinicamente a necessidade de intervenção maior do Estado. Mais do que nunca, a humanidade e o planeta necessitam superar essa ordem responsável por infinitas mazelas e crises humanitárias.
No Brasil, o conjunto de fatores que organizaram essa crise – agora no seu ápice, iniciou-se desde o golpe de 2016 e se aprofunda com o governo Bolsonaro. O que passamos por aqui se trata de um processo intenso de retrocessos econômicos, sociais e civilizatórios. A crise sanitária do coronavírus só nos confirma o nível destrutivo desta agenda neoliberal organizada por Bolsonaro, Guedes e Moro – como representantes do conjunto da política dos capitalistas e forças deste programa.
A possibilidade de colapso no sistema de saúde brasileiro (no SUS e também no sistema privado) é uma realidade e as respostas do governo são profundamente insuficientes. O SUS e a estrutura sanitária brasileira, sucateadas em gênese por este programa, não suportará a demanda e, seguindo sua agenda, o governo descarta a proposição de revogação da PEC 95 (teto dos gastos) e outras medidas de investimento do Estado, apesar de apresentar ao congresso a declaração de calamidade pública. Além de ter editado uma medida provisória que permite a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses sem pagamento de salários.
Somado às questões econômicas, a coalizão Bolsonarista desde seu início construiu uma narrativa ideológica e ação política anticientífica, evidenciadas nessa crise sanitária. Além de desmantelarem o SUS e atacarem os trabalhadores, travaram uma “guerra ideológica” que sustentou, até o momento, a subestimação do coronavírus a nível social e institucional.
O que vemos aqui é uma gestão da morte – característica do necropoder: não importa a gravidade da crise, o compromisso com as diretrizes do projeto neoliberal não podem ser quebradas. Este é o objetivo doa a quem doer – neste caso, os trabalhadores.
Apesar disto tudo, do ponto de vista marxista, sabemos que as contradições do sistema capitalista, quando aprofundadas, não são vistas pelas massas de forma simplesmente passiva, mesmo que mais desorganizadas possam estar as esquerdas. Sinais da insatisfação são cada vez mais ecoados e a potência destas traz desafios e constatações para nós.
O que vimos nessas últimas semanas foi o aparecimento dos sinais de reação do povo brasileiro – mesmo em quarentena – à barbárie que o governo Bolsonaro leva o país e suas vidas. Constatam que o governo não só não está dando conta de resolver os problemas mais fundamentais do conjunto desta crise, como aprofundando-a. Não por mera incompetência, mas por pura característica do programa neoliberal impetrado. A rejeição do governo Bolsonaro tem aumentado rapidamente.
Diante deste cenário, infelizmente as análises que vemos dos setores majoritários da esquerda brasileira não passam de uma interpretação para ação política que nos coloca cada vez mais como espectadores do “desfecho futuro” desta crise. Negam a necessidade de darmos uma alternativa certeira para o povo brasileiro se concentrar e lutar, e, assim, abandonam a posição de vanguarda para futuras vitórias.
A negação da palavra de ordem “Fora Bolsonaro” e, com isso, da alternativa de fim democrático do governo Bolsonaro com o impeachment e novas eleições democráticas em que Lula possa ser candidato; é não somente um erro político-estratégico da esquerda, mas também uma real desconexão com os sinais da insatisfação popular demonstrada pelas ruas – neste momento, pelas casas e janelas.
Estamos diante de um impasse histórico: ou nos adiantamos, ou os próprios setores neoliberais (aliados programáticos de Bolsonaro) se adiantarão. Temos provas históricas do caráter de adiantamento da burguesia brasileira frente à possibilidade de uma vitória das esquerdas e isso nos põe nesse impasse que nos faz perceber ainda mais a necessidade de assumirmos a vanguarda da condução das insatisfações.
É importante saber que esse adiantamento trata-se de, fundamentalmente, ouvir e incorporar o que já mostram os sinais da insatisfação popular: a apresentação de uma saída concreta para a crise. Por isso, podemos apontar alguns argumentos:
Primeiramente não se trata mais de “desgastar” de forma vazia politicamente o governo Bolsonaro, já que o que vemos é que as pessoas não querem mais apenas lutar constantemente pela manutenção de um direito ameaçado, mas sim querem agora lutar por um fim concreto a todas essas ameaças cotidianas – representadas em essência pelo governo Bolsonaro.
Em segundo lugar não se trata mais também de uma postura oposicionista de “cobrança” ou, até mesmo, de “aconselhamento” do governo Bolsonaro – podemos ver pelas últimas ações de “cobrança” da oposição com relação à crise do coronavírus. Ora, esses apontamentos jamais serão incorporados pelo simples fato de que trata-se de um governo em que sua diretriz de gênese é antagônica à essa proposição.
O fim democrático do governo Bolsonaro, portanto, é o horizonte a se canalizar a força social crescente para essa solução real dos problemas reais. Não levantar o “Fora Bolsonaro”, hoje, é o mesmo que ser conivente com a continuidade de um projeto de morte, que não se resolverá em totalidade com pressões pontuais. Não importa mais para a esquerda, neste momento, as argumentações do “como fazer” – se pelo impeachment ou outra forma. O que importa é conduzir o fruto que amadurece sem ter medo de qual será a forma final.
Essas são respostas e reflexões importantes para os principais impasses discutidos nesse período. Nos mostram a conexão das insatisfações surgidas aqui com a insatisfação geral sobre o sistema capitalista em decadência e os seus governos capitalistas nos países do mundo. Esse questionamento ainda traz a luz que a consigna “Fora Bolsonaro” e a necessidade de novas eleições precisa vir junto com o acúmulo de força social e política – nessa trajetória de lutas – que apontem para a reivindicação de uma nova constituinte. Essa constituinte terá a potência, caso formos vitoriosos e acumularmos essas forças desde já, para um aprofundamento radical da democracia no Brasil e para um rompimento importante com as estruturas institucionais e políticas da forma burguesa de Estado. Este deve ser um horizonte estratégico fundamental, que as lutas de países da América Latina – como no chile – nos demonstram possibilidade.
Ora, não faz mais sentido esperarmos mais para ecoarmos o que as pessoas já gritam: “Fora Bolsonaro!” ou barbárie.
Guilherme Barbosa, estudante, militante da Democracia Socialista e diretor da União Nacional dos Estudantes.