Fonte: PTSUL
LUIZ PILLA VARES
No histórico maio de 68, a luta começou nas universidades, com a adesão imediata dos intelectuais e, depois, do movimento operário. Estava em questão o capitalismo e nascia um novo projeto de socialismo, com o ressurgimento da perspectiva da ‘república dos conselhos’, ensaio da Comuna de Paris de 1871 e, posteriormente, revitalizada com as revoluções russas de 1905 e 1917 e referendada pelas tentativas revolucionárias alemãs após a Primeira Grande Guerra.
Maio, enfim, foi uma grande luta ideológica, com o surgimento de uma nova esquerda, liberta das amarras do stalinismo, com a redescoberta de Rosa Luxemburgo e do anarquismo, junto com propostas originais como a dos ‘situacionistas’ de Guy Debord e de ‘Socialismo ou Barbárie’ de Cornelius Castoriadis.
Maio de 68 foi efetivamente uma revolução, mas os seus sujeitos, seus atores e autores, eram, em certa medida, privilegiados pelo sistema. Apesar de o negarem em todos os seus pressupostos, da economia à moral, do sistema político, às universidades e ao sistema de ensino em geral, da vida cotidiana às relações sexuais. Emergia um novo projeto de vida e de relações humanas. Não foi a toa que causou tanto pânico entre as classes dominantes de todo o mundo.
Em novembro de 2005 não há nada disso. Agora emergem atores novos, surgem das profundezas da miséria escondida nos países ricos, são as vítimas da discriminação étnica, religiosa e cultural. São os (as) atingidos (as) pelo desemprego irremediável da próspera sociedade globalizada. Sem propostas de um novo mundo, como as tinham os revolucionários de 1968, os atuais amotinados são o resultado da desesperança e da desilusão. São os desesperados que vivem confinados em guetos, sem trabalho e sem chances de lazer.
O velho e bom Marcuse, repetindo Bakunin, dizia que a nossa única esperança são os desesperados. Será? Na época em que o pensador alemão escreveu, o desespero tinha outro sentido: era mais existencial, não tinha este caráter limite que a moderna sociedade capitalista impõe aos excluídos, condenando-os para sempre ao desemprego e à marginalidade. Por isso os desesperados do século XXI partem para atos desesperados. Um deles, entrevistado, tentou explicar as razões da revolta: “só queremos trabalho e espaço para jogar futebol”. Que distância enorme para as ousadas propostas dos revolucionários de Maio de 1968!
No entanto, os acontecimentos atuais da França talvez estejam revelando os imensos problemas que a sociedade globalizada contemporânea e dotada de uma tecnologia inimaginável há algumas décadas não tem nem respostas e muito menos propostas de soluções. Como incorporar legiões cada vez maiores de desempregados e discriminados? Como conter o desespero dos que não possuem nenhuma perspectiva de vida decente? O galo gaulês, como várias vezes na história, talvez esteja anunciando uma nova virada. Sem política, sem ideologia, sem rumos. Apenas um grito ensurdecedor de revolta visceral.