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A MP do fim da grilagem: direito à terra e desenvolvimento sustentável

Em fevereiro de 2009, o governo federal emitiu uma Medida Provisória (MP) com novas regras para a regularização fundiária das terras públicas federais da Amazônia Legal e iniciou o Programa Terra Legal. Ter segurança sobre a posse da terra é condição para acessar as políticas de crédito, assistência técnica e comercialização e, ainda, para buscar, quando necessário, a recuperação ambiental. A situação da Amazônia exige urgência e uma resposta do tamanho do problema.

Caio Galvão de França e Márcia Quadrado *

Em fevereiro de 2009, o governo federal emitiu uma Medida Provisória (MP) com novas regras para a regularização fundiária das terras públicas federais da Amazônia Legal e iniciou o Programa Terra Legal.

O objetivo é simplificar a lei, para fazer valer o direito à terra a quem tem direito, para combater a grilagem, a violência e o desmatamento. Ter segurança sobre a posse da terra é condição para acessar as políticas de crédito, assistência técnica e comercialização e, ainda, para buscar, quando necessário, a recuperação ambiental. Sem saber quem ocupa as terras públicas, o governo não tem como punir quem desmata irregularmente.

A lei inclui, também, a regularização da situação de 172 municípios cujas sedes ainda estão em terras públicas federais. Sem isso, não podem cobrar IPTU e nem construir equipamentos públicos.

A situação da Amazônia exige urgência e uma resposta do tamanho do problema. Em vez de tratar a regularização como política de exceção, ela passa a ser política pública, massiva e concentrada no tempo, para regularizar a situação das terras federais que estão presentes em 436 municípios da região.

Mas se são estes os objetivos, por que há questionamentos? Por um lado, houve a pressão dos ruralistas para impedir as exigências ambientais na regularização e retirar as restrições para a reconcentração das terras. Não conseguiram. Por outro lado, há a legítima preocupação em evitar brechas para que a regularização, pensada para garantir o direito dos posseiros de boa fé, não venha a beneficiar aqueles que, de forma ilegal e criminosa, se apropriaram de grandes extensões de terras. A proposta do governo separa claramente essas duas situações.

A MP do Governo
Quando falamos que existem 67 milhões de hectares de terras públicas federais não destinadas na Amazônia Legal (13% da área total) não quer dizer que todas essas terras serão transferidas. Aquelas que não cumprirem as exigências estabelecidas serão arrecadadas e destinadas para unidades de conservação ou projetos de uso sustentável. As áreas ocupadas por comunidades quilombolas, tradicionais ou locais serão preservadas e reconhecidas como tal, e as terras indígenas não serão objeto do Terra Legal. Também estão excluídas as áreas das unidades de conservação que estão em fase de criação.

Para evitar uma corrida para a Amazônia, o governo optou pela edição de uma Medida Provisória e estabeleceu que só poderão ser regularizados aqueles que, comprovadamente, ocupam de forma “mansa e pacífica” a terra desde antes de dezembro de 2004. E para consolidar o seu direito, terão que cumprir uma série de exigências, chamadas cláusulas resolutivas. Entre as exigências ambientais, estão: a averbação da reserva legal, a identificação das áreas de preservação permanente e, se for o caso, o compromisso para sua recuperação. Há, também, a exigência da observância da legislação trabalhista e o aproveitamento racional e adequado da área, além de excluir aquele que já é proprietário de outro imóvel ou já foi beneficiário de programa de reforma agrária. O desmatamento ilegal implicará em perda do título e reversão da área ao patrimônio da União. Em outras palavras, exige-se o cumprimento da função social da propriedade da terra, como previsto pela Constituição Federal.

Sintonizada com o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia a lei prevê a adequação da regularização fundiária ao Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE). Hoje, apenas Rondônia e Acre já o concluíram. Para estimular os estados, a lei estabelece o prazo máximo de 3 anos para aprovação do ZEE. Quem não fizer o dever de casa não poderá celebrar convênios com a União.

A lei prevê um tratamento diferenciado para as pequenas posses, cerca de 300 mil, e restringe a regularização aos limites da média propriedade do Estatuto da Terra, até 15 módulos fiscais (1.500 ha).

A titulação das posses de até 1 módulo (até 100 ha, em média, 76 ha) será gratuita e a das posses de até 4 módulos (até 400 ha, em média 300 ha) serão pagas por um valor simbólico. As demais, até 15 módulos (1,5 mil ha), terão preço de mercado definido pelo Incra.

Todas as posses entre 4 e 15 módulos serão vistoriadas previamente à emissão do título. A vistoria das posses de até 4 módulos, como regra, não será feita previamente à entrega do título de domínio, mas será feita no prazo de 10 anos, no qual o beneficiário terá que cumprir as cláusula resolutivas. Nos casos de conflito ou de denúncia de grilagem, a vistoria será feita previamente, para evitar que grileiros sejam beneficiados. Se fôssemos fazer vistoria prévia em todas as pequenas posses, seriam necessários 40 anos ou a contratação de mais 1.400 servidores só para trabalhar na região.

Alterações em análise
Na discussão da MP no Congresso Nacional, foram feitas alterações na proposta original enviada pelo Executivo, algumas melhorando a redação e outras ampliando o escopo da regularização. A lei aprovada pelo Congresso incluiu a possibilidade de regularização de posses, via licitação com direito de preferência, de pessoas jurídicas e de posses ocupadas por pessoa que exerça exploração indireta e, ainda, autoriza a transferência a partir de 3 anos da titulação no caso de áreas acima de 4 módulos fiscais. O veto das alterações será, agora, objeto de avaliação no governo.

Com transparência e controle social vamos garantir o sucesso do Programa. Está garantido o direito de contestação e, para isso, as informações sobre os pretendentes à regularização serão tornadas públicas. Toda a implantação do Programa Terra Legal será feita com acompanhamento do Ministério Público, governo estadual, prefeituras, movimentos socais e entidades ambientalistas, e sua gestão nacional será feita por um Grupo de Trabalho Intergovernamental, com a participação da sociedade civil.

A regularização fundiária não é um fim em si mesma, mas condição necessária para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Ao garantir a identificação dos ocupantes e a estabilidade jurídica, confrontamos os mecanismos de reprodução da violência e do desmatamento, e se abre o caminho para a conquista da cidadania. Para trilhar esse caminho, o governo federal dará início à regularização fundiária nos municípios com os maiores índices de desmatamento, de forma combinada com ações de acesso a direitos e de apoio à produção sustentável.

O fim da grilagem e do desmatamento não podem esperar. Isso pode e será feito.

* Caio Galvão de França e Márcia Quadrado integram a equipe do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

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