Sérgio Moro apresentou, nessa segunda-feira (4), a governadores e secretários de Segurança, em Brasília, um Projeto de Lei denominado “Lei anticrime”, que altera e cria enunciados em diversas leis, incluindo os Códigos Penal e de Processo, a Lei de Execução Penal e das Organizações Criminosas.
A proposição tem forte cunho punitivista, trazendo em seu bojo propostas que visam a alteração de Cláusula Pétrea Constitucional, flexibilização e extinção de garantias do apenado na execução penal, a criação do “informante do bem” – ou whistleblower (estabelecendo recompensas por denúncias), a flexibilização das regras para interrogatório por videoconferência e o endurecimento da Lei das Organizações Criminosas, o que permitiria, a curto prazo, um aumento significativo da população carcerária em nosso país.
O cerne da proposta consiste na abolição do “Princípio da Presunção da Inocência”, uma Garantia Individual Constitucional que, conforme preceitua o art. 60, § 4º da Constituição, não poderia ser alterado sequer por Emenda Constitucional. Através da inclusão do art. 617-A e de dois parágrafos ao art. 637 no Código de Processo Penal, seria permitida a imediata execução da pena a partir do julgamento em segunda instância e seriam delimitados os casos de possibilidade de concessão de efeito suspensivo em eventuais recursos do apenado a instâncias superiores.|
Outro ponto emblemático da proposta e que nos remete ao período autoritário é a chamada “excludente de ilicitude para policiais”, o que significa dar a todo agente policial em serviço a possibilidade de, em situação de confronto, matar o suposto “criminoso”, sendo-lhe garantido o afastamento da antijuridicidade do seu ato. Essa situação é extremamente alarmante, uma vez que, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 14 pessoas são assassinadas por dia a partir da ação policial no Brasil. A partir desta alteração, os agentes policiais não serão mais obrigados a passar pelo crivo do devido processo legal para que se observe se houve excesso culposo ou doloso passíveis de condenação.
Esses e outros aspectos deste projeto limitam e retiram direitos e garantia individuais, materiais e processuais até então reputadas como intocáveis e absolutas, criando, assim, uma espécie de Direito Penal do Inimigo Brasileiro, através do questionamento da real efetividade do Direito Penal em nosso país.
A lei, além de ser uma nova espécie de tratado do que o Mestre Saulo de Carvalho chama de “era da Disciplina”, possui conteúdo discriminatório, pois cria o conceito de um criminoso habitual, sendo este restrito sob quaisquer aspectos do direito à liberdade provisória. Com este conceito e ainda com o reconhecimento da existência de facções criminosas, a lei estabelece supostos inimigos objetivos do Estado, o que, segundo o entendimento de Günther Jacobs, criador da Teoria do Direito Penal do Inimigo, permite a supressão de garantias materiais e processuais dos acusados, pois o que se combate é a sua periculosidade, ou seja, o perigo que representa para a sociedade.
Estas mudanças ainda necessitam tramitar e serem aprovadas no Congresso Nacional, mas representam um estrato da onda neopunitivista que avança em nossa sociedade e que encontra forte eco nas instituições de ensino de Direito do nosso país, as quais têm introduzido, nos últimos anos e de forma muito forte, uma cultura inquisitorial em seus atores e que fazem, de uma vez por todas, o Brasil aderir à nova política global baseada na vontade de punir.
Ícaro Bandeira é advogado criminalista e militante da DS.
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