“Você me prende vivo, eu escapo morto. De repente, olha eu de novo… perturbando a paz, exigindo o troco…”
Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro.
O reverso da madrugada bate à tua porta.
Mais uma vez. Como há quarenta anos.
Com o nó dos dedos desta noite
que insiste em revogar os códigos do tempo
e prolonga sua aspiração à eternidade.
Há quarenta anos vem polindo algemas.
Com os olhos atentos
de quem te acompanha
por tantos desertos,
em tantas batalhas,
acendo a suspeita:
a Noite chegou tarde
ao encontro que todos esperavam…
A esta altura, você já é
a própria madrugada,
luz intangível que emana
para alimentar esperanças:
Impossível cercar com algemas
os pulsos da madrugada.
Homens vestidos de preto,
sob as ordens de outros tantos,
igualmente vestidos de preto
te conduzem a Curitiba.
Julgam que você lê um livro
no silêncio da cela. E se enganam.
Você está no alto da página de um jornal,
em Nova Iorque, sob a neblina de Londres,
aos pés de Luís de Camões, em Lisboa,
na Puerta del Sol, em Madri.
Não suspeitam, os homens de preto,
que a Universidade de Rosário
te confere nessa hora
o título de Doutor Honoris Causa…
Você desembarca em Roma,
Berlim, Moscou ou no alarido de Beijing…
Anda por uma rua de Paris
que se despede do inverno,
acenando flores ainda indecisas
para tecer a irrevogável primavera
que se anuncia.
Você roda pelo sul do país,
sob o fogo das carabinas
ou no Eixo Norte da transposição,
rebatizado em Monteiro, na Paraíba.
Ali o São Francisco lança água
e esperança
nos olhos de teus irmãos.
Você chama o país a S. Bernardo,
para devolver São Bernardo ao país:
os sentidos de S. Bernardo,
os sonhos de S. Bernardo.
E avisa:
“não se aprisionam os nossos sonhos” .
Hoje você foi visto, finalmente…
agitando bandeiras na cobertura
de um certo tríplex, no Guarujá…
e expôs a fraude da sentença
que te condena
e a verdade que te absolverá.
A vida é breve para uma luta tão longa.
Não basta uma vida para tantas batalhas.
“Dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria…”
repetem há 200 anos as montanhas de Minas…
A vida, há que multiplicá-la por tantos
quantos forem teus filhos vivos.
Nossa palavra será o teu alimento.
Devolvemos a você,
raiz e destino de nossas esperanças,
a força de sua voz rouca
que nos ecoa no coração,
com a ternura rabiscada na letra incerta
das crianças, dos peões ou das mulheres do povo
que te escrevem – garrafas ao mar… –
mensagens de acender
amor em dias de indignação.
O amor em tempos sombrios,
nos ensina a soprar sob as cinzas
as brasas sagradas da cólera…
*Pedro Tierra é poeta. Militante do Partido dos Trabalhadores.
Acampamento “Lula Livre”, Brasília, antevéspera do 21 de abril.