Por Flávio Aguiar, na Carta Maior
A carreira de Angela Merkel como chanceler alemã poderia terminar neste domingo, 22. Mas se isto parece matematicamente possível, parece politicamente impossível.
Bastaria o SPD, que está na oposição – digamos, no xadrez político, jogando com as pretas – empregar a chamada defesa siciliana. Esta consiste em responder ao clássico peão do rei na quarta casa do rei, com um peão do bispo da dama na quarta do bispo.
Esta defesa cria um desequilíbrio no jogo. Enquanto as brancas mantém a iniciativa pelo lado do seu rei, as pretas investem no lado oposto do tabuleiro, forçando imediatamente uma disputa acirrada pelas casas do centro do tabuleiro.
O que seria a defesa siciliana no caso do SPD alemão? Seria abrir-se para uma aliança com o Partido Die Linke que, no Bundestag, ocupa a extremidade (não a extrema) esquerda do tabuleiro. Uma aliança SPD – Verdes – Linke teria no mínimo tantos votos quanto a atual coligação no governo, CDU/CSU – FDP, e teria certamente mais votos do que o partido de Merkel, a CDU, e sua co-irmã bávara, a CSU, caso o FDP não consiga atingir a cláusula de barreira de 5% dos votos, o que pode talvez acontecer.
O risco do FDP vem aumentando porque muitos de seus eleitores estão desertando em direção ao partido chamado Alternative für Deutschland, também conservador e cada vez mais apresentado como anti- euro, e anti-ajuda aos países “comprimidos” pelas dívidas chamadas ironicamente de “soberanas”. O Afd acaba de atingir a cláusula de 5% nas pesquisas de intenção de voto feitas neste meio de semana, percentual que o FDP vem mantendo há meses, com pequenas oscilações para cima e grandes oscilações para baixo.
Se o SPD se abrisse para aquela aliança com a Linke, certamente levaria junto os Verdes.
Mas… Acontece que a cúpula do SPD é visceralmente contrária a uma aliança deste tipo, por ver na Linke um partido “herdeiro” do finado regime comunista da DDR, a antiga Alemanha Oriental. Assim mesmo, nos estados e em Berlim alianças SPD – Linke ou SPD – Linke – Verdes funcionaram. Mas a cúpula social-democrata vê como nefasta uma aliança desta natureza no espaço político da antiga Alemanha Ocidental.
Mas ao lado destas avaliações deve-se considerar que um dos principais líderes da Linke é Oskar Lafontaine, dissidente egresso do SPD. Isto parece colocar a Linke inteira no “Index librorum prohibitorum” do SPD. Oskar Lafontaine está se afastando por razões de saúde, mas a liderança que está emergindo em seu lugar é da sua esposa, Sahra Wagenknecht, ao lado da de Gregor Gysi, jurista do antigo lado oriental.
A Linke seria um aliado valioso para a dupla SPD – Verdes (embora na cúpula dos Verdes haja também resistências aos Linkes), por ter um trânsito muito aberto na antiga Alemanhan do Leste. Um dos fatores fortes na percepção dos antigos orientais é a de que a Linke defende os seus interesses – o que mostra também que algumas fraturas da antiga divisão permanecem na ordem do dia. A votação dos Linkes no antigo Leste (Berlim inclusive) tem oscilado entre 14% e 22%, o que é de médio a alto em termos de Alemanha. E eles são muito fortes também na antiga Berlim Oriental.
A mídia, em geral, não trata muito bem a Linke. Por vezes ignora o partido. Porém, paradoxalmente, em certa medida isto o tem ajudado. Este passou por crises e disputas internas na medida mesma em que a estrela de Lafontaine entrou em regime crepuscular. Mas graças àquele “desprezo ou silencio obsequioso” as crises do partido não tiveram super-exposição.
O partido tem sido ajudado por suas firmes posições pacifistas. Atualmente é o único que mantém uma oposição constante à participação alemã em missões no exterior, como no Afeganistão. O aumento da possibilidade de uma intervenção militar do Ocidente na Síria aumentou a sua parte nas intenções de voto, que têm chegado a 10% em nível nacional.
Também contribui para a constância de sua votação a defesa de um salário mínimo (que não existe em nível nacional na Alemanha) no valor de 10 euros a hora, e de uma aposentadoria mínima de 1.050,00 euros por mês.
Ambas as questões estão entre as alegações do SPD para evitar alianças com a Linke. Afinal o SPD, com os Verdes, foi o realizador da chamada “Agenda 2010”, a grande virada neo-liberal empreendida na Alemanha e que, curiosamente, acabou por abrir o caminho para as vitórias de Merkel, com a divisão do lado esquerdo. Por outro lado, a Linke aparece como um partido decididamente anti-OTAN, coisa que o afasta da perspectiva de política internacional tanto do SPD como dos Verdes.
O líder do SPD, Peer Steinbrück, ao mesmo tempo em que tem descartado a possibilidade de aliança com a Linke, tem rechaçado também a hipótese de uma aliança com Merkel. O que pode torná-lo descartável dentro do SPD, se prevalecer a visão na sua cúpula de que qualquer coisa serve para terem acesso a alguns cargos de governo.
Neste caso o centro do tabuleiro estará decididamente ocupado pelas peças de Merkel.