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A hora mais escura dos direitos humanos

1187233Por Lúcio Costa

Assisti recentemente “A Hora Mais Escura”, produção cinematográfica que trata da caçada e assassinato de Osama Bin Laden. O filme impressiona, pois coloca o melhor da indústria cinematográfica norte-americana a serviço de contar as aventuras de uma bela e jovem agente da CIA num enredo que: faz a defesa da tortura; sustenta que as denúncias sobre as torturas dos sequestrados e presos sem processo em Abu Ghraib  e Guantánamo “no ferraram” e, que violar a soberania do Paquistão (com a invasão deste país pelas tropas norte americanas) para assassinar Osama Bin Laden, foi um ato legítimo para a defesa de “Deus e da Pátria”.

Detalhe, repetindo velhos clichês, a trama tem como fio condutor a busca da bela espiã Maya por vingar amiga e amigos mortos num atentado terrorista. No encerramento do filme vê-se a heroína, às lagrimas, retornando do Paquistão para casa, num imenso avião militar ianque. A poética da barbárie.

Na premiação do Oscar de 2013, a artista Jessica Chastain, que interpretou a bela e angustiada Maya, levou o troféu de melhor atriz por sua participação neste filme.

Para que se tenha uma ideia da influência da indústria cinematográfica dos Estados Unidos é preciso ter em conta que, das 100 maiores bilheterias do cinema de todos os tempos, 93 são produções exclusivamente americanas e, atualmente este país detêm 25% do mercado mundial de filmes.

Daí se vê que, como se deu com os “Boinas Verdes”, produção cinematográfica realizada em 1969, dirigida e estrelada por John Wayne, que enaltecia a ocupação e ação militar norte-americana no Vietnã, “A Hora Mais Escura” há de desempenhar relevante papel na conformação da opinião pública mundial e, dado seu enredo, se ajusta na medida dos interesses da propaganda do Departamento de Estado dos EUA.

O filme é a confissão, feita através da indústria cinematográfica norte-americana, de que, a ”guerra contra o terror” se faz abolindo as liberdades democráticas, cerceando os direitos civis e, por fim, violando os direitos humanos.

Conjunturalmente, o filme é particularmente funcional ao Estado norte-americano depois das denuncias que trouxeram a luz do dia o vasto sistema de espionagem que permitiu à Tio Sam violar milhões de correspondências eletrônicas e telefônicas de cidadãos e, sublinhe-se, de empresas e governos, não apenas dos EUA, mas de todo o mundo, a pretexto da ”guerra contra o terror”.

Reside aí a novidade, pois se os EUA, suas Forças Armadas e variadas agências de segurança e, em particular, a CIA sempre cometeram ao longo de toda a sua história as atrocidades, no entanto, é a primeira vez desde final da II Guerra Mundial que um estado ocidental adotou normas que fazem possível a violação legal sistemática dos direitos humanos.

Desde a aprovação pelo Congresso em 2001, o Patriot Act  permite a invasão de lares, a espionagem de cidadãos, interrogatórios e torturas de possíveis suspeitos de espionagem ou terrorismo, sem direito a defesa ou julgamento, o que tornou possível a existência e funcionamento legal dos campos de concentração e interrogatórios de Abu Ghraib e Guantánamo.

De registrar que, das mais de 700 pessoas que estiveram nesta última prisão, à maioria não teve processo ou julgamento, sendo que muitos permaneceram encarcerados por mais de uma década. Houve inúmeros casos de prisões clandestinas realizadas basicamente para fins de interrogatório, nos quais foram aplicados métodos de tortura física e psicológica.

Nos Estados Unidos foi transposto o Rubicão do paradigma do liberalismo fundador das sociedades burguesas de que, os direitos humanos são inerentes ao ser humano.

Dai que, ao contrário do estado alemão que tem de afrontar os crimes de guerra do III Reich nazista ou, da França que até hoje se debate com a memória das atrocidades cometidas pela Armée na guerra contra a independência argelina, o estado norte-americano assume legal e publicamente que os direitos humanos são relativos e submetidos às razões do Estado.

Uma das consequências disto é o questionamento crescente, fato assumido pelo presidente Barack Obama, feito pela opinião pública mundial da identidade entre a América e a liberdade, entre os Estados Unidos e a democracia.

Para além da estética da violência e, de se perceber estar diante de mais um lance de propaganda do Império, o que realmente assombra na “A Hora Mais Escura” é que, sem pejo ou e meias palavras, o filme lançou luz ao fato do Estado norte-americano haver legalmente passado, através de seus militares e agentes de segurança, a estipular quais são os titulares de direitos humanos e, portanto, a definir quais são as pessoas que por não serem portadoras de tais direitos podem ser encarceradas, torturadas e mantidas detidas indefinidamente sem que se instaure o devido processo e se lhes dê um julgamento justo.

Nesta senda, Abu Ghraib, Guantánamo, as prisões clandestinas, a violação da intimidade e privacidade de milhões de pessoas em todo o mundo, não foram acidentes de percurso, mas sim expressões tanto, da profunda erosão dos valores clássicos do liberalismo nos Estados Unidos e das mudanças conceituais e legais que lhe acompanham quanto, dos rumos do Império.

A “Hora Mais Escura” é um filme a alertar sobre a profundidade da decadência dos direitos humanos e das liberdades democráticas na sociedade norte-americana e, noutra banda, a revelar a hegemonia da estética da barbárie e a banalização do mal naquelas plagas.

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