Publicado originalmente em Sul21
http://www.sul21.com.br/jornal/arno-augustin-aponta-diagnostico-equivocado-e-critica-politica-economica/
Marco Weissheimer
O ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, criticou nesta quinta-feira (21) a atual política econômica do governo federal que, para ele, está baseado num diagnóstico equivocado sobre a situação fiscal do país. Para o economista, o Brasil saiu de um ciclo virtuoso para ingressar em um ciclo vicioso que tende a piorar a situação fiscal do país e não melhorar, em virtude da provável queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, com aumento do desemprego e diminuição de renda. Arno Augustin falou sobre a situação econômica do país no debate “A mudança necessária: por uma política econômica pós-neoliberal”, promovido pela Democracia Socialista, tendência interna do PT, na sede do partido, em São Paulo, com transmissão ao vivo pela internet. O encontro debateu um documento que defende uma mudança de rumos na política econômica do governo Dilma e que será apresentado no 5º Congresso do PT, de 11 a 13 de junho.
Arno Augustin questionou alguns consensos que se estabeleceram sobre a situação econômica do Brasil no final de 2014 e início de 2015. O economista assinalou que o Brasil viveu por cerca de oito anos, até 2014, um ciclo de crescimento econômico, fruto de uma política econômica claramente desenvolvimentista, mas hoje está entrando em uma nova fase, com uma visão de política econômica diferente. Augustin citou alguns indicadores da economia brasileira para questionar o diagnóstico de crise fiscal que começou a ser repetido diariamente nos meios de comunicação desde o final de 2014.
“Nós chegamos ao final de 2014 com uma taxa de desemprego de 4,8% e uma taxa de investimentos de 19,7%. A relação dívida/PIB, que era de 62,9% no final dos governos do PSDB, caiu para 36,7% no final de 2014. Se olharmos para a situação da economia do país no final do ano passado, fica difícil falar em crise fiscal, como o próprio governo vem falando agora”, defendeu.
“Diagnóstico equivocado pode piorar situação fiscal do país”
O fato de o país ter tido um pequeno crescimento da relação dívida/PIB em 2014, acrescentou, não autoriza o diagnóstico da crise fiscal. “Em 2009 tivermos um crescimento maior e ninguém falou que estávamos em uma crise fiscal. Passamos a ter uma política diferente a partir de um diagnóstico equivocado de crise fiscal. Saímos de um ciclo virtuoso para um ciclo vicioso que tende a piorar a situação fiscal do país e não melhorar, em virtude da provável queda do PIB em 2015, aumento do desemprego e diminuição de renda. A tendência é que a arrecadação do Estado também caia”, advertiu. Na avaliação do economista, o receituário de reduzir a ação do Estado, com corte de investimentos e elevação da taxa de juros faz com que o crescimento em 2015 esteja bastante ameaçado.
O ex-secretário do Tesouro Nacional questionou também o argumento que defende o ajuste fiscal como uma condição para controlar a inflação. Segundo Augustin, a inflação subiu um pouco em função de medidas corretas tomadas no primeiro governo Dilma para assegurar a manutenção do crescimento no país, mesmo que pequeno. “O país precisa voltar a investir e priorizar o crescimento. Precisamos de uma política monetária diferente da política atual, que vai aumentar a dívida pública, pois vai aumentar o pagamentos de juros pelo governo. Precisamos manter programas como o Pronatec, o Minha Casa Minha, assim como outros investimentos em infraestrutura. Não é necessário nem recomendável essa atual política”.
Por uma nova política da macroeconomia
O cientista político Juarez Guimarães, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defendeu uma nova política da macroeconomia brasileira e criticou o processo de captura de instituições como o Banco Central pelo mercado financeiro. “Há uma disputa por hegemonia política no debate da política macroeconômica. O debate econômico é fortemente permeado por disputa de valores e de visões de mundo. Chamam fracassada uma política econômica que promoveu pleno emprego, controlou inflação, gerou renda e reduziu pobreza. Fracassada como?” – questionou. Guimarães chamou a atenção para o papel do monopólio midiático, aliado do setor financeiro, nesta disputa: “Há um forte processo de formação de opinião e de controle do acesso às informações no debate da política econômica. Houve a criação de um senso comum a partir de uma massiva campanha de propaganda a partir de alguns dados isolados da realidade. Criou-se um efeito simulacro que atingiu a todos. Precisamos repor o debate sobre a política econômica nos termos em que Arno Augustin colocou e sair dessa posição defensiva”.
Guimarães também defendeu que o Brasil não está diante de uma crise fiscal. “Na campanha eleitoral a pressão já era muito grande. Não havia crise fiscal, nem inflação descontrolada, nem perda de confiança do investimento internacional. O que aconteceu para ocorrer essa guinada conservadora na política econômica? Hoje temos um presidencialismo enfraquecido, com uma base política muito heterogênea. O poder de arbitragem da presidenta está muito diminuído. Estamos fazendo esse debate público para apoiar e fortalecer o governo Dilma, aumentar o dialogo com os movimentos sociais, para derrotar os inimigos do governo Dilma. São propostas no limite da responsabilidade para construir uma nova cena política no país”, disse o professor da UFMG.
“Crise fiscal é fabricada pelo terrorismo econômico”
Eduardo Fagnani, professor de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e coordenador da rede Plataforma Política e Social, também considerou “absolutamente correto” o diagnóstico apresentado por Augustin. “Essa crise fiscal é uma crise fabricada pelo terrorismo econômico. Como falar em crise em um país que no final de 2014 tinha uma taxa de desemprego de 4,8%, quando a Irlanda estava com 11% de desemprego, a Espanha 25%, Portugal 14% e a Itália 12%? Como falar de crise com uma relação divida /PIB na casa dos 35%, quando nos Estados Unidos ela é superior a 100%?” – questionou. Para Fagnani, essa crise foi fabricada para desgastar o governo e o PT, que não se defenderam. “Houve um problema de comunicação, Esses dados não foram divulgados, não houve contra-argumentação. Achamos que o João Santana ia resolver tudo. Nos Estados Unidos, Obama tem dez porta-vozes, que estão todo o dia na mídia respondendo e informando. O governo não tem nenhum”.
Se, por um lado, Fagnani concordou com o diagnóstico sobre a política econômica do documento que será apresentado pela DS no Congresso do PT, por outro, defendeu mais ousadia na parte propositiva. “Precisamos rever o tripé macroeconômico cuja ideia central é manter a riqueza do setor financeiro. Essa lógica de fazer superávit primário para pagar os juros interdita qualquer processo de desenvolvimento. Essa gestão ortodoxa do tripé macroeconômico tem sido criticada até pelo FMI”, assinalou. Na mesma linha, a economista Marilane Teixeira defendeu que o Estado brasileiro precisa retomar seu papel de impulsionador do crescimento econômico, o que exige, entre outras coisas, que ele volte a investir. Além disso, assinalou que é preciso enfrentar questões de fundo que vem sendo deixadas de lado. “O grande problema que precisamos enfrentar está localizado na estrutura produtiva do nosso país, na dependência exacerbada que temos em relação às exportações concentradas em commodities e no agronegócio.”
“Questão de fundo é a redução do custo do trabalho”
Para André Singer, professor da Universidade de São Paulo (USP), a questão de fundo que está por trás da proposta do ajuste fiscal é a redução do custo do trabalho. “O objetivo é fazer um reajuste recessivo, até produzir uma quantidade de desemprego que leve à redução do salário dos trabalhadores. Os defensores desse modelo defendem que, se o Brasil não fizer isso, não será competitivo internacionalmente. É por isso que não podemos aceitar esse ajuste. É importante ter claro isso. É isso o que está em jogo. É fundamental para o futuro do PT se colocar contra essa proposta. Ou o partido é dos trabalhadores ou não é dos trabalhadores”, defendeu.
Na gênese da guinada conservadora na política econômica, assinalou ainda Singer, está uma vitória eleitoral e uma grave derrota política em 2014. “A burguesia brasileira se reunificou em torno desse projeto de redução do custo de trabalho que está sendo pedido desde 2012, quando a Confederação Nacional da Indústria (CNI) entregou à presidenta Dilma Rousseff um documento com 101 propostas para modernizar as relações de trabalho no Brasil. Todas essas propostas são no sentido de flexibilizar a CLT. O objetivo central é: reduzir o custo do trabalho. Houve uma reunificação do capital em torno desse projeto rentista e rompeu-se o pacto em torno de um projeto desenvolvimentista”. Esse é, para André Singer, o pano de fundo político da mudança de política econômica, que deve ser analisado pelos defensores da retomada do caminho desenvolvimentista.