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A lição maior do #3J | Luiz Marques

Calcula-se que 800 mil pessoas participaram das manifestações que tomaram as ruas do Brasil e de diversos países do mundo, sob a bandeira unificada do Fora Bolsonaro, Vacina Já, Auxílio Emergencial de R$ 600,00. A estas, somou-se a apuração rigorosa do esquema de corrupção bilionária na Saúde, hediondez que explicaria a demora na aquisição de imunizantes pelo governo federal, enquanto mais de quinhentos mil mortes (evitáveis) eram contabilizadas, vítimas do coronavírus.

O sociólogo francês Alain Touraine elenca três questões fundamentais para se compreender as manifestações protagonizadas pelos movimentos sociais: 1) o princípio de identidade, que diz respeito a quem luta; 2) o princípio de oposição, que define o adversário e; 3) o princípio de totalidade, que explica por que lutar.

Aplicados ao #3J, o primeiro envolve um arco de sujeitos que abrange centrais sindicais, partidos políticos, articulações do feminismo, negros, ecologistas, LGBTQIA +, trabalhadoras(es) sem-terra, sem-teto… o que prova a pluralidade da histórica mobilização. O segundo aponta a necropolítica do presidente genocida / prevaricador et caterva, cujo neofascismo atenta contra o Estado de Direito Democrático e a probidade administrativa republicana. O terceiro, a partir das demandas concretas dos manifestantes antineofascistas, enuncia os ideais de uma sociedade inclusiva, o direito à vida, trabalho, meio ambiente, justiça social, igualdade de gênero, étnico-racial, reconhecimento da liberdade de orientação sexual, fortalecimento da Educação, do SUS. Ou seja, descortina a democracia.

Esse conjunto de traços que compuseram a grande manifestação do último sábado é, ao mesmo tempo, resultado de um acúmulo de consciência no período anterior e propagador de um despertar coletivo ainda maior no futuro próximo. O importante é que não são uma mera justaposição de reivindicações setoriais, mas o condensamento dialético de vetores democráticos que pavimentam a construção de uma nova sociedade sobre um patamar de consciência política socializada. A manifestação significou mais do que um ato episódico. Deu mostras do nascimento de um movimento social de enorme proporção, uma espécie de síntese entre as demandas típicas (materiais, referentes ao trabalho) da sociedade industrial e as demandas próprias (de caráter identitário) da sociedade pós-industrial. Aquelas apresentam-se agora imbricadas. O Brasil deixa manifesto seu potencial de consciência.

Todo o protocolo sanitário foi cumprido à risca, o que por si só demarca com as aglomerações irracionais – sem máscaras e sem amor ao próximo – a favor da desordem pública e do desgoverno atual, pelos neofascistas em jornadas passadas. A solidariedade acompanhou as marchas desbravadoras do amanhã, com a alegria e a determinação que apenas o bom combate pode conferir aos lutadores sociais. Se o movimento sufragista, no século XIX, pode ser considerado o movimento de amplitude inaugural do feminismo, o 3 de julho viu surgir o movimento que abriu as cortinas para que o sol iluminasse o coração de todas e todos no séc. XXI.

  • Luiz Marques é professor universitário, UFRGS

Foto: #3J Brasília, Jackson Raymundo

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